Crimeia declara independência e Ucrânia começa a juntar tropas
João Ruela Ribeiro
11/03/2014 - 14:04
(actualizado às 14:50)
Vai ser formada a Guarda Nacional para suprir as carências do Exército ucraniano. EUA iniciam exercícios militares no mar Negro e na Polónia.
O Parlamento regional da Crimeia aprovou nesta terça-feira a independência da península em relação à Ucrânia, uma etapa prevista rumo ao referendo de domingo. As autoridades de Kiev já afirmaram que não vão reconhecer a decisão de um parlamento que consideram ilegal e preparam-se para defender o território.
Os deputados reunidos no Parlamento na capital da Crimeia, Simferopol, utilizaram o precedente do Kosovo para defenderem o seu propósito e invocaram a Carta das Nações Unidas, bem como “toda uma série de outros documentos internacionais que estabelecem o direito dos povos à autodeterminação”, segundo o texto aprovado.
A declaração de independência da península do mar Negro é um passo prévio para a integração da Crimeia na Federação Russa. A vitória do “sim” no referendo de 16 de Março – o resultado mais esperado – será seguida de um pedido formal “à Federação Russa para [a Crimeia] ser admitida, tendo por base um acordo intergovernamental idóneo, como novo sujeito da federação”, lê-se na declaração, aprovada por 78 dos 81 deputados presentes.
Moscovo já mostrou abertura para aceder ao pedido das autoridades da Crimeia. Logo após o anúncio da marcação do referendo, na semana passada, os presidentes das duas câmaras legislativas da Federação Russa garantiram que a Rússia “apoiará a decisão do povo da Crimeia”.
EUA em exercícios militares
Bem perto do foco da tensão, os Estados Unidos iniciam esta terça-feira um conjunto de exercícios militares em coordenação com aliados regionais da NATO.
Apesar de o Pentágono ter sublinhado que as manobras estavam previstas ainda antes do início da crise na Crimeia, a resposta dos EUA não deixa de ser vista como uma tentativa para acalmar os países da Europa de Leste, intranquilos pela instabilidade na região.
O ministro da Defesa polaco, Tomasz Siemoniak, afirmou que estava previsto que os exercícios conjuntos fossem mais reduzidos, mas que a tensão na Ucrânia levou Varsóvia a solicitar aos EUA o envio de caças. Washington acedeu ao pedido e pelo menos 12 caças F-16 deverão chegar à Polónia esta semana, segundo a AFP.
Para além dos exercícios com a Polónia, os Estados Unidos vão enviar o navio USS Truxtun, com 300 militares, para patrulhar o mar Negro, onde se vão coordenar com unidades da Marinha búlgara e romena. As manobras vão ter lugar perto da cidade portuária romena de Constanta, a apenas 350 quilómetros de Sebastopol, onde está estacionada a Frota Russa no Mar Negro.
“O objectivo do exercício é o de aumentar a compatibilidade operacional dos navios da Marinha dos membros da NATO, melhorar o entendimento mútuo e aumentar o nível de preparação no mar”, segundo o Ministério da Defesa búlgaro.
A NATO iniciou, entretanto, um conjunto de voos de reconhecimento sobre a Polónia e a Roménia para monitorizar a situação no território ucraniano. Esta terça-feira, o espaço aéreo da Crimeia foi fechado a todos os voos comerciais, excepto os provenientes ou com direcção a Moscovo, segundo a AFP.
Nova força de segurança
As novas autoridades da Ucrânia negam-se a reconhecer legitimidade à consulta popular e não estão dispostas a abrir mão de nenhuma parte do território. O primeiro-ministro interino, Arseni Iatseniuk, disse recentemente que não vai ceder “um centímetro que seja do território ucraniano”.
Iatseniuk é recebido na quarta-feira na Casa Branca e na quinta vai discursar ao Conselho de Segurança da ONU sobre a intervenção russa na Crimeia.
Numa derradeira tentativa, o Parlamento ucraniano alertou as autoridades da Crimeia que o parlamento regional poderá enfrentar a dissolução caso o referendo vá em frente.
No mesmo dia em que a Crimeia declara a independência, o Presidente interino da Ucrânia anunciou a fundação de uma nova força de segurança, com o objectivo de “defender os cidadãos dos criminosos e de agressões internas ou externas”.
A Guarda Nacional terá por base as forças existentes do Ministério do Interior e será totalmente composta depois de ser concluída a mobilização de voluntários com experiência militar. Oleksander Turchinov sublinhou a necessidade de reconstruir as Forças Armadas ucranianas, numa altura em que tem subido a tensão com a Rússia, que Kiev acusa de ter invadido a Crimeia.
A nova administração ucraniana tem tido mão pesada para conter qualquer ameaça de separatismo. O ex-governador da região de Kharkov (Leste), Mikhail Dobkin, foi detido na segunda-feira e pode ser condenado a uma pena de cinco anos de prisão por "ataques à integridade territorial e à independência da Ucrânia", segundo um comunicado da Procuradoria, citado pela RIA Novosti.
Dobkin, que abandonou o cargo para se candidatar às eleições presidenciais de 25 de Maio, terá defendido a federalização da Ucrânia durante uma mesa redonda em Kharkov, a 12 de Fevereiro, segundo o jornal ucraniano de língua inglesa Kyiv Post.
A detenção de Dobkin, que é muito popular junto das populações russófonas do Leste do país, pode fazer aumentar a desconfiança sobre as novas autoridades ucranianas. Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país e um dos oligarcas mais influentes na vida política ucraniana, mostrou-se disponível para pagar a fiança de Dobkin.
"Quando as autoridades detêm um dos líderes do Leste da Ucrânia, isso não acalma a situação an região, mas sim inflama. Deve ser um tribunal independente a decidir, depois de uma investigação profunda, se Mikhail Dobkin é culpado ou não", afirmou Akhmetov, através de um comunicado. Akhmetov é considerado o homem por trás da ascensão de Ianukovich, mas desde a sua fuga do país que tem apoiado os novos governantes.
http://www.publico.pt/mundo/noticia/cri ... as-1627857