Com pretexto de “salvar economia”, estado indiano suspende leis trabalhistas até 2023
Entre as medidas do governo de Madhya Pradesh está a elevação das jornadas de operários para até 72 horas semanais
Brasil de Fato | Nova Delhi (Índia) | 11 de Maio de 2020 às 11:39
Inspeções trabalhistas, que garantiam o cumprimento de normas sanitárias e de segurança, poderão ser feitas por funcionários terceirizados, contratados pelas próprias empresas - Sam Panthaky/AFP
Quinto estado mais populoso da Índia, Madhya Pradesh anunciou a flexibilização da legislação trabalhista até o início de 2023. A justificativa dada pelo governo local é a necessidade de estimular novos negócios e “salvar a economia” diante dos impactos da pandemia do novo coronavírus.
A Índia completa 45 dias de lockdown, bloqueio de atividades econômicas para conter a disseminação do vírus, e soma 2,2 mil mortes por covid-19. As medidas de isolamento social serão mantidas por mais uma semana.
O ministro-chefe de Madhya Pradesh, cargo equivalente a governador no Brasil, é Shivraj Singh Chouhan e pertence ao BJP, mesmo partido do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. O estado tem 72,6 milhões de habitantes e fica na região central do país.
Um dia antes do anúncio da reforma trabalhista em Madhya Pradesh, outro estado indiano comandado pelo BJP, Uttar Pradesh, também havia suspendido direitos trabalhistas por três anos. As alterações, no entanto, eram menos abrangentes que as anunciadas por Chouhan.
O que muda
Pelos próximos mil dias, novas indústrias não precisarão se adequar à Lei de Disputas Industriais, que rege a atuação de fábricas em Madhya Pradesh e delimita regras para contratação e demissão de trabalhadores, por exemplo.
Todos os procedimentos burocráticos para abertura de empresas no estado poderão ser efetuados em um único dia. A renovação de licenças para operação será feita online de dez em dez anos, não mais anualmente e de forma presencial.
Capital de Madhya Pradesh, Bhopal retomará atividades econômicas a partir da semana que vem / Praveen S./Brasil de Fato
As inspeções trabalhistas, que garantiam o cumprimento de normas sanitárias e de segurança, poderão ser feitas por funcionários terceirizados, contratados pelas próprias empresas.
Todos os estabelecimentos comerciais serão autorizados a permanecer abertos das seis da manhã à meia-noite, com turnos de trabalho de 12 horas, e não oito. Nas indústrias, a jornada semanal máxima dos operários foi elevada para 72 horas.
As novas fábricas instaladas no estado não serão obrigadas a repassar 80 rúpias – o equivalente a R$ 6,15 – por trabalhador para o Fundo do Conselho de Bem-Estar do Trabalho estadual, conforme previsto em lei.
Críticas
O estado de Mahdya Pradesh é conhecido internacionalmente pelo crime industrial de Bhopal, em dezembro 1984. Na ocasião, um vazamento do gás isocianato de metila da fábrica de agrotóxicos estadunidense Union Carbide matou mais de 2 mil pessoas e contaminou quase 600 mil nos anos posteriores, por falta de fiscalização e protocolos de segurança.
As flexibilizações no sistema de inspeção ocorrem dias após outro vazamento de gás tóxico, desta vez na fábrica da sul-coreana LG Polímeros, matar 12 pessoas no estado de Andhra Pradesh, Sul da Índia.
As dez maiores centrais sindicais indianas informaram nesta segunda-feira (11) que convocarão uma greve geral se Madhya Pradesh e Uttar Pradesh não recuarem imediatamente nas reformas. Elas argumentam que, com desemprego superior a 27%, os trabalhadores tendem a se submeter a qualquer condição em troca de um salário.
Surajit Mazumdar, professor de economia da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), na capital Nova Delhi, afirma que o efeito imediato das medidas em Madhya Pradesh será o aumento da lucratividade do setor industrial e a ampliação das desigualdades.
“De nada adianta estimular a abertura de novos negócios se não há demanda por produtos porque as pessoas perderam o poder de compra”, explica. “A única maneira de aumentar o emprego e recuperar a economia é aumentar o gasto público”, conclui, em entrevista ao portal indiano Newsclick.
O primeiro-ministro Modi vem sendo pressionado pela oposição para aumentar o salário mínimo e alavancar o poder de compra da população, em consonância com o que propõe o professor da JNU.
Uttar Pradesh, o primeiro estado indiano a mudar regras trabalhistas em meio à pandemia, excluiu mulheres e crianças da reforma e não alterou mecanismos de inspeção dos locais de trabalho.
O estado, que tem população equivalente ao Brasil, flexibilizou jornadas de trabalho e condições para pagamento de horas-extras e benefícios.
Assim como em Madhya Pradesh, o governo de Uttar Pradesh utilizou como pretexto a necessidade de reaquecer a economia após a quarentena.
Edição: Leandro Melito
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