Além disso, mesmo que volta daqui alguns meses, quebrou a sequência de renovação e manutenção dos estão nos programas. Assim, como a maioria não quer e nem pretende pagar para trabalhar, abandonam os projetos e programas. Talvez, os estados com fundações de pesquisa fortes (FAPEMIG em Minas Gerais e Fapesp em São Paulo) podem minimizar o problemas. As universidades privadas (FGV, Insper, Puc-rio) possam arcar com os custos ou buscar mecenas entre ex-alunos milionários.
O que indica a importância de regulamentar a profissão e cargo de cientista, estabelecer qual o papel de fundações ou institutos de pesquisa e sua relação com universidades.
Gestão Bolsonaro faz corte generalizado em bolsas de pesquisa no país
Medida atinge até alunos que já tinham sido aprovados; estudante chegou a mudar de estado
A gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) bloqueou nas últimas horas de forma generalizada bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Segundo relatos de coordenadores de programas, financiamentos que estavam temporariamente sem uso foram retirados do sistema do órgão de fomento ligado ao Ministério da Educação (MEC).
As bolsas pertenciam a alunos que já defenderam seus trabalhos recentemente e seriam destinadas a estudantes aprovados em processos seletivos concluídos ou em andamento. O corte pegou as universidades de surpresa e atingiu não só áreas de humanas, que a gestão do ministro Abraham Weintraub disse não ser prioridade do investimento público, mas também as de ciências.
No Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), 38 bolsas foram cortadas – 17 de mestrado, 19 de doutorado e duas de pós-doutorado. Elas custeariam estudos nas áreas de botânica, ecologia, fisiologia, genética e zoologia.
Segundo o professor Eduardo Santos, vice coordenador do programa de pós-graduação em zoologia, a medida atrapalha a formação de pesquisadores e a produção de conhecimento sobre biodiversidade e ainda dificulta a gestão interna. Na semana passada, o programa fez um exame de ingresso na pós-graduação contando com o número de bolsas disponíveis.
— Nosso planejamento gira em torno dessa estabilidade — diz.
Ele afirma ainda que, há dois meses, o programa consultou a Capes por escrito para saber se poderia esperar um pouco para preencher a cota da bolsa de pós-doutorado, para que se pudesse elaborar um edital adequado. Receberam a resposta de que sim e, nesta quarta-feira, souberam que esse auxílio foi cortado. O programa tem nota máxima na avaliação de qualidade da Capes.
Medida pega estudantes de surpresa
Além de professores, a medida pegou de surpresa também estudantes que já tinham passado em processos seletivos. Aprovada no mestrado em botânica da USP, Adriana dos Santos Lopes, 29, acabou de se mudar do Espírito Santo para São Paulo e, sem financiamento, agora não sabe se vai conseguir continuar os estudos.
Ela desistiu de outra bolsa para fazer o programa da USP.
— Estou vendo a possibilidade de voltar ou recorrer a algum alojamento emergencial, mas não sei como vou fazer — diz.
No início da tarde desta quarta-feira (8), o pró-reitor de Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, enviou comunicado a seus colegas de universidade compartilhando a sua preocupação com a medida da Capes.
— No dia de hoje, as bolsas que constavam como disponíveis para novas implementações foram zeradas nos sistemas — escreveu.
Ele disse ainda que uma transferência bancária que era esperada para verba de custeio não havia sido efetivada e que estava em busca de esclarecimentos da Capes, sem sucesso.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ao menos 40 bolsas foram suspensas, segundo levantamento ainda preliminar da instituição, que reclamou da "insensatez da medida".
— Percebeu-se que o sistema para o cancelamento e atribuição de bolsista estava fechado justamente no período do mês que deveria estar aberto para tais remanejamentos. Foram recolhidas bolsas que estavam há apenas 15 dias "ociosas", muitas vezes aguardando justamente a abertura mensal do sistema da Capes para a indicação do bolsista — diz nota da pró-Reitoria de Pós-Graduação.
Relatos de problemas em várias universidades do país
Há relatos do mesmo problema em diversas localidades do país, como Paraná, Minas Gerais, Goiás e Ceará. Na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, aos menos 38 bolsas que seriam concedidas no início do segundo semestre sumiram do sistema. Questionada, a Capes ainda não respondeu até a publicação desta reportagem.
O órgão foi um dos atingidos pelo contingenciamento promovido pela gestão Bolsonaro. No total, foram congelados R$ 819 milhões, ou 19% do valor autorizado, segundo dados da semana passada. O maior volume de corte é nas bolsas de pesquisa no ensino superior: R$ 588 milhões, ou 22% do previsto.
O órgão havia informado, na semana passada, que haveria o congelamento de todas as bolsas ociosas identificadas nos programas de pós-graduação. O temor entre pesquisadores é qual será o critério para o entendimento de ociosidade, o que pode impactar na não renovação do número atual de bolsas.
Pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jorge Herbert Soares de Lira afirma que a existência de bolsas não utilizadas faz parte da rotatividade normal das vagas.
— À medida que os estudantes defendem os seus trabalhos, elas ficam vagas e logo serão destinadas a outros alunos.
A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) também já questionou a Capes nesta quarta-feira sobre o tema, mas não obteve resposta.
— O mais preocupante é que não tem perspectiva de reversão do bloqueio no segundo semestre. Todas as sinalizações são no sentido de um corte geral — diz a presidente da associação, Flávia Calé da Silva. — O ministro da Educação (Abraham Weintraub) foi ao Senado e condicionou a volta dos investimentos à aprovação da reforma da Previdência, em uma espécie de chantagem.
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/ ... pais.shtml