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Mensagem
por Clermont » Seg Nov 14, 2011 8:57 pm
A GRANDE MUDANÇA, GOSTEMOS OU NÃO - Apenas Washington não percebeu.
Por Andrew Bacevich - 14.11.11.
Em cada aspecto da existência humana, a mudança é constante. Porém, mudanças que realmente importam, ocorrem apenas raramente. Mesmo então, exceto em retrospecto, mudanças genuinamente transformadoras são difíceis de identificar. Ao atribuir signficação cósmica a cada novidade e declarar cada evento inesperado uma revolução, autodesignados intérpretes do cenário contemporâneo - políticos e especialistas acima de tudo - exarcebam o problema de distinguir entre o trivial e o não trivial.
O 11 de Setembro "mudou tudo"? Por um breve período após setembro de 2001, a resposta a esta questão parecia autoevidente: naturalmente, mudou, com maciças e irrevogáveis implicações. Uma simples década mais tarde, o veredito parece menos claro. Hoje, a vasta maioria dos americanos vive suas vidas como se os eventos do 11 de Setembro nunca tivessem ocorrido. Quando se trata de deixar uma marca no modo americano de vida, tipos como Steve Jobs e Mark Zuckerberg tem desde há muito eclipsado Osama bin Laden. (Se os legados de Jobs e Zuckerberg se provarão outros que transitórios também está para ser visto.)
Qualquer um proclamando a divina existência da genuína Grande Mudança Acontecendo Agora, doravante, deve fazer isto com senso de modéstia e circunspecção, reconhecendo a possibilidade de que eventos em desenvolvimento podem revelar uma história diferente.
Com tudo dito, o momento presente é, sem dúvida, um no qual a ordem internacional está, de fato, sofrendo uma transformação fundamental. O "mundo pós-guerra" criado como conseqüencia da Segunda Guerra Mundial está chegando ao fim. Uma grande redistribuição do poder global está à caminho. Arranjos que uma vez conferiam imensas prerrogativas aos Estados Unidos, beneficiando enormemente o povo americano, estão para serem desfeitos.
Em Washington, enquanto isso, uma tacanha classe governante faz de contas que nada disto está acontecendo, obstinadamente insistindo que ainda estamos em 1945, com o chamado Século Americano destinado a continuar por mais vários séculos (refletindo, naturalmente, a expressa vontade de Deus).
Aqui jaz o mais perturbador aspecto da política contemporânea americana, pior ainda que a desvairada disfuncionalidade gerada do baixo partidarismo ou corrupção expressas na compra e venda de influência. Confrontados com a evidência de um ambiente radicalmente cambiante, estes mantendo (ou aspirando a) posições de influência, simplesmente fecham os olhos, recusando até mesmo a começar um ajuste a nova realidade.
GRANDE MUDANÇA ACONTECENDO AGORA.
A Grande Mudança acontecendo bem diante de nossos olhos é política, econômica e militar. Pelo menos quatro fatores convergentes estão envolvidos.
Primeiro, o Colapso da Agenda da Liberdade: Na onda do 11 de Setembro, a administração de George W. Bush partiu para remoldar o Grande Oriente Médio. Este era o objetivo estratégico final da "guerra global ao terrorismo" de Bush.
Com a intenção de obter por todo o mundo islâmico o que ele acreditava que os Estados Unidos tinham obtido na Europa e no Pacífico, entre 1941 e 1945, Bush procurou erguer uma nova ordem subordinada aos interesses americanos - uma que permitiria acesso, sem obstáculos, ao petróleo e outros recursos, secasse as fontes do radicalismo islâmico violento, e (incidentalmente) concedesse rédeas livres para Israel na região. Chave para o sucesso deste esforço seriam as forças armadas dos Estados Unidos, que o presidente Bush (e muitos americanos comuns) acreditava serem invencíveis - capazes de bater qualquer um, em qualquer lugar, sob quaisquer condições.
Desta forma, uma vez implementada, a Agenda da Liberdade quase imediatamente naufragou no Iraque. A administração Bush tinha esperado ser a Operação IRAQI FREEDOM uma curta e limpa guerra, com um desfecho decisivamente triunfante. Eventualmente, ela transformou-se numa longa, suja (e muito custosa) guerra, rendendo, no melhor dos casos, resultados tremendamente ambíguos.
