Essa é a visão de quem não entende merda nenhuma ou então quer fazer intriga onde não há."Devido a essa centralização, o Estado-Maior é visto com desconfiança em alguns setores militares, pois hoje há relativa autonomia de ações nas Forças."
Estratégia Nacional de Defesa
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
"A disciplina militar prestante não se aprende senhor, sonhando e na fantasia, mas labutando e pelejando." (CAMÕES)
Jauro.
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Pensaram que ia ficar só na FAB?Essa é a visão de quem não entende merda nenhuma ou então quer fazer intriga onde não há.
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Pois é.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Bom, um diplomata escreveu extensa crítica à END.
Não consegui copiar e colar o texto para podermos debater.
Se alguém conseguir, podemos fazê-lo.
Link:
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/ANFG.pdf
Não consegui copiar e colar o texto para podermos debater.
Se alguém conseguir, podemos fazê-lo.
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http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/ANFG.pdf
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
1
A Arte de NÃO Fazer a Guerra:
Novos comentários à Estratégia
Nacional de Defesa
Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais e Diplomata
“Vemos, então, em primeiro lugar, que em todas as
circunstâncias a guerra deve ser vista não como algo independente, mas
como um instrumento político; e é apenas tendo esse ponto de vista que
podemos evitar nos colocarmos em oposição a toda a história militar. (…)
Portanto, o primeiro, maior e mais decisivo ato de um estadista ou de um
general consiste em entender o tipo de guerra em que está envolvido, não a
tomando por outra coisa nem desejando que fosse algo que, pela natureza
da situação, nunca poderá ser. Esta é, em consequência, a primeira e a mais
abrangente de todas as questões estratégicas.”
Clausewitz, Sobre a Guerra, 1832. ?
Aparentemente, os estadistas do Brasil (se é que os há) e os seus generais
(estes certamente existem) ainda não conseguiram entender a natureza da ‘guerra’ em
que o Brasil estaria supostamente envolvido, se é que existe algo parecido a uma
guerra na qual o País poderia estar envolvido; do contrário, seus formuladores não
teriam concebido um documento tão idealista e tão distante dos desafios colocados ao
País e alheio à realidade efetiva das coisas – la verità effetuale delle cose, como diria
? Clausewitz, Sobre a Guerra, 1832, parágrafo 27, “Influência desta concepção sobre o
entendimento correto da história militar, e sobre os fundamentos da teoria”, do Livro I:
“Sobre a Natureza da Guerra”, da tradução de J. J. Graham, de 1873 (disponível neste link:
http://www.clausewitz.com/readings/OnWa ... 1.html).
2
Maquiavel – quanto a Estratégia Nacional de Defesa (END). Minha intenção, no
presente trabalho, seria a de retomar a discussão em torno desse documento, esforço
já iniciado em um ensaio anterior, de natureza prioritariamente formal.1
O documento conjunto do Ministro da Defesa e do Secretário de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, divulgado originalmente em dezembro de
2008, deveria ser, alegadamente, a base do pensamento estratégico do Brasil, mas
deveria oferecer, também, uma espécie de guia operacional e um manual de
reequipamento de suas Forças Armadas (FFAA), com vistas à consecução dos
objetivos básicos nacionais. Estes objetivos, por sua vez, poderiam ser resumidamente
apresentados assim: a salvaguarda da soberania nacional, a preservação da integridade
territorial e da independência política do país, a autonomia tecnológica e o
desenvolvimento econômico e social, o que caberia assegurar num contexto
internacional ainda marcado por fortes assimetrias entre os Estados, bem como por
ameaças latentes e por desafios difusos à defesa nacional.
Pois bem, sinto dizê-lo, mas a END, a despeito de seu nome e de seus nobres
objetivos, não é bem uma estratégia e tampouco se destina, em sua conformação
atual, à defesa do país. Ela é, no máximo, nacional, aqui com toda a ênfase desejada
por seus formuladores e à exclusão de suas outras características mais esdrúxulas, que
tentaremos examinar nestes novos comentários, que se seguem às minhas primeiras
observações sobre o tema. Se ela não é nem uma estratégia e muito menos de defesa,
ela deveria ser, ao menos, um documento minimamente racional, em torno do qual
poderiam ser articulados idéias e argumentos favoráveis e desfavoráveis ao seu
espírito e objetivos. Examinaremos aqui se ela cumpre essa função primordial.
