LUCAS DO RIO VERDE (MT) > SANTOS (SP)
Fonte:
http://revistagloborural.globo.com/Revi ... 83,00.html
Editora Globo
A BR-163 em Mato Grosso, cujo traçado está sendo duplicado nos trechos mais críticos
De uma sala de controle informatizada vem o sinal verde, e o fluxo de grãos de soja começa a preencher o primeiro de uma sequência de 80 vagões. Levará duas horas e meia até que o trem esteja carregado e pronto para percorrer os 1.400 quilômetros da linha que leva ao Porto de Santos (SP), em uma viagem de quatro dias.
Estamos no Terminal Ferroviário de Alto Araguaia (a 410 quilômetros de Cuiabá), e o trem que é preparado para partir é um dos seis previstos para as próximas 24 horas. Em cada composição, segue uma carga equivalente à de 160 caminhões, uma capacidade que, a cada safra, dá vazão à metade do volume de grãos exportado por Mato Grosso.
O principal caminho da safra do Estado, porém, começa bem longe dos trilhos da ex-Ferronorte – hoje, chamada de Malha Norte pela América Latina Logística (ALL), empresa que assumiu a concessão, em 2006. A maioria das cargas vem de caminhão dos municípios do médio-norte, onde se colhe 40% da safra mato-grossense de grãos. Uma travessia cara, perigosa e que, para muitos, não deveria mais acontecer. Isso porque, dos polos de produção até o momento do embarque na ferrovia, é preciso antes enfrentar uma malha rodoviária saturada, malconservada e que pouco cresceu nos últimos 30 anos.
Um cenário que tende a piorar se nada for feito, mas que pode mudar radicalmente caso se confirmem as promessas de investimentos em pavimentação e duplicação de rodovias e a construção de novos portos, ferrovias e terminais.
Ao longo de uma semana, Globo Rural percorreu o trecho de 850 quilômetros entre o município de Lucas do Rio Verde, um dos dez maiores produtores de grãos do país, e os terminais da ferrovia em Alto Araguaia e Alto Taquari. No caminho, a reportagem testemunhou o descompasso entre a moderna realidade das lavouras, com investimentos crescentes em tecnologia e recordes de produção e produtividade, e a arcaica infraestrutura de transportes do lado de fora da porteira.
Buracos e confusão
Nascida às margens da BR-163, Lucas do Rio Verde colheu, na safra 2010/2011, mais de 800.000 toneladas de soja. Segundo o Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária (Imea), a maior parte dessa produção (76%) foi exportada via Porto de Santos, por meio da alternativa rodoferroviária da ALL.
Um caminho que custa caro ao município. Segundo estimativa da Secretaria de Agricultura local, os gastos com frete poderiam ser reduzidos em até US$ 60 milhões por ano se o fluxo do escoamento seguisse na direção contrária, para Santarém (PA).
“Nós só nos mantemos na competição porque o mercado está aquecido, nossa produtividade é excelente e o clima e o solo permitem a segunda safra. Até agora, tem sido possível compensar. Mas até quando?”, diz o secretário Edu Pascoski.
O trajeto até Alto Araguaia começa pela BR-163 em direção a Cuiabá. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o investimento previsto no PAC para a rodovia é de R$ 1,5 bilhão. A obra mais aguardada é a conclusão da pavimentação até Santarém (PA). Concluída no lado mato-grossense (53 quilômetros), a rodovia teve 280 quilômetros pavimentados no Pará.
Atualmente interrompida, em razão do período de chuvas, a pavimentação deverá ser retomada em junho para a conclusão dos cerca de 300 quilômetros restantes. No lado mato-grossense, também avançam, embora mais lentamente, as obras de duplicação do trecho de 378 quilômetros entre Rosário Oeste, Cuiabá e Rondonópolis. Por enquanto, apenas um trecho de 45 quilômetros está em andamento, entre Rosário Oeste e o Posto Gil, no trevo de acesso ao município de Diamantino, por onde segue a BR-364. Ali confluem a produção do médio-norte do Estado e a de parte da região do Chapadão do Parecis. No local, chama a atenção a descontinuidade da obra. Há pontos em que o asfalto está praticamente pronto, faltando apenas a sinalização horizontal. Em outros, não há sinal da nova pista.
