#816
Mensagem
por Túlio » Dom Jul 08, 2012 6:25 pm
SEIS HORAS - PARTE 36
O Feldmarschall Eins não viu quando o pequeno VANTC Harpia C (de Combate) passou quase que diretamente sobre sua cabeça a uma altitude de 20.000 pés, algo como seis km. Mas sabia que algumas unidades estariam por ali, o Brigadeiro Maicá lhe prometera, ainda em Santa Maria. A pequena aeronave a pistão de cauda dupla, eriçada de sensores e com um par de mísseis ar-ar IGLA-R (versão desenvolvida entre Brasil e Rússia, cujas principais características eram um motor mais potente e com menor emissão de fumaça e uma cabeça de busca por imagem termal, Refrigerada - daí o "R" - a nitrogênio líquido) cruzava a baixa velocidade em direção a uma das possíveis rotas da força mista americana-argentina com a missão do avaliar seu poderio, direção e velocidade de deslocamento. Eins não via aquelas pequenas aeronaves mas sabia que estavam lá, pois não havia nenhum '99 no TO (estavam todos no norte) e seu data-link estava sendo constantemente atualizado por meios que de modo algum poderiam ser terrestres. O BraSat-M na versão de espionagem também não podia ser, não produzia imagens com tal definição. Não, eram os "Falken" (falcões, como os chamava). Discutira com o Brigadeiro Maicá que, num primeiro momento, sugerira que fossem desarmados para otimizar a persistência no TO, o que o Feldmarschall achara uma heresia, um falcão sem capacidade de atacar; a seguir o Brigadeiro sugerira um par de mísseis AC MSS 3.2, para aproveitar alvos terrestres de oportunidade, o que levara Eins à indignação:
- Maicá, em terra pode deixar, eu e meus garotos podemos acabar com aquelas latas de lixo ambulantes deles sem qualquer ajuda, creia. - o Brigadeiro também havia oferecido um esquadrão de A-1M, polidamente recusados.
Então ficara assim, os Harpias (Falken, para Eins) levavam apenas um par de leves IGLAS-R, que proveriam sua própria defesa contra meios aéreos sem comprometer muito o alcance e persistência. Maicá ainda argumentara sobre a temeridade de se lançar ao ataque sem conhecer os meios de que o inimigo dispunha, principalmente aéreos. Eins apenas rira, ao responder:
- Meios aéreos? Todo mundo sabe que os americanos não trouxeram nem mesmo um helicóptero, por alguma razão lhes negaram apoio aéreo, talvez por acharem que iríamos concentrar tudo no norte o que, até onde sei, é verdade.
- Mas restam os argentinos, Eins...
- Eles? Meia dúzia de Mirages dos anos 70, uma de Skyhawks e outro tanto ou pouco mais de Pucarás. Hah! Você acha que essas velharias passam pela nossa Flak (era assim que o Feldmarschall se referia à AAAe)? Mas nem chegam perto, posso garantir. Se forem suficientemente doidos de voarem a menos de 100 km de nós vão direto pro chão, confie em mim.
E agora Eins sorria ao ser informado do abate de dois Skyhawks a cerca de 130 km pelos S-300 que davam proteção antiaérea de longa distância às suas forças. Não ficou tão feliz ao saber que um Predator também fora atingido mas, de certo modo, sabia que a presença deles no TO seria inevitável. Bem, contava com uma Flak muitíssimo melhor que a do inimigo...
O General Hopkins não estava gostando nada daquilo. Comandava uma força poderosa, mesmo para os padrões americanos, mas puramente terrestre. Nada de USAF arrasando o grosso das forças inimigas nem defendendo os céus acima dele, nada de helicópteros de ataque e transporte, nada de AC-130, tudo o que tinha no ar eram aquelas velharias dos argentinos e alguns Predators. Não era assim que se lutava uma guerra, ao menos não a maneira americana de fazê-lo. Pela primeira vez em bem mais de meio século uma força americana em avanço estava à mercê de um ataque aéreo. E o que tinham para enfrentar aeronaves inimigas, no caso os "bees" (era assim que chamavam os AMX) brasileiros, que podiam disparar com precisão armas guiadas a longa distância? Mísseis Stinger 2 e alguns sistemas Chaparral, velhíssimos, que disparavam as primeiras versões do míssil Sidewinder. Até os argentinos estavam melhor com seus igualmente velhos canhões geminados Oerlykon de 35 mm e alguns lançadores de mísseis Roland 2, tudo material dos anos 70 e ainda por cima rebocados, o que exigia um tempo de que não disporiam para entrarem em posição, se fossem atacados pelos malditos jatinhos brasileiros. Não, não estava gostando nada daquilo...