Suspeito que os defensores da END se mostrarão enfastiados, e talvez mesmo
agastados comigo, por tratar de maneira tão depreciativa um documento que eles
parecem ter em alta conta, como representativo, supostamente, de um grande
referencial teórico, uma espécie de manual prático essencial à estratégia de defesa
nacional. No entanto, a despeito de suas boas intenções, ele consiste, tão somente, de
um documento propositivo, uma assemblagem passavelmente heteróclita, dotada de
algumas sugestões úteis no terreno do reequipamento militar das FFAA, mas
caracterizada por vários problemas de concepção e, sobretudo, por uma falta de
1 Ver Paulo Roberto de Almeida, “Estratégia Nacional de Defesa: comentários dissidentes”,
Mundorama (14.03.2009; link: http://mundorama.net/2009/03/14/estrate ... -dedefesa-
comentarios-dissidentes-por-paulo-roberto-de-almeida/).
3
adequação ao mundo real dos conflitos potenciais nos quais possa vir a estar
envolvido o Brasil.
Em minha opinião, esse documento, em seu formato atual, não passa no teste
proposto por Clausewitz na frase destacada em epígrafe, isto é, a de uma correta
definição de qual seja o tipo exato de guerra com que poderia se defrontar o país.
Entender a guerra enquanto “instrumento político” seria a primeira missão dos
estadistas e dos generais brasileiros, mas a END deixa essa questão num completo
vazio estratégico, sem qualquer definição quanto a cenários ou ‘adversários’.
Talvez Clausewitz fosse muito exigente na formulação de padrões para o ‘seu’
tratamento da teoria militar, estabelecendo rigorosos princípios de planejamento e de
ação no terreno para os ‘seus’ generais, princípios que talvez não tenham aplicação ao
caso brasileiro. Em todo caso, o documento em exame constitui um ajuntamento
pouco objetivo de idéias vagas sobre a defesa – não sendo seguro que se trata bem da
defesa do Brasil – sendo mais bem uma coleção ou lista genérica de aquisições
militares para as três forças singulares nos anos à frente (se os orçamentos futuros do
governo brasileiro assim o permitirem, o que, contudo, é altamente duvidoso).
Meu propósito, nestes novos comentários dissidentes, é duplo: (a) no plano
analítico-conceitual, operar uma desconstrução intelectual das bases filosóficas – se o
termo se aplica – da END; (b) no plano prospectivo, oferecer algumas reflexões sobre
o que deveria conter uma END que constituísse, verdadeiramente, uma estratégia e
que fosse, consequentemente, de defesa, duas qualidades que, repito, a END ainda
não consegue atender. Ela se contenta, no momento, em ser nacional, como referido,
no sentido mais prosaico desse termo. Vejamos a END com maior grau de detalhe.
1. Por que a END não é uma estratégia?
A primeira pergunta que um estadista deve formular a si mesmo gira em torno
dos grandes objetivos nacionais e dos meios adequados para a sua consecução, em um
prazo razoável. Esse exercício implica, necessariamente, uma visão do mundo – que
não é a Weltanschauung abstrata de um de seus formuladores – e uma definição de
possíveis cenários de guerra, dois aspectos que não figuram, em absoluto, na END.
Desse ponto de vista, a END falha em atender essas exigências minimalistas, ou o faz
apenas em intenção. Aplicada a questão ao Brasil, o que teríamos?
A resposta é simples e ela é fornecida pela própria END: os autores começam
por confundir estratégia de defesa com estratégia de desenvolvimento.
4
Estratégia nacional de defesa é inseparável de estratégia nacional de
desenvolvimento. Esta motiva aquela. Aquela fornece escudo para esta. Cada uma
reforça as razões da outra. Em ambas se desperta para a nacionalidade e constróise
a Nação. Defendido o Brasil terá como dizer não, quando tiver que dizer não.
Terá capacidade para construir seu próprio modelo de desenvolvimento.
