Jornal da Manhã
HISTÓRIA
O 'oficial de informações' Coronel Índio do Brasil Lemes era o responsável pelos interrogatórios com os 'subversivos'
Graciela Mezzon
Publicado em: 17/08/2008 00:27
Ele é o rosto do golpe militar em Ponta Grossa: coronel Índio do Brasil Lemes, oficial de informações do 13º Batalhão de Infantaria Blindado. Ele era o responsável por obter todas as informações junto àqueles considerados nocivos à nação.
"O Exército esperava uma revolução grande, que eles [esquerda] quisessem tomar o poder pela força. Então nos preparamos dentro dos quartéis. [...] Quando começou a revolução em Minas Gerais, eu estava no Rio de Janeiro, cursando a Esao, Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Quando houve o movimento aqui, eu disso 'temos que ir. Temos compromisso com o 13º BIB. Atravessamos a noite viajando e quando chegamos aqui dia 1º o quartel já tinha sido dominado pelos companheiros, já haviam prendido o comandante [que era um homem forte de João Goulart] e um batalhão já havia se deslocado para Lages para enfrentar as tropas", relata.
O que fez o coronel Índio? "Ficamos aqui prendendo os comunistas de Ponta Grossa. Entre eles, Dino Coli, Felipe Chede e Didi Donah. Eram uns seis ou oito que nós já havíamos relacionado como comunistas ativistas daqui. Essa Didi Donah era terrível. Mas eu nunca encostei a mão nela", relata. "Mas quando a gente achava que eram comunistas, que eram terroristas, entregávamos ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]".
Violência contra violência
"Naquele tempo, eles [esquerda] usavam de violência e nós recebemos ordem de revidar a violência com violência. Mas toda vez que uma mulher disser que foi torturada eu tenho certeza que é mentira. Eu duvido que tenha havido algum interrogatório violento contra mulheres", dispara o coronel Índio do Brasil Lemes, que hoje está com 78 anos. "O que a gente fazia? A gente entrevista eles direitinho. Tinha vários métodos de interrogatório". Os tais métodos ele preferiu não comentar, de forma alguma. "Não, não, isso eu não conto". No entanto, ele aponta que aqui em Ponta Grossa não havia tortura, talvez 'choque elétrico'. "Você sabe o que era esse choque? Era aquele choque por aparelho de telefone, que não matava ninguém. Produzia apenas um tremor no cara, não provocava danos, nem queimaduras".
Mas, ele confessa. "Levava uma equipe de elementos de confiança que não poderiam ser considerados seminaristas. Eles eram escolhidos a dedo, eram bons atiradores, era gente disposta a enfrentar o fogo inimigo, dispostos a batalhar".
Quando questionado se carrega algum arrependimento do que fez, ele é taxativo: "não me arrependo de nada que eu fiz, primeiro porque estava cumprindo ordens. Depois, porque não usamos de métodos violentos".
"Não tenho inimigos em Ponta Grossa. Meus inimigos estão todos no inferno à minha espera. E talvez tenham até feito um pacto com o diabo" (risos).
O golpe de 64
A situação torna-se ainda mais tensa com chegada de João Goulart à presidência do Brasil, após a renúncia de Juscelino Kubitschek. É que Jango havia prometido fazer justamente as chamadas reformas de base, que incluíam a reforma urbana, agrária, enfim, uma reforma geral da sociedade. Essa iniciativa, no entanto, atingia diretamente gente como latifundiários, banqueiros e industriais. O resultado desse processo foi exatamente o golpe de 1964 e a tomada do poder pelos militares.
Com bases militares que datam de 1923 e uma história que nasce dos latifúndios, Ponta Grossa não esteve alheia aos embates. Embora não tenha pesquisas na área, o professor Niltonci Batista Chaves, que viveu boa parte da adolescência no período da ditadura militar e trabalhou, no curso de História, com a disciplina 'Realidade brasileira contemporânea', destaca que não se pode dizer que tenha tido um forte movimento de esquerda em Ponta Grossa, historicamente falando. "A história é atrelada aos latifúndios, aos fazendeiros. Por outro lado, não se pode dizer que não existiu nada. Dizer que ninguém militou, que ninguém integrou partido comunista seria uma injustiça. Comparado ao outros centros maiores, talvez tenha tido uma militância menor, mas não se pode desconsiderar", destaca.
História de violência e repressão
Autoritarismo, repressão e violência são as principais características que marcam a história do Brasil. Dos seus 500 anos contados a partir da colonização portuguesa, quatro séculos são permeados pela escravidão.
Nada de direitos, de possibilidade de questionamento ou debate. O sistema era exato: um grupo detém todos os poderes, enquanto a grande massa - os escravos - é obrigada a trabalhar para os primeiros. O resultado é violência, exploração, execração, humilhação, condições subumanas de sobrevivência e nenhum direito.
O fim da escravidão, em 1888, no entanto, traz novas perspectivas para a sociedade brasileira. Os movimentos sociais começam a ganhar espaço, tem início a formação dos partidos políticos e os sindicatos começam a tomar forma. O questionamento sobre a estrutura social, portanto, passa a entrar na pauta.
Mas os 400 anos passados não deixam dúvida. "Por conta da história, essas movimentações foram muito rejeitadas no país. Para vários setores da população, manifestação popular é vista como sinônimo de desordem, de subversão, quando na verdade corresponde às práticas democráticas, à defesa do direto do cidadão", fala o professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Niltonci Batista Chaves, que trabalha com história do Brasil.
Ou seja, o resultado dessa tentativa de defesa dos interesses de alguns direitos sociais dificilmente seria outro que não o forte embate social que se firmou a partir da década de 60. "O golpe de 1964 resgata os princípios de autoritarismo vivido no Brasil nesses 400 anos", diz Chaves.