Bem antes de deixar o cargo em janeiro de 2009, o próprio presidente Bush tinha abandonado sua Agenda da Liberdade, ainda que sem reconhecer o colapso dela e, portanto, sem instruir os americanos sobre as implicações deste fracasso. Uma implicação específica se apresenta: agora sabemos que o poder militar americano, se bem que imponente, ficou muito aquém de permitir aos Estados Unidos impôr sua vontade ao Grande Oriente Médio. Nós não pudemos nem libertar, nem dominar, nem domesticar o mundo islâmico, um veredito da era Bush que os continuados infortúnios de Barack Obama no "AfPak" (Afeganistão-Paquistão) apenas tem servido para confirmar.
Tentar com mais força não produzirá um resultado diferente. O secretário da defesa, de saída, Robert Gates, apreendeu melhor a nova realidade: "Qualquer futuro secretário da defesa que aconselhe o presidente para, de novo, enviar um grande exército terrestre para a Ásia, para o Oriente Médio ou para a África, 'deveria ter sua cabeça examinada,' como colocou, tão delicadamente o general MacArthur."
Para sermos precisos - os linhas-duras da Agenda da Liberdade - freqüentemente encontrados na letra "K" de sua agenda telefônica - continuam a sustentar outra coisa. Mesmo agora, por exemplo, os Kagans, Keanes, Krauthammers e Kristols estão insistindo que "nós vencemos" a Guerra do Iraque - ou pelo menos tínhamos feito isso até o presidente Obama irresponsavelmente jogar fora a vitória, tão gloriosamente ganha. Essencial para o seu argumento é que ninguém note como eles, progressivamente, rebaixaram a marca definidora de vitória.
De volta em 2003, eles estavam louvando a derrubada de Saddam Hussein como apenas o começo da dominação americana no Oriente Médio. Hoje, com a queda de Saddam sendo considerada como "tendo tornado o mundo um lugar melhor", sair de Bagdá com as forças americanas intactas se tornou a definição operativa de sucesso, ostensivamente justificando os muitos milhares de mortos e mutilados, milhões de refugiados deslocados e trilhões de dólares gastos.
Enquanto isso, a al-Qaeda na Mesopotâmia permanece em campo, conduzindo cerca de trinta ataques por semana contra as forças de segurança e os civis iraquianos. Espera-se que isto não seja percebido por nós. Alguma vitória.
Segundo, a Grande Recessão: Na história da economia política americana, a ruptura de bolhas especulativas forma um tema recorrente. Os embromadores de Wall Street, que deixam a conta para o povo da planície pagar, são história velha. Recessões de um tamanho ou outro ocorrem, ao menos uma vez por década.
Mesmo assim, a reviravolta econômica que se iniciou em 2008 se mostra à parte, distinta por sua severidade, duração e resistência até mesmo as mais vigorosas (ou extravagantes) ações remediadoras. Neste sentido, antes do que se assemelhar a qualquer dos tombos ou pânicos econômicos de jardim-de-infância do último meio-século, a Grande Recessão de nossos dias relembra a Grande Depressão dos anos 1930.
Ao invés de ser um fenômeno transitório, ele parece significar algo de uma transformação. A Grande Recessão pode bem ter inaugurado uma nova era - com sua extensão indeterminada, ainda que provavelmente durando muitos anos - de baixo crescimento, alto desemprego e encolhimento das oportunidades. Enquanto os rendimentos estagnam e mais e mais jovens completam sua educação apenas para não encontrarem nenhum emprego esperando, os integrantes da classe média estão começando a perceber que o mito da América como uma sociedade sem classes é apenas isto. Na verdade, o jogo está fraudado para beneficiar os poucos às custas dos muitos - e em anos recentes, a fraude tem ficado mais desavergonhadamente flagrante.
Este compreensão está abalando a política americana. Em somente um punhado de anos, a confiança no estabelecimento de Washington declinou precipitadamente. O Congresso tem se tornado motivo de risos. As elevadas esperanças levantadas pela eleição do presidente Obama tem de há muito se dissipado, deixando desapontamento e cinismo no seu rastro.
Um resultado, tanto na extrema-direita e na extrema-esquerda, tem sido acender as de há muito guardadas chamas do radicalismo americano. A energia na política americana de hoje jaz com o Movimento Tea Party e o Occupy Wall Street, ambos expressando uma profundamente estabelecida antipatia para com o velho modo de fazer as coisas. O populismo está fazendo uma de suas periódicas aparições no cenário americano.