Os que acreditam nesse tipo de assertiva, também acreditam que gastos com
defesa é que impulsionam o desenvolvimento, o que representa acreditar, em outro
contexto, que são os gastos do Pentágono que impulsionam a prosperidade e a
inovação dos EUA, uma notável inversão do processo real. No caso do Brasil,
descontada a ridícula retórica da construção da Nação – depois de quase 200 anos de
independência parece que o Brasil ainda não encontrou o seu caminho, ou pelo menos
alguns dos seus supostos estadistas ainda não encontraram o seu –, o que se tem aqui
é uma formidável confusão entre defesa e desenvolvimento, como se este último –
que, ao que parece, carece de um modelo ideal, filosófico, se podemos dizer – devesse
ser definido apenas com base naquela. Seus formuladores padecem de algum
complexo de inferioridade, implícito à posição do país no contexto internacional, pois
precisam ser “do contra”. Trata-se, manifestamente, de gente com vontade de dizer
não, sem que se saiba bem a quem ou por quê, exatamente. Dizer não em abstrato é o
mesmo que lutar contra incertas ‘forças da natureza’. Todo o documento é vago, em
suas premissas e em suas definições, quanto a que defesa se pretende: contra o quê,
exatamente, ou contra quem, mais precisamente?
Ora, a defesa é uma parte, apenas, do que constitui uma nação; essa parte pode
ser, alternativamente, mais ou menos importante em função do contexto histórico
preciso e do cenário geopolítico concreto no qual se insere essa nação: algumas terão
na defesa seu principal motivo de preocupação (nações cercadas de potências hostis
ou potencialmente conquistadoras, como, por exemplo, bárbaros batendo as portas das
cidades ou derrubando suas muralhas externas, como no caso da China e suas hordas
de mongóis e manchus conquistadores); outras nações podem ser neutras (como
alguns Estados tampões entre grandes potências), ou, então, naturalmente protegidas
de ataques inesperados, dadas suas dimensões geográficas continentais (os EUA, por
exemplo, um continente com dois oceanos, ou, talvez, o próprio Brasil; não é
certamente o caso da China, que, a despeito de suas dimensões continentais, tem
como vizinhos potências nucleares ao norte e ao sul).
5
O desenvolvimento, por sua vez, interessa a toda a nação, ou concerne, pelo
menos, todos os seus fatores de produção, sua capacidade transformadora, seus
recursos humanos, suas instituições de governança, suas relações exteriores (aqui,
sobretudo na área econômica), enfim, um processo múltiplo e multifacetado de
transformações estruturais e de crescimento sustentado que vai muito além do que
constitui a defesa ou uma estratégia de segurança nacional. Muitos acreditam que tudo
isso depende da definição de um “modelo de desenvolvimento”, pré-concebido por
alguns ‘luminares da nação’, apresentado e aprovado democraticamente pelo conjunto
da sociedade (nos momentos constituintes por exemplo). Trata-se de uma pretensão
acadêmica, típica dos que concebem a si mesmos como geniais formuladores da
grande estratégia nacional, e que raras vezes figurou nos planos de qualquer país hoje
tido como desenvolvido. “Modelo” é uma construção puramente conceitual,
necessariamente ex-post e geralmente constituído por uma simples racionalização
analítica de alguns elementos bem sucedidos ao cabo de um processo sustentado de
crescimento e de mudanças estruturais, implicando – cela va de soi – a passagem a
uma sociedade capaz de gerar respostas próprias aos desafios colocados pelo
ambiente em que vive (normalmente embutindo inovações de natureza tecnológica).
Eximindo-se de uma definição concreta de quais sejam as ameaças e desafios
externos, parece totalmente supérflua uma afirmação deste tipo contida na END:
“Difícil – e necessário – é para um País que pouco trato teve com guerras convencerse
da necessidade de defender-se para poder construir-se”. Esse tipo de hegelianismo
militar pode agradar os militares, que estão sempre buscando motivos legitimadores
de suas existência (e gastos), mas o argumento é circular e auto-suficiente: a
construção da Nação passa pela defesa, uma afirmação gratuita que se encerra em si
mesma. Há uma notável inversão do que seja o desenvolvimento: é a defesa que irá
capacitar o País, não a sua capacitação decorrente do processo de desenvolvimento
que pode fornecer elementos úteis à sua defesa.