Em audiência realizada em 21 de março, em Brasília, o ministro Paulo César Passos prometeu ao governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB), que irá licitar o restante da obra ainda no mês de abril.
“Em cinco anos, Mato Grosso será outro Estado”, aposta Edeon Vaz Ferreira, coordenador executivo do Movimento Pró-Logística e diretor executivo do Instituto Pró-Logística de Mato Grosso. A expectativa leva em conta principalmente a possibilidade de pavimentação da BR-163. “E
ssa obra vai mudar o eixo atual de escoamento. A saída da safra do médio-norte, de Nova Mutum para cima, será feita prioritariamente pela BR-163”, afirma.
Dados do Imea mostram que, no caso da soja, os portos das regiões Sudeste e Sul concentram mais de 73% das exportações do Estado. No caso do milho, a fatia sobe para 83%. “
Estamos ajudando a congestionar os portos das regiões Sul e Sudeste, quando o ideal seria escoar grande parte da produção pelo Arco Norte, que vai de Porto Velho (RO) a Itaqui (MA)”, afirma Edeon. Segundo ele, isso ainda não ocorre em parte por falta de infraestrutura nos portos (capacidade de recepção e expedição dos produtos).
Em Lucas do Rio Verde, u
m projeto capitaneado pela Fiagril, empresa do prefeito da cidade, o empresário Marino Franz, prevê investir R$ 260 milhões na implantação de uma alternativa hidrorrodoviária em Miritituba (PA). Miguel Vaz Ribeiro, presidente da companhia, diz que a ideia é reduzir ao máximo a necessidade de transportar cargas pelo modal rodoviário.
“Em vez de seguir de caminhão até Santarém, vamos embarcar nossas cargas 350 quilômetros antes. Como o transporte hidroviário é o mais vantajoso, quanto antes começar, melhor”, diz. O projeto, batizado de Ciamport, prevê a instalação de uma estação de transbordo para embarque de grãos, que seguirão em chatas de 18.000 toneladas até o Porto de Santana (AP). Com início de operações previsto para 2014, Ribeiro diz que a estrutura irá embarcar 1 milhão de toneladas anuais no primeiro ano e, nos três anos seguintes, deverá alcançar 3 milhões de toneladas anuais.
O empresário também acredita que, com a conclusão das obras de pavimentação da BR-163, a safra deixará de seguir o caminho atual. “Em relativamente pouco tempo, o fluxo irá se inverter para o Norte, disso não há dúvida.”
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No terminal ferroviário, a espera para descarregar pode demorar dois dias
Risco total
Em um carro de passeio, GLOBO RURAL concluiu o trecho entre Lucas e Alto Araguaia em 12 horas. O motorista Alival Gomes Silva, no entanto, precisou de 22 horas para fazer o mesmo trajeto em seu caminhão. Na fila para desembarcar no terminal da ferrovia, ele diz que o trajeto é de “risco total”. “Você não pode descuidar hora nenhuma. São muitos buracos e, muitas vezes, não há acostamento e é muito fácil virar o caminhão”, diz Alival, que tem 22 anos de estrada.
Ao longo de todo o percurso, é possível perceber que operações tapa-buraco recentes conseguiram amenizar as falhas do asfalto na maior parte dos trechos. A partir de Rondonópolis, porém, o perigo aumenta. Onde não está se desfazendo e cheio de buracos, o pavimento é cheio de ondulações que dificultam o controle pelo motorista.
Na BR-163, em um trecho da duplicação, a detonação de explosivos para as obras de duplicação tem fechado o tráfego por até quatro horas. Intervenções nas travessias urbanas de Rosário Oeste, Jaciara e Rondonópolis, com máquinas e homens na pista, também ajudam a retardar a viagem. O contorno da capital, Cuiabá, é outro martírio para os motoristas, devido às condições de tráfego pesado e pista desgastada.
A chegada ao terminal da ferrovia, na opinião dos caminhoneiros, não significa necessariamente um alívio. Todos os dias, mais de 800 caminhões desembarcam ali suas cargas de soja, milho ou farelo. Em 10 de março passado, 891 foram descarregados, um recorde na história do terminal.
As queixas vão da falta de capacidade do pátio do terminal (que comporta atualmente 400 caminhões, com mais 500 vagas em fase final de implantação) às longas esperas para desembarque nos períodos de pico.“Há vezes em que a gente fica até dois dias aqui. O resultado é que a gente serve de armazém para eles, porque o trem deles não dá conta de tudo que chega, não vence o caminhão”, diz Valdivino Lopes Braz, de 46 anos.