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O grande helicóptero, um AW-101VVIP, decolara fazia pouco mais de uma hora. O comandante, tendo por co-piloto um ex-militar altamente treinado pela aviação militar saudita, fizera uma grande curva a partir do ponto inicial, de modo a dirigir-se a seu destino parecendo vir de outro ponto. Os passageiros eram poucos para o tamanho e capacidade da aeronave: P44, aliás Bin Laden, com suas duas esposas favoritas, Cabeça de Martelo com uma lourinha sueca e um menino. Este, olhando pela ampla janela:
- Olha lá, tio Cabeça, que legal!
Os dois homens a bordo da cabine de passageiros olharam ao mesmo tempo. Seus semblantes endureceram.
Eram helicópteros militares americanos. Pelos rotores em tandem, pareciam Chinooks àquela distância. Dirigiam-se para sua residência, calculou P44. Perguntou a um dos dois pilotos e obteve confirmação, a rota que seguiam as aeronaves era aquela. À guisa de consolação, o co-piloto disse:
- Pode ser que passem direto ou estejam seguindo esta rota como disfarce para, mais adiante, virarem em direção a seu verdadeiro alvo.
P44 nada disse em resposta. Sentia que era sua casa o destino final daquelas aeronaves. Uma delas interrogou o comandante do voo (isso foi o que ele pensou, na verdade era um dos F-15SE que faziam a escolta da força de ataque e voavam muito mais alto), que respondeu em inglês se tratar de um voo de rotina para buscar um importante político marroquino em sua cidade natal. A informação era verificável, pois o político estava mesmo no local indicado, segundo a fonte da Al-Qaeda. O atentado contra ele se consumaria em menos de doze horas. Após alguns minutos, o piloto inimigo - que certamente verificou as informações dadas - chamou de volta e despediu-se com um lacônico "prossiga". O comandante do voo apenas sorriu de leve e bebeu um gole da garrafinha de Stolichnaya que carregava no bolso do peito da velha jaqueta de voo da FAB, que fazia questão de usar. "Que gente burra, POWS..." - murmurou.
Na traseira, o menino exclamava, entusiasmado:
- São dez, tio Cabeça, dez de uma vez só!
- Ó miúdo, que dizes? Contei nada menos de dezoito, pá!
Algo emburrado, o menino respondeu:
- É que só sei contar até dez...
Cabeça riu.
- Este puto é uma graça, não, meu sinhoire?
Mas P44 não sorriu, na verdade mal tinha ouvido a conversa. Pensava no que estava para acontecer. Seu chefe de segurança compreendeu e tentou animá-lo:
- Calma, meu sinhoire, pode ser o que o homem disse, eles podem estar apenas...
- Não tentes me enrolaire, ó raios! Sei para onde vão e o que pretendem fazeire, aliás, que irão fazeire!
Contrito, o segurança baixou a cabeça. Após alguns instante, tornou a a falar:
- Meu sinhoire, Alá sabe o que...
P44 explodiu:
- Queres paraire com essa conversa mole? Tens idéia do que é ficar viúvo setenta vezes ao mesmo tempo, pá?
Até o menino silenciou. As mulheres começaram a chorar, pois compreenderam do que ele falava, mesmo a jovem sueca. Falava de outras mulheres, que conheciam e que em breve iriam morrer.
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O coronel americano se embrenhou ainda mais no matagal. Era um homem enorme, daria um belo e apetitoso alvo para o sniper que abatera seu capitão. Precisava agora pensar em como sobreviver e escapar. Esta era a pior parte, estava, até onde sabia, a milhares de km da aeronave americana mais próxima. Vira seus helicópteros serem abatidos um a um, tanto os de transporte quanto os de ataque. Seus sentidos estavam aguçadíssimos, graças à adrenalina bombeada em suas veias. Foi quando, totalmente imóvel, ouviu um leve ruido atrás de si.
Simba seguira inicialmente o cheiro de sangue. Agora farejava algo vivo, o forte odor de suor. Mas não era o que conhecia, o dos homens que conhecia. Era como se houvesse gordura no ar. Nunca sentira um cheiro assim antes. E ele era bem apetitoso. Cautelosamente, foi em sua direção.
O coronel voltou-se lenta e silenciosamente em direção ao ruído que ouvira. Seria o maldito sniper? Bem, ele aguardaria que se movesse novamente e lhe daria algo de que nunca se esqueceria, ao menos não no seu último segundo de vida. Moveu bem devagar sua M-4, macabramente enfeitado com um escalpo humano (um afegão que abatera) bem na junção do cano com a telha, mais ou menos na direção do ruído, esperando que se repetisse.