Não existe uma verdadeira estratégia definida no documento, mas apenas
algumas formulações másculas, que constituem mera retórica vazia: “Projeto forte de
defesa favorece projeto forte de desenvolvimento.” O grande conceito unificador de
toda essa retórica vazia é o de “independência nacional”, o motivo básico da
existência da nação, que os formuladores da END dão por ameaçada, do contrário não
se preocupariam tanto com ela. Quando se invoca, repetidamente, independência e
soberania nacional é porque não se tem certeza de que elas estão asseguradas de fato e
6
na prática, isso traduz um desconforto psicológico quanto à fragilidade e
vulnerabilidade da nação. Mas isto não quer dizer necessariamente que ela não tenha
defesa, apenas traduz uma situação de desconforto com o não-desenvolvimento,
percepção que permeia o discurso dos dirigentes nacionais desde a formação do
Estado e a independência da nação (sim, o primeiro veio antes...).
Se Clausewitz está certo – mas ele não deve ser considerado um estrategista
infalível, muito menos eterno – os estadistas e generais brasileiros ainda não
conseguiram definir que tipo de guerra poderia afetar o Brasil e, portanto, ainda não
conseguiram definir uma estratégia nacional de defesa. A END é um arremedo do que
deveria ser uma, e certamente não deveria ser confundida com uma estratégia
nacional de desenvolvimento, mesmo se ela procura se legitimar dessa forma.
Não tenho a pretensão de formular neste espaço uma estratégia completa de
defesa (nacional ou não), e muito menos uma que seja de desenvolvimento nacional.
Mas sempre se pode reconhecer uma estratégia nacional de pura retórica quando uma
se apresenta de forma tão ingênua: a END está impregnada de retórica grandiloqüente
sobre quão importante deveria ser a defesa nacional para o desenvolvimento, mas ela
não diz qual é, onde está, em que consiste essa estratégia, que seria supostamente de
defesa, e, sobretudo, por que ela deveria ser estratégica – com perdão pela óbvia
redundância – para o desenvolvimento. Repetindo a questão essencial, já colocada
anteriormente: defesa contra o quê ou contra quem? Vejamos este aspecto.
2. Por que a END não é de defesa?
A primeira pergunta que um general deve formular a si mesmo, supondo-se
que ele seja chefe de Estado-Maior, é a de saber para onde, exatamente, as forças à
sua disposição devem apontar suas armas ofensivas ou dissuasórias. Da resposta a
esta questão depende a defesa efetiva do território nacional, nos pontos considerados
nevrálgicos e mais sensíveis.
Pois bem: o que nos diz a END sobre isso?
Os ambientes apontados na Estratégia Nacional de Defesa não permitem
vislumbrar ameaças militares concretas e definidas, representadas por forças
antagônicas de países potencialmente inimigos ou de outros agentes não-estatais.
Devido à incerteza das ameaças ao Estado, o preparo das Forças Armadas deve
ser orientado para atuar no cumprimento de variadas missões, em diferentes áreas
e cenários, para respaldar a ação política do Estado.
7
Esse trecho selecionado, extraído da seção “Fundamentos” da segunda parte
da END (Medidas de implementação), é surpreendente pelo seu caráter vago e pela
completa indefinição quanto ao objeto próprio de toda essa construção abstrata,
consoante, aliás, com o caráter de “não-estratégia” do documento em seu conjunto. O
Brasil parece viver, na visão dos formuladores da END, num completo vazio
geopolítico e eles não conseguem vislumbrar ameaças concretas; não se sabe bem,
portanto, quais devem ser as variadas missões das FFAA, e não se tem a mínima idéia
de que “ação política do Estado” se está falando. Se é de defesa, é preventiva contra
tudo e contra todos, o que, convenhamos, é extremamente custoso, se todas as
Hipóteses de Emprego (HE) forem consideradas, e muito pouco útil na preparação e
no adestramento adequado das tropas.
A mesma indefinição completa quanto às ameaças, as missões e os propósitos
da ação do Estado já tinha sido reconhecida na seção anterior (justamente voltada para
as Hipóteses de Emprego) dessa mesma parte da END (medidas de implementação).
No plano prático, ela redunda em algo absolutamente contraditório: “Entende-se por
HE a antevisão de possível emprego das Forças Armadas em determinada situação ou
área de interesse estratégico para a defesa nacional. É formulada considerando-se o
alto grau de indeterminação e imprevisibilidade de ameaças ao País.” Ou seja, mesmo
sem ter a mínima idéia de quais HE poderão determinar a mobilização das FFAA,
ainda assim, devem ser “elaborados e mantidos atualizados os planos estratégicos e
operacionais pertinentes, visando possibilitar o continuo aprestamento da Nação como
um todo, e em particular das Forças Armadas para emprego na defesa do País.”
