Não, não mesmo!!!
O interesse não é da força, mas do MinDef
Prezado Paulo Bastos,
Primeiramente, muito obrigado pelo seu empenho e persistência em trazer a nós aqui do fórum informações atuais e contextualizadas dos "corredores" das nossas forças armadas. Sem dúvidas, nosso ambiente é extremamente enriquecido com suas contribuições.
Não obstante, gostaria de chamá-lo à reflexão em rápidas palavras, bem como os outros colegas foristas para os seguintes temas:
1. Significado de "interesse da força" no contexto da AAE;
2. Relação institucional entre os ramos das Força Armadas (neste caso EB) e Ministério da Defesa;
3. Aproximação estratégica Brasil-Rússia no âmbito de defesa, no particular caso da AAE.
1. A problemática do "interesse da Força" foi abordada, ao meu ver, de modo correto pelo Marino ao se referir a procedimentos institucionais de determinação de requisitos operacionais dos equipamentos necessários ao cumprimento das missões constitucionais de cada uma das Forças. No caso particular do EB, há um ROB que expressa administrativo e juridicamente as necessidades "de interesse" da Força. Se o conspícuo general não concorda com o caminho tomado e tem competência (poder-dever) de se manifestar em contrário - deveria fazê-lo de forma procedimental. A Força só tem a ganhar, caso contrário o argumento denota apenas o "interesse particular de determinado grupo de pessoas", diferentemente do EB e MinDef.
Qual seria, portanto, o interesse da Força? Creio que
a aquisição de material adequado e apto ao cumprimento da missão de defesa antiaérea do país. Se pegarmos por analogia a expressão da COPAC durante a escolha do FX dizendo que "os três finalistas cumprem a missão e a escolha final incorporará elementos de caráter político-estratégico", o Pantsir se encaixaria bem no conceito de "interesse da Força" e não somente do MinDef.
2. O assunto das relações institucionais entre as Forças Armadas e o correspondente comando civil, materializado no Ministério da Defesa é bem mais espinhoso e profundo. Aqui não é o melhor lugar para digressões. O que vemos, no entanto, é um aperfeiçoamento essas instituições. Não defendo a ideia de que "o MinDef entende de política estratégica enquanto as Forças entendem de assuntos táticos e estratégicos", mas que ambos estabeleçam um diálogo profundo sobre os objetivos e métodos a serem definidos pela nação.
Qualquer país, na atual conjuntura, não trata Defesa sem a consideração de elementos de ordem civil, política e estratégica. O Pantsir é fruto da aplicação prática de elementos teóricos-estratégicos da relação Brasil-Rússia, assim como foram os submarinos em relação com a França. Nesse sentido, os objetivos do EB estão alinhados com o MinDef, mesmo que alguns argumentem em contrário. Mês passado a Rússia recebeu uma comissão chefiada por ninguém menos do que o Gen Villas Bôas, comandante do Coter, o que denota um interesse crescente
dos próprios militares em relação à Rússia.
3. Esse ponto refere-se principalmente à seguinte afirmação do amigo numa página anterior:
Essa movimentação (que eu chamo de Lobby), como eu já disse, é uma pressão do Governo Federal para compra de ALGUMA COISA RUSSA depois que os mesmos anunciaram uma série de restrições as nossas exportações de carne como forma de diminuir o déficit na balança comercial que os russos tem conosco.
O maior lobista nesse caso é a JBS, detentora da marca FRIBOI.
O encaixe da aproximação estratégica Brasil-Rússia em argumentos economicistas de agronegócio é, talvez, reducionista ao extremo e ofusca o real desenvolvimento das relações internacionais destes dois importantes países. Há inúmeros estudos sérios focados nas relações econômicas, institucionais e estratégicas entre o Brasil e Rússia. Alguns bem interessantes:
As relações russo-brasileiras no pós-Guerra Fria - Revista Brasileira de Política Internacional
http://www.scielo.br/scielo.php?script= ... 0000200003
Lula's foreign policy and the quest for autonomy through diversification - Taylor & Francis
http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1 ... G2SuclN2Uk
O Brasil e os demais BRICs: comércio e política - CEPAL
http://repositorio.cepal.org/handle/11362/1396
A nova geopolítica das nações e o lugar da Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul - UFRJ
http://revistaoikos.org/seer/index.php/ ... Article/10
E para focar principalmente no agronegócio,
Mercado de Carnes Brasil-Rússia: uma análise a partir da perspectiva da nova economia institucional - UNB
http://www.spell.org.br/documentos/download/10673
Por mais que muitos se manifestem ao contrário, o desenvolvimento das relações internacionais na atual conjuntura de um mundo multipolar tem forçado a aproximação Brasil-Rússia. Nosso país é hoje
o maior exportador de carne bovina, aviária e suína para a Rússia. No mês de setembro ocorreu uma grande feira de agronegócio em Moscou "World Food Moscow" onde os empresários brasileiros e russos chegaram à conclusão de que a exportação brasileira de carne à Rússia está saturada. Não há como exportar mais. Os outros tipos de carnes que os consumidores russos procuram não são produzidas pelo Brasil (gado bovino Hereford, Angus, Shorthorn criados em apenas alguns países europeus, Nova Zelândia e Austrália) tendo em vista que nossa principal criação é o Nelore. Portanto, é pouco provável que a Friboi, de fato o maior exportador brasileiro de carnes, tenha capacidade de fazer um lobby tão grande em prol de produtos russos. Isso é, na minha opinião, lenda de internet.
Por outro lado, o Pantsir é um dos produtos que refletem a excelência russa na área de AAE. Um dos poucos produtos daquele país com capacidade de “ocidentalização”, devido à sua estrutura modular tanto da carreta transportadora quanto do módulo de combate, como afirmado na apresentação de 2012 noticiada pela Alide.
http://www.alide.com.br/joomla/componen ... a-o-brasil
A compra desse equipamento está pautada em critérios técnicos e político-estratégicos, por isso conduzido pelo MinDef. Não há prejuízo às funções constitucionais da Força, como citado por mim anteriormente. Há, logicamente, divergentes com argumentos robustos contra à essa compra, mas que não podem negar a formação de um novo ambiente estratégico entre Brasil e Rússia.
Peço desde já desculpas pelas longas palavras, contando com sua paciência em analisar meus argumentos.