Simba agora estava imóvel, a menos de seis metros da fonte do delicioso aroma, perfeitamente mesclada à vegetação circundante. Suas narinas se dilataram para desfrutar melhor do cheiro de sua próxima refeição, que estava meio de lado, olhando para um ponto acima, à sua esquerda. A onça de algum modo sabia que sua presa jamais teria oportunidade de se defender, tal a velocidade com que a atacaria. Então, impulsionada por seu instinto e pela fome que lhe roía as entranhas, lançou-se contra o homem de cheiro gostoso.
Na posição em que estava, era difícil mover-se sem produzir ruído. Ademais, era incômoda assim, meio de lado. Começou a mover-se lentamente, buscando produzir o mínimo de ruído ao tentar deitar-se de costas, mas sempre com os olhos e a arma varrendo a área de onde pensava ter vindo o ruído. Não se dá chance a um sniper.
Mas não estava absolutamente preparado para o que viu. No fim das contas, não era um sniper...
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O agente 47 esperou até ouvir o ruído do chuveiro sendo acionado. Então sim, posicionou os dedos sobre o teclado de modo a digitar por simples pressão, de modo a sequer ser possível a algum ouvinte ou microfone nem mesmo saber quantos caracteres digitara. Em instantes, estava logado e conectado ao principal banco de dados da Organização. Primeiramente - segurança nunca é perda de tempo - checou os assentamentos na ficha da agente 98. 22 anos mas com aparência e vocabulário de inofensiva adolescente. Fluente em seis idiomas. Expert em armas leves e combate corpo a corpo. Jamais sua competência ou lealdade à Organização fora sequer questionada. Isso era importante, sabia como aqueles padres eram desconfiados, paranóicos mesmo. A mais leve dúvida já causara mortes de operadores antes. Concluiu que ela era confiável. Bem, até certo ponto, claro. Ele tinha seus próprios critérios e eram bem mais rigorosos que os da Organização. Um dos padres já pagara discretamente com a vida por uma frase dita à pessoa errada, no lugar errado.
Então passou a outro ponto da database. Chuck Norris. O que leu, um longo dossiê, o preocupou como nunca antes: o homem era praticamente indestrutível, à prova de morte. Bem, diziam mais ou menos isso de John Rambo também e não lhe custara mais do que quatro dias de paciente espera e um projétil .338 Lapua Match para acabar com a lenda. Mas havia o relatório de 98. Um disparo de 5,7 mm na têmpora e mais dezenove distribuídos pelo tórax e abdômen. E mesmo assim conseguira acordar e matar o agente 17, que fora seu instrutor em sniping, o homem sabia tudo o que se podia saber sobre seu trabalho e mesmo assim fora abatido daquele jeito, com uma mísera mini-Uzi. Não, não era um caso a ser abordado de modo convencional. Tinha que escavar mais, achar algo que pudesse usar contra aquele homem. Nem ouviu o chuveiro ser desligado, tão concentrado estava. Havia achado algo. Sempre encontrava, era questão de saber procurar. Só então sentiu o perfume e ouviu a voz às suas costas:
- John Kirby? Quem é esse?
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A bordo do São Paulo algo estranho ocorria, como se já não bastassem todos os estranhos acontecimentos até então. O cavaleiro desmontara e retirara o elmo. Bastava aproximar-se de um marujo e este imediatamente se ajoelhava, cabeça e olhos baixos. Grupos inteiros faziam isso. O Comandante Marino estava atônito:
- O que diabos é isso agora, Ciclone?
O imediato Walther respondeu, com ar vago:
- O senhor sabe como é a marujada, não há nada mais supersticioso. Estão achando que é uma espécie de santo ou algo assim. Pelo menos é o que eu acho. O fato é que a gente se sente meio esquisito perto do homem, se ele olha nos olhos, então...
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98 vestia apenas um roupão de saída de banho. Tinha a mão em seu ombro. Seu perfume era delicioso. Aquele corpo jovem, duro e macio nas partes certas. 47 até esqueceu de fechar o laptop. Isso por apenas um segundo, claro. Fechou-o então, voltou-se e a olhou nos olhos:
- O que deseja?
Ela nada disse. Apenas deixou cair o roupão. Um milhão de palavras não teriam tido tanta eloquência.
Pois não havia nada por baixo. Exceto o mais belo e desejável corpo que 47 já vira em seus 30 anos.
“You have to understand, most of these people are not ready to be unplugged. And many of them are so inured, so hopelessly dependent on the system, that they will fight to protect it.”
Morpheus