Notável!: se pretende aprestar toda a nação mesmo sem se ter clareza quanto a
que tipo de ameaças ou desafios se colocam ao País. Jogos eletrônicos de guerra têm,
pelo menos, um ou mais inimigos declarados, algo que o Brasil não consegue ter, e
que a END não consegue definir. Quando se consegue formular uma ameaça concreta
ao território, à independência ou à soberania nacional, esta é particularmente
deficiente quanto aos cenários reais para as HE das FFAA. Deficiente é uma palavra
neutra, pois a suposição implícita é a de que o Brasil poderia ter de enfrentar – ou
pelo menos dissuadir – uma “potência hegemônica” ou uma “coalizão de potências
dominantes”, sem que se diga exatamente quais seriam essas potências “hostis” ou
“ameaçadoras”. Quem não padece de miopia geopolítica, e conhece as motivações e
orientações políticas do governo que formulou a END, pode apostar em que o alvo
são os Estados Unidos e os países europeus, as ‘únicas’ “potências hegemônicas” do
8
planeta, pois não se admitiria que os “parceiros estratégicos”, designados como tais
pelo governo, possam vir sequer a constituir fontes de ameaças.
A END diz, nas suas “Diretrizes”, que se deve “priorizar a região amazônica”
(sic), o que é propriamente surpreendente. Nenhuma explicação é dada para essa
“priorização” que parece contradizer os dados da realidade, quando se sabe que a
maior parte do PIB, da população, da capacitação industrial, dos centros nervosos do
País se situa em outras regiões do Brasil, mais particularmente na costa atlântica ao
longo das vertentes sudeste e do sul do território nacional. Talvez a END pretenda
encarregar a Marinha, que supostamente vigia toda a costa e o mar territorial
brasileiro, e marginalmente a zona econômica exclusiva, do monitoramento e
proteção dessa faixa de maior importância econômica, estratégica e militar para o
País, mas isso não está explicitado no documento. Na verdade, o mais provável que
ocorra é que tudo continue como sempre, com marinheiros instalados nas melhores
praias do País e com os soldados e aviadores fixados em suas melhores regiões.
Ainda assim não se percebe por que a Amazônia deva receber maior atenção e
mais recursos do que as regiões mais ricas e povoadas do País, talvez apenas porque
seja pobre e despovoada, justamente. Deve ser a tradicional obsessão paranóica – não
apenas de militares de direita, mas da esquerda paisana, também – quanto à
internacionalização da Amazônia, obviamente a cargo das mesmas “potências
hegemônicas” que conspiram contra o desenvolvimento do Brasil. Pode ocorrer,
eventualmente, que os formuladores da END tenham experimentado um súbito ataque
de clarividência, passando a colocar as ameaças potenciais ao Brasil lá onde eles
podem de fato aparecer, ou seja, na Amazônia; mas registre-se que ali, os cenários
mais prováveis são de pequena geopolítica, não de grande estratégia, o que reduziria
singularmente o uso das ferramentas previstas na END.2
Em resumo, assim como a END não consegue ser uma verdadeira estratégia,
ela não consegue ser um documento de defesa, ou seja, definir quais são as ameaças
credíveis e os reais desafios que pesam contra o Brasil, ou, de modo geograficamente
mais preciso, contra suas regiões estrategicamente mais importantes. As HE previstas
2 Sobre os conceitos de pequena e grande geopolítica, ver Paulo Roberto de Almeida, “Uma
paz não-kantiana?: Sobre a paz e a guerra na era contemporânea”, In: Eduardo Svartman,
Maria C. d’Araujo e Samuel A. Soares (orgs.), Defesa, Segurança Nacional e Forças
Armadas (Campinas: Mercado de Letras, 2009, p. 19-38; disponível:
http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1987 ... ok.pdf).
9
na END de emprego das FFAA são tantas e tão variadas, que as FFAA terão, de modo
particularmente custoso, de se preparar para absolutamente tudo e todas as HE, talvez
para enfrentar absolutamente nada. Neste caso, não se trata bem de uma manifestação
retórica de hegelianismo militar, mas talvez de um voluntarismo de tipo acadêmico
totalmente inócuo em seus propósitos substantivos.