Dessa forma, na medida em que, no século XX, as sociedades passam a contar com pessoas mais plurais, lutando pelos seus direitos e cobrando do estado atendimento a questões básicas como saúde e educação, uma outra parcela da sociedade enxerga essa luta como sinônimo de subversão, desordem e terrorismo.
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Faces da ditadura Memórias da ditadura ainda estão vivas em lembranças de militares e de vítimas do regime
Defensores da liberdade e torturadores. Terroristas e mantenedores da ordem. Tratar sobre a ditadura militar - período de 1964 a 1985 em que o Brasil viveu sob o governo de militares e que foi marcado pelo autoritarismo - é estar sempre entre duas verdades, é ver duas faces de um mesmo episódio histórico. O rosto dessas duas versões de um período que mudou para sempre a história brasileira aparecem hoje na Urbe e contam um pouco desses anos de chumbo.
Era dia 31 de março de 1964 e a notícia chegou: todos os possíveis militantes de esquerda seriam presos no dia seguinte. "Mas nós não tínhamos motivo para fuga, então ficamos, ninguém fugiu. No dia seguinte, fomos presos e conduzidos num ônibus para Curitiba", conta José Kanawate, que havia se formado poucos anos antes em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. "Nos mantiveram como se fôssemos marginais. Fiquei uns 15 dias preso. Mas quando retornei, a perseguição continuou ainda por uns 5 anos", relata.
E Kanawate vivenciou o período militar por inteiro. Na prisão, ele passou pelos conhecidos procedimentos de 'interrogatório' utilizados na época. "Fui torturado no sentido de delatar companheiros. Eram choques elétricos e muita pressão moral também", conta. Apesar das marcas emocionais que Kanawate ainda carrega, ele teve um pouco mais de sorte que outros companheiros seus, que carregaram marcas físicas, além das psicológicas. "Alguns amigos meus ficaram surdos. Teve outros que eles furaram os olhos", lembra.
Na opinião de Kanawate, além da memória trágica que o período proporcionou, a ditadura militar teve efeitos devastadores sobre o desenvolvimento do país. "Naquela época, a juventude se interessava muito pelas questões nacionais, gostavam de discutir política e coisas que interessavam ao país. Era uma gama de líderes que estavam florescendo, que foram caçados, que foram polidos", destaca o advogado que devido ao golpe acabou por não exercer a profissão e que pelas perseguições que sofreu no período militar foi levado à falência.
"Essa juventude foi amordaçada. E para contê-los, em compensação, eles liberaram o álcool e as drogas. Assim, os jovens não discutiam mais essas questões que debatiam antes. A gente viu um prejuízo muito grande nessas lideranças. Esse vácuo do golpe gerou uma pobreza de líderes políticos. Isso sem falar nas perseguições, mortes, assassinatos, que é um prejuízo irreparável!", dispara.
Armadilhas do destino
A trabalho na região, o paraibano que hoje reside em Ponta Grossa, Verdi Alves da Silva, 70 anos, veio em 1964 à cidade e deu azar. Militante da esquerda e defensor de idéias mais revolucionárias para a época, ele era um dos procurados pelas forças militares e taxado como comunista e até terrorista.
"Na época, eu estava fazendo a Estrada do Café. Quando vim no final de semana a Ponta Grossa, soube que eles estavam me procurando. Morava na Rua Theodoro Rosas e a mulher de quem eu alugava o apartamento me avisou que o Exército tinha me procurado. O que eu fiz foi me apresentar", relata. O resultado não podia ser outro. Já irritados com tantas idas e vindas e não localizando o 'subversivo', Verdi foi se apresentar e não voltou para casa. Ficou detido.
A prisão de Verdi aconteceu razoável tempo depois do golpe de 64, por volta do dia 20 de abril. Ele ficou preso no 13º Batalhão de Infantaria Blindado por cerca de um mês. "Foi interessante porque no começo me prenderam numa cela, com grades e tudo. Depois, acabei sendo deixado na biblioteca. Aproveitei para fazer algumas leituras ótimas, como 'Histórias da nossa história', de Viriato Correia. Li também os discursos do Joaquim Nabuco, que era um estadista do império e em seus discursos ele falava que se libertassem os escravos de nada adiantaria se não dessem terras também. Ou seja, ele falava de uma coisa que era o que estava sendo discutida naquele momento do golpe, que era a reforma agrária. Achava até que todos os militares deviam ler aquele livro", brinca.
Reuniões no São Luiz
Conforme José Kanawate, o principal 'QG' das forças civis de direita era o colégio São Luiz. O local era utilizado para reuniões e debates sobre as medidas a serem tomadas contra os comunistas.
"Eles eram ligados à 'Ação Democrática Nacional' e à 'Tradição, Família e Sociedade', que é uma organização nazista. Eles [civis] eram muito mais radicais que os próprios militares. O que eles queriam era nos fuzilar em praça pública", dispara.
A repressão na escola
Vera Kanawate, esposa de José Kanawate, lembra que estava na escola quando passou por um episódio um tanto peculiar. A irmã superiora mandou lhe chamar, a pedido dos militares, para buscar informações sobre Felipe Chede, seu padrinho e um líder de esquerda bastante conhecido na cidade e que foi, inclusive, candidato a prefeito. "Ela perguntou se ele tinha alguma coisa, o que eu ouvia, quais as conversas deles. Mas como eu era muito ligada nas coisas, percebi na hora e falei para ela. 'A senhora está perguntando do Felipe Chede, o mesmo que dava cobertores, que trazia metros e metros de tecidos? Não, ele não é comunista não, ele é espírita".
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