Onde tudo isto irá dar, presentemente, não está claro. Mas o nosso sistema político tem estado a longo tempo baseado sobre as expectativas de uma sempre crescente abundância material, prometendo mais para todos. Se este sistema pode, com sucesso, lidar com os desafios de administrar a escassez e distribuir sacrifícios permanece uma questão em aberto. Isto é especialmente verdadeiro para estes entre nós que tem obtido ganhos como salteadores e que professam tão pouca disposição para compartilhar quaisquer sacrifícios que possam ser exigidos.
Terceiro, a Primavera Árabe: Junto com o naufrágio da economia americana, também vai a política para o Oriente Médio. Prever o futuro é uma proposição carregada de riscos, ainda assim, sem pretender a previsão de resultados - Tunísia, Egito e Líbia abraçarão a democracia? Podem os movimentos islâmicos coexistirem com a modernidade secularizada? - isto pode ser dito com segurança: o presente turbilhão árabe está varrendo desta região do mundo os últimos vestígios do imperialismo ocidental.
Os europeus criaram o moderno Oriente Médio com um único propósito em mente: servir aos interesses europeus. Com o desvanecimento do poder europeu no seguimento da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos - cautelosamente no início, mas pelos anos 1980 sem qualquer inibição visível - foram em frente para preencher o vácuo. O que havia sido largamente uma esfera britânica agora tornou-se largamente uma americana, com o cada vez mais acelerado passo das forças armadas americanas testemunhando este fato.
Embora Washington repudiasse o colonialismo escancarado uma vez praticado em Londres, suas políticas não diferiam materialmente daquelas que os europeus tinham perseguido. A idéia era manter a tampa nele, excluir criadores de problemas e, ao mesmo tempo, extrair do Oriente Médio, qualquer coisa que ele tivesse a oferecer. A método de operação americano preferido era alinhar-se com regimes autoritários, ofertando armas, garantias de segurança e outros agrados em troca da promessa de comportamento consistente com as preferências de Washington. A preocupação com o bem-estar das pessoas vivendo na região (israelenses à parte) nunca figurou como mais do que uma idéia ao acaso.
O que os eventos do último ano tornaram evidente é isto: a tampa foi retirada, e há pouca coisa que os Estados Unidos (ou qualquer outro) possa fazer para recolocá-la. Um grande exercício em autodeterminação árabe começou. Árabes (e, sem dúvida, não-árabes no mundo muçulmano mais amplo) decidirão seus próprios futuros, do seu próprio jeito. O que eles decidirem poderá ser sábio ou tolo. Independente disto, os Estados Unidos e outras nações ocidentais terão pouca alternativa exceto aceitar o resultado e lidar com as conseqüências, sejam elas quais forem.
Uma Washington habitada por gente certa que as decisões tomadas na Casa Branca determinam o curso da história, insistirão de outro modo, naturalmente. Democratas creditam o discurso de Obama no Cairo, em 2009, como tendo inspirado os árabes para desvencilharem-se de seus grilhões. Ainda mais risível, os republicanos creditam a "libertação" do Iraque por George W. Bush, pela instalação da democracia na região, supostamente movendo tunisinos, egípcios e outros para irem atrás. Para colocar suavemente, a evidência para tais afirmações simplesmente não existe. Alguém poderia atribuir o levante árabe ao derramento de petróleo no Golfo do México, em 2010. Os que estiverem esperando que os egípcios ergam estátuas de Obama ou Bush na Praça Tahrir, no Cairo, provavelmente vão ter de esperar um longo tempo.
Quarto, A Busca por um Cordão Umbilical da Atormentada Europa: Numa considerável extensão, a história do século XX - pelo menos, a comumente contada versão ocidental desta história - é de uma Europa fazendo uma presepada e a América indo em seu socorro. As presepadas realmente grandes, é claro, foram as duas guerras mundiais. Em 1917 e de novo depois de dezembro de 1941, os Estados Unidos enviaram grandes exércitos para lidar com aqueles que tinham perturbado a paz. Após a primeira guerra, os americanos saíram. Após a segunda, eles ficaram, não apenas fornecendo soldados para salvaguardar a Europa Ocidental, mas também rejuvenescendo as destroçadas economias das democracias ocidentais.
Mesmo com a passagem de meio século, o Plano Marshall se ergue como um singular exemplo de estadística iluminada - e também como um testemunho para a inigualada capacidade econômica da América, seguindo-se à Segunda Guerra Mundial. Salvar continentes em terrivel aflição era um trabalho que apenas os Estados Unidos podiam cumprir.