3. Por que a END é prosaicamente nacional?
Aparentemente, a END pretende superar o velho problema que sempre
colocou em lados opostos estadistas e generais, de uma parte, e economistas, de outra;
ou seja, como conciliar, de um lado, os objetivos contraditórios da maximização do
bem-estar da nação no curto prazo – o que implica atender ao consumo imediato da
população – e os de seu desenvolvimento no longo prazo – o que implica concentrar
recursos para fins de investimentos produtivos – e, de outro lado, as necessidades de
sua defesa, com suas exigências em termos de desvio de recursos para a aquisição de
ferramentas militares – improdutivas por definição – mas essenciais para os fins de
dissuasão, de segurança e de defesa? A END, teoricamente, deveria reservar algum
espaço, se não para a macroeconomia do desenvolvimento brasileiro, ao menos para
uma estimativa inicial de seus custos diretos e indiretos, em termos de dotações
orçamentárias anuais e plurianuais, e de previsões aproximadas dos montantes
necessários a serem apropriados para cada uma de suas grandes rubricas ou categorias
de despesas (pessoal, equipamentos, infraestrutura, manutenção, P&D militar, etc.).
Esse tipo de cálculo elementar, a END sequer o faz de maneira impressionista
ou puramente subjetiva, ou seja, ela jamais ousa aventar qualquer cálculo estimativo,
mesmo primário, dos custos incorridos pela sua grandiosa estratégia (supostamente)
de defesa. Ela tampouco se permite considerar o custo-oportunidade de todas as suas
propostas operacionais, tanto no terreno das ferramentas militares, como no da
manutenção das instituições no formato pretendido. Parafraseando o conflito célebre
dos economistas quanto a bem-estar e defesa, quando confrontados a esse tipo de
dilema, pode-se dizer que a END pretende oferecer, ao mesmo tempo, manteiga e
canhões, sem que ela jamais consiga estimar os custos, implícitos e explícitos, desse
tipo de demanda contraditória por definição.
A ‘manteiga’, como sabemos, só pode entrar no quadro do grande projeto de
desenvolvimento que os autores da END pretendem impulsionar pelo lado exclusivo
da defesa (sem no entanto dizer como; talvez por fiat político). E os canhões, bem,
10
eles estão lá onde deveriam estar, mas aqui, não são apenas canhões, e sim todos os
raios de Júpiter e de seu exército de deuses auxiliares, sem esquecer Marte e Vulcano.
Com efeito, a END pretende “fortalecer três setores de importância estratégica: o
espacial, o cibernético e o nuclear”. Ou seja, nada menos do que uma guerra nas
estrelas, uma presença na estratosfera e no cyberspace, mesmo se for para combater
inimigos na área considerada prioritária, que é a ‘esquecida’ Amazônia.
E como tudo isso será alcançado?; ou seja, como serão oferecidos a manteiga
e os canhões da grande estratégia brasileira? A END novamente responde: “Tal
desenvolvimento [a capacidade de monitorar e controlar o espaço aéreo, o território e
as águas jurisdicionais brasileiras] dar-se-á a partir da utilização de tecnologias de
monitoramento terrestre, marítimo, aéreo e espacial que estejam sob inteiro e
incondicional domínio nacional”. Talvez coubesse sublinhar três vezes e colocar em
negrito o “incondicional”, pois ele resume toda a concepção soberanista, inteiramente
autárquica e estreitamente nacionalista da concepção do econômica do mundo dos
formuladores da END. Não basta ter ou dispor de ferramentas: é preciso, também, que
elas sejam genuinamente made in Brazil ou manipuladas integralmente pelos militares
brasileiros.
Esse tipo de restrição quanto a origem das ferramentas, ou o condicionamento
de sua aquisição no estrangeiro ao estrito repasse do controle tecnológico sobre as
ferramentas em questão, resume o caráter especificamente nacional da END, aliás,
seu único elemento dotado de maior consistência intrínseca, posto que os dois outros
elementos não se sustentam, nem filosófica, nem praticamente, como vimos.
Paradoxalmente, ou ironicamente, grande parte dessa transferência de tecnologia
esperada ou desejada pelos formuladores da END deveria fluir – voluntariamente,
talvez – daquelas “potências hegemônicas” que supostamente estariam na origem das
ameaças à ‘prioritária’ Amazônia (ou, quem sabe?, ao petróleo do pré-sal).