Segundo Ivandro Paim, gerente dos terminais da ALL em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o tempo médio que um caminhoneiro leva para entrar, descarregar e sair do terminal é de quatro horas. Atrasos superiores a 24 horas, segundo ele, são relacionados à ocorrência de acidentes na linha. “Minha capacidade estática é de apenas 30.000 toneladas, e carrego 37.000 por dia. Ou seja, se der algum problema, os caminhões vão ficar do lado de fora, não tem jeito.”
Atualmente, a operação da ALL em Alto Araguaia é conduzida com o auxílio de quatro tombadores, com capacidade para a descarga de dez caminhões por hora. As cargas são armazenadas em sete depósitos com capacidade para até 4.500 toneladas cada. Durante todo o percurso no terminal, os caminhões são identificados, monitorados e pesados eletronicamente, com o auxílio de um chip individual.
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NO PÁTIO DA ALL, centenas de caminhões, como o de Alival Silva, aguardam para descarregar
Custos
Não são apenas os caminhoneiros que se queixam da operação da ALL. Para o deputado federal Homero Pereira (PSD-MT), presidente da Frenlog (Frente Parlamentar de Logística dos Transportes e Armazenagem), os preços cobrados pela empresa “não ajudam” a baratear o frete.
“A ferrovia foi uma mudança, por se tratar de uma alternativa de logística, mas, sob o ponto de vista do custo, não significou muito. O preço está muito acima dos valores globais de transporte ferroviário”, avalia. Edeon Vaz Ferreira vai mais longe na insatisfação. Segundo ele, o “trem é o vilão”. “A chegada da ferrovia a Mato Grosso não mudou nada em relação ao custo”, afirma.
Nos países desenvolvidos, diz o executivo, o custo por tonelada do modal ferroviário nunca ultrapassa 70% do preço do frete por rodovias. Em Mato Grosso, o transporte de uma carga da região médio-norte até o Porto de Paranaguá (PR) por caminhão custa entre US$ 110 e US$ 130 por tonelada. Se a opção for o trem, segundo ele, a economia será de no máximo 5%. “Quem normalmente opera com a ferrovia são as trades, e o que elas nos cobram é algo entre 95% e 110% do custo por rodovia. Então não sentimos nenhuma diferença.” Com a concretização da rota norte, diz Edeon, a operação da ALL em Mato Grosso será sensivelmente impactada e espera-se alguma redução de custos.
Outra mudança no cenário, segundo Edeon, será a chegada da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), que irá ligar Lucas do Rio Verde a Campinorte (GO) e à Ferrovia Norte-Sul, rumo ao Porto de Itaqui (MA) e outros portos do Nordeste. “A ALL vai ter de se virar para otimizar sua estrutura.”
E a empresa tem dados sinais claros de que pretende “se virar”. Neste ano, inaugura um novo terminal de R$ 40 milhões em Itiquira, destinado a atender a produtores de Mato Grosso e do norte de Mato Grosso do Sul e que deverá movimentar 2,5 milhões de toneladas ao ano. Mas a grande cartada será a expansão da linha até Rondonópolis para a implantação de um complexo intermodal orçado em R$ 750 milhões e que, segundo a empresa, será o maior do Brasil e um dos maiores da América Latina.
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OS PRODUTORES reclamam que o preço do frete rodoviário equivale ao do rodoviário
“Os dois terminais, de Itiquira e Rondonópolis, deverão carregar até 15 milhões de toneladas por ano até 2015. A previsão é que as obras sejam concluídas no segundo semestre de 2012”, diz a empresa.
Para Ivandro Paim, a perspectiva é de “aumentar receita e crescer em volume”. “Temos crescido 20% ao ano desde 2006. E, nos últimos dois anos, sem aumento de estrutura física.”
Ao norte e ao sul do Estado, é inegável, há otimismo no ar. E, desta vez, ao contrário de outros tempos, parece que o sentimento tem bases sólidas. Nos próximos cinco anos, o maior produtor de grãos do país decidirá seus novos caminhos. Uma rara janela de oportunidades. Desperdiçá-la será como perder o trem da história.