Isto foi então. Hoje, a Europa está, mais uma vez, fazendo uma presepada, embora felizmente desta vez não haja necessidade de exércitos estrangeiros para tirá-la desta baderna. A crise do momento é econômica, devida, inteiramente, às imprudência e irresponsabilidade européias (não qualitativamente diferente do comportamento sublinhando a crise econômica americana).
Irá o Tio Sam, mais uma vez, cavalgar para o resgate? Sem chance. Atormentado com os problemas oriundos da velhice, Tio Sam não pode mais nem montar. Para quem, então, poderá a Europa se voltar para assistência? Recentes manchetes contam a história:
- "Europa Necessitada de Dinheiro Olha para a China em Busca de Socorro."
- "Europa Implora à China por Resgate".
- "União Européia Leva o Pratinho de Mendigo para Pequim".
- "Será a China a Salvadora da Crise da Dívida Européia?"
A questão crucial aqui não é se Pequim realmente irá tirar as castanhas da Europa do fogo. Antes é que as expectativas cambiantes sublinham o momento. Afinal de contas, o papel de salvador dos europeus já não estava designado? Não se supunha que ele pertenceria a Washington, perpetuamente? Aparentemente, não.
DE VOLTA PARA O FUTURO.
Nas palavras de uma velha canção da banda "Buffalo Springfield": "Algo está acontecendo aqui. O que é não está exatamente claro."
Políticos americanos obstinadamente divergem, é claro, felizes em recitar insípidos mas reconfortantes clichés sobre a liderança global americana, o excepcionalismo americano e o Século Americano que nunca tem fim. Tudo, eles querem nos fazer crer, permanecerá como sempre tem sido - contanto que o eleitorado coloque a pessoa certa no Salão Oval.
"Para estas nações que continuam a resistir à imbatível marcha da liberdade econômica, política e humana," declara o candidato presidencial republicano John Huntsman, "nós deixaremos claro que elas estão do lado errado da história, ao assegurar que a luz da América brilhe em cada canto do globo, representando um farol de esperança e inspiração."
"Este é o momento da América," insiste Mitt Romney. "Nós devemos abraçar o desafio, não nos encolher dele, não rastejar para dentro de uma concha isolacionista, não acenar a bandeira branca da rendição, não ceder a estes que garantem que o tempo da América já passou. ... Eu não vou entregar o papel da América no mundo." Com uma não surpreendente ausência de originalidade, o título do "papel branco" da campanha de Romney sobre segurança nacional é "Um Século Americano."
O website da campanha do governador Rick Perry oferece esta importante análise: "Rick Perry acredita no excepcionalismo americano e rejeita a noção de que nosso presidente deva pedir desculpas pelo nosso país, mas, ao contrário, acredita que aliados e adversários igualmente, precisam saber que a América busca a paz, a partir de uma posição de força."
Por sua parte, Newt Gingrich deseja que seja sabido que a "América ainda é a última e melhor esperança da espécie humana na Terra."
Os outros candidatos republicanos (sempre com a exceção de Ron Paul) copiam da mesma rasa e estagnada poça de idéias. Julgando pelo que poderíamos chamar o padrão de liderança de C. Wright Mills - "homens sem imaginação vívida são necessários para executar políticas sem imaginação divisadas por uma elite sem imaginação" - todos estão eminentemente qualificados para a presidência. Nada está errado com a América ou o mundo, eles querem nos fazer crer, que não seja passível de conserto tirando Barack Obama do cargo, e então restaurando a ordem correta das coicsas.
"A América está acabada?" Esta questão adorna a capa do mais recente número de Foreign Affairs, o principal órgão do estabelecimento de política externa. Como é tipicamente o caso com este estabelecimento, a Foreign Affairs está apresentando a questão errada, uma desenhada principalmente para suscitar uma errônea, ainda que amplamente reconfortante resposta.
Proclamando do alto dos telhados: Não, a América não está "acabada". Mesmo assim, um crescente acúmulo de evidência sugere que a América de hoje não é a América de 1945. Nem a ordem internacional do momento presente ostenta mais do que uma passageira semelhança com a que existia no auge do poder americano. Todo mundo mais no planeta compreende isto. Talvez seja finalmente o tempo para os americanos - começando com os políticos americanos - compreenderem também. Se recusarem, uma dolorosa retribuição espera.