Todo o sentido da END consiste em atribuir à capacidade produtiva nacional a
principal responsabilidade pelo fornecimento de bens, serviços e provimentos
diversos às FFAA. Não sou eu quem digo; isso está explícito em tantas passagens da
END que seria fastidioso transcrever qualquer citação. Pode-se adivinhar quem ficará
extremamente satisfeito com esse tipo de preferência nacional: os industriais patriotas,
que não contentes de justificar o protecionismo em nome da defesa do emprego
nacional, vão passar a invocar a soberania (nacional) em nome da defesa (nacional,
justamente). Embora algumas associações patronais se pareçam mais com “sindicatos
11
de ladrões” – no sentido figurado, claro, tal a promiscuidade mantida com
autoridades, políticos e supostos defensores da lei – muitas dessas “representações de
classe” vivem justamente de reciclar dinheiro público, ou melhor, da coletividade.
Obviamente, não existe reciclagem mais extensa, “gorda” e isenta de concorrência
efetiva do que essas compras governamentais de armas, sempre monopolizadas e
cartelizadas em nome de uma suposta segurança nacional.
Em defesa da END – mas acredito que ela não necessita que a defendam, pelo
menos não de ataques como este, débil e sem audiência – pode-se argumentar que
todos os governos fazem a mesma coisa e praticam os mesmos pecados: em nome da
defesa e da soberania nacional, esses governos (sabemos quais são) mantêm, sem
qualquer economia de escala ou critérios de custo-oportunidade, custosas indústrias
de defesa, pois, obviamente, “não se pode entregar a defesa nacional a interesses
alienígenas”. O patriotismo ‘patrioteiro’ – desculpem a redundância mas ela é
necessária – é a forma mais fácil de arrancar dinheiro da sociedade e de entregá-lo a
quem já é rico, o que compreende, certamente, os industriais da defesa e os
representantes da indústria bélica nacional (algumas estatais, por acaso).
Contra argumentos como esse, não há fatos capazes de modificar o assalto ao
orçamento público organizado por uma coalizão de usuários e fabricantes de produtos
de defesa, razão pela qual nem pretendo gastar meus fracos conhecimentos de
economia tentando demonstrar que existem, sim, formas mais racionais de se gastar
os recursos públicos, mesmo em áreas sensíveis como defesa e segurança. Em
qualquer hipótese, a END se ajusta inteiramente à ideologia do desenvolvimento
nacional, essencialmente marcada pelo nacionalismo protecionista e pelo vezo
estatizante. Não serei eu a tentar modificar esse estado de coisas, por isso desisto.
Mais importante, porém, é constatar como esse nacionalismo instintivo pode
ser profundamente contraditório com os objetivos da END, que supostamente são os
da constituição de FFAA modernas, capacitadas tecnologicamente, aptas a combater
em todas as vertentes mais sofisticadas da guerra moderna, como está expressamente
declarado no documento: “Três setores estratégicos – o espacial, o cibernético e o
nuclear – são essenciais para a defesa nacional”.
Pois bem, essa afirmação – melhor, essa pretensão, algo ilusória, como muitas
outras no documento – é inteiramente negada por outra afirmação mais à frente, que
se refere ao serviço militar obrigatório, supostamente encarregado de realizar o
“nivelamento republicano” (seja lá o que isso queira dizer para filósofos de plantão).
12
No parágrafo 2 dessa seção, depois de se confirmar que “[o] Serviço Militar
Obrigatório será (...) mantido e reforçado”, vem explicitamente afirmado que “[a]s
Forças Armadas limitarão e reverterão [merece ser sublinhado três vezes] a
tendência de diminuir a proporção de recrutas e de aumentar a proporção de soldados
profissionais.” [sic três vezes e espanto figurado!!!]
