Grande leitura!
Palestinos podem aprender com história sionista
ETHAN BRONNER
The New York Times
Os palestinos freqüentemente são chamados de judeus do mundo árabe: um povo sem Estado, numa diáspora, vivendo com sua criatividade, sonhando com um retorno a sua terra histórica. Nenhum dos dois lados gosta dessa comparação. Ela traz implícita uma equivalência que ambos rejeitam.
Mas a comparação continua sendo feita e é comum, mesmo entre os próprios israelenses e palestinos. Os palestinos estudam os marcos do movimento sionista em busca de guias e freqüentemente se referem ao sistema político de Israel, com seu debate livre e democrático, como um modelo para o seu próprio.
Um marco em particular é objeto de estudo hoje -
a importante decisão de David Ben-Gurion, em 1948, de pôr fim às atividades terroristas dos judeus e submeter as facções armadas ao controle do governo.
Quando os primeiros-ministros Ariel Sharon (israelense) e Mahmud Abbas (palestino), se encontraram na semana passada, em Jerusalém. e se preparavam para ver o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, amanhã em Amã, na Jordânia, uma das grandes questões discutidas foi o fim do terrorismo dos grupos palestinos renegados. O primeiro-ministro palestino ressaltou que esperava obter um pacto com o Hamas (com cujos líderes se reuniu na semana passada na Faixa de Gaza), o principal partido islâmico palestino que se opõe categoricamente a um acordo de paz, para deter a violência contra os israelenses.
Altalena - Mas Sharon e seus assessores dizem que um pacto de cessar-fogo não é suficiente e é preciso prender e desarmar os militantes. O que os israelenses afirmam cada vez mais é que os palestinos precisam de "seu próprio Altalena".
Pouco conhecido no mundo exterior, o episódio do Altalena é invocado com freqüência porque, sem algo equivalente, o Estado palestino pode nunca se concretizar.
Nos anos finais do mandato britânico na Palestina, não havia só uma milícia judaica, mas várias, assim como há grupos palestinos concorrentes hoje. A principal, a Haganah, era liderada por Ben-Gurion. Outra, mais violenta e radical, a Irgun Zvai Leumi, normalmente chamada apenas de Irgun, era liderada por Menachem Beguin. A Irgun, ao lado de um grupo ainda mais radical, Stern Gang, foi responsável pelo massacre de mais de 200 palestinos na vila de Deir Yassin em abril de 1948.
Transcorrido um mês, depois que os britânicos deixaram a Palestina e Ben-Gurion proclamou o Estado de Israel, os Exércitos árabes atacaram.
No dia 1º de junho, a Haganah e a Irgun concordaram em se fundir e dar origem às Forças de Defesa de Israel, lideradas por comandantes da Haganah.
O acordo obrigava os membros da Irgun a depor armas e interromper as atividades separadas, incluindo a importação de armas.
Mas permaneceu em aberto a questão de um velho navio de desembarque de tropas da Marinha dos EUA trazido pelos simpatizantes americanos da Irgun e rebatizado de Altalena. O navio, cuja compra antecedera o acordo de 1º de junho, levava 850 voluntários, 5 mil fuzis, 3 mil bombas, 3 milhões de balas e centenas de toneladas de explosivos.
Ben-Gurion queria todos os soldados e balas que fosse possível reunir e ordenou que o navio aportasse. Mas Beguin disse que as armas deveriam ficar com as tropas da Irgun. Ben-Gurion rejeitou a idéia; àquela altura, homens da Irgun já se dirigiam à praia para descarregar as armas.
Ben-Gurion entendeu o desafio à sua frente. Como ele explicou em suas memórias: "Decidiu que essa deveria ser a hora da verdade.
Ou a autoridade do governo prevaleceria e poderíamos então continuar a consolidar nossa força militar, ou o conceito de nação se despedaçaria de uma vez."
Ele ordenou o bombardeio do Altalena. Dan Kurzman, em sua biografia de Ben-Gurion, Profeta do Fogo, descreve o velho homem reunido com seu gabinete logo antes da decisão, "Seus olhos inflamados com a falta de sono, seus cabelos ainda mais revoltos que o normal", e afirmando: "O Estado não poderá existir antes de termos um Exército e o controle desse Exército." Depois que os voluntários desembarcaram, Beguin subiu a bordo, com outros combatentes da Irgun. O bombardeio começou. Quando o Altalena se incendiou, Beguin foi atirado ao mar por seus homens e carregado para terra firme. O navio afundou, com a maior parte das armas e mais de uma dúzia de membros da Irgun. Outros foram presos e as atividades independentes da Irgun finalmente chegaram ao fim.
"Abençoado seja o canhão que atacou aquele navio", declarou Ben-Gurion, fornecendo a seus inimigos políticos da direita um slogan contra ele pela próxima geração.
Em suas memórias de 1953, A Revolta, Beguin (que anos mais tarde ocuparia a chefia do governo e assinaria um acordo de paz com o Egito) diz que conheceu a fome e a desgraça em sua vida, mas chorou apenas duas vezes - uma de alegria, quando o Estado foi proclamado, e outra de tristeza, na noite em que o Altalena foi destruído.
A questão para os palestinos é que, se suas milícias radicais não forem postas fora de ação, estes grupos sempre estarão na posição de sabotadores.
Em 1996, a Autoridade Palestina se mostrou capaz do confronto, realizando prisões em massa de extremistas no rastro de vários atentados suicidas.
Milhares de militantes foram presos. Mas a maioria foi libertada mais tarde.
Os palestinos precisam fazer isso de novo, e de uma maneira definitiva. O Altalena é um símbolo da missão porque envolveu o confronto genuíno, mas poucas fatalidades. Como Ben-Gurion escreveu em suas memórias: "O incidente quase provocou uma guerra civil entre os próprios judeus."
"Mas aos olhos do mundo havíamos nos afirmado como uma nação. Quando a fumaça se dissipou e a indignação morreu, a população em geral se submeteu sinceramente a seu governo. Os dias dos exércitos privados eram passado e, à maneira de todos os Estados bem organizados, tínhamos a estrutura de um comando central sob controle do governo."
http://www.estado.estadao.com.br/editor ... nt021.html