Ora, não existe proposta mais contraditória com o objetivo de se ter FFAA
modernas e capacitadas tecnologicamente do que a incorporação proporcionalmente
maior de recrutas ignorantes nessas forças. Trata-se de um grave equívoco, só
explicável por populismo ingênuo, igualitarismo instintivo ou alienação acadêmica de
quem propôs tamanha incongruência; ou, então, uma mistura desses três elementos,
pois não se consegue explicar como um documento desse teor, tão modernoso em
seus outros componentes, pode cometer erro tão grave na componente mais
importante de qualquer força militar moderna, os recursos humanos (aliás, de
qualquer atividade organizada por uma sociedade contemporânea). Espera-se que os
chefes militares não sucumbam a essa burrice monumental. Não se trata de propor a
contratação de mercenários modernos, combatendo por dinheiro, mas sim a
profissionalização crescente das FFAA, consoante tendências detectadas na maior
parte das FFAA contemporâneas. Um soldado moderno deve ter, no mínimo, a
formação de um engenheiro (não sei se estou exagerando...).
4. O que uma END realista e razoável poderia conter?
Pergunta fácil e, ao mesmo tempo, difícil de responder. Em primeiro lugar, ela
deveria conter – e isto é o mínimo – uma verdadeira estratégia de defesa, nacional ou
não (mas sei que, aqui, toco nos brios de nossos militares nacionalistas e outros
patrioteiros, já prontos a sacar suas armas para me fuzilar, por grave atentado à defesa
nacional). Bem, deixando de lado por um momento esse fantasma do caráter
supostamente nacional da nossa defesa, vejamos prioritariamente os dois outros
elementos em pauta: a estratégia e a defesa.
O que é uma estratégia? O que deveria conter de estratégico um documento
destinado às gloriosas FFAA, que nos defendem de insidiosos ataques inimigos (ou
simplesmente externos)? Uma estratégia é, segundo meu entendimento, um conjunto
de prescrições de natureza geral quanto a valores, princípios, objetivos gerais e
particulares, metas e finalidades da ação estatal que têm a ver com a existência, a
proteção, a manutenção da segurança, a preservação da independência e da soberania
13
de um determinado Estado, em função da qual disposições táticas são adotadas,
fatores logísticos definidos, meios específicos constituídos, todos com a finalidade de
se atingir os objetivos gerais e particulares definidos pelos estadistas na estratégia
adotada pelos responsáveis políticos do Estado em questão. Ou seja, mesmo que uma
estratégia possa ser eventualmente preparada e oferecida por generais e outros
senhores da guerra, sua definição última e a responsabilidade suprema pela sua forma
teórica final e decisões complementares pela implementação prática sempre
incumbem à autoridade política do Estado em causa.
Daí a primeira regra no processo de elaboração de uma estratégia qualquer, no
sentido aqui definido como obra de estadistas de natureza profundamente política e de
escopo e significado essencialmente políticos, na acepção “estatal” desses termos (que
tem a ver com o conceito anglossaxão de statecraft, que poderia ser imperfeitamente
traduzido por “estadismo”). Uma estratégia não diz respeito apenas a generais e
senhores da guerra, e sim a toda a nação e seus responsáveis maiores. Ela precisa
ostentar, em primeiro lugar, clareza geral de concepção, precisão nos seus desígnios e
objetivos principais, profundidade similar no estabelecimento de suas finalidades
secundárias, planejamento quanto aos meios adequados e quanto ao alcance, eficácia,
possibilidades e limites de suas ferramentas privilegiadas e, também, dispor de um
compromisso firme com a sua colocação em vigor e implementação decisiva por parte
dos estadistas instalados no comando da nação, quaisquer que sejam os obstáculos e
dificuldades que se apresentem no processo de sua implementação.
É evidente, nesse sentido, que a coerência entre fins e meios da estratégia
adotada depende de uma visão clara desses responsáveis políticos – tanto civis quanto
militares, estes agindo na condição de planejadores políticos visando finalidades
militares, se a estratégia adotada é basicamente militar – quanto à capacidade relativa
da nação em sustentar essa determinada estratégia, que precisa ser minimamente
comensurável aos recursos efetivos ou potencias à disposição da nação. Sendo assim,
qualquer exercício em torno de uma estratégia nacional depende de um conhecimento
acurado de quais são as fortalezas e fraquezas da nação em causa, sem o que o
exercício conduzido poderá traduzir-se em mero esforço de objetivos ideais, ou em
uma coleção irrealista de desejos inatingíveis. Um levantamento preliminar dos
recursos, das possibilidades e limites ao estabelecimento de uma determinada
estratégia configura-se uma tarefa prévia indispensável à boa definição de uma
estratégia realista e compatível com os meios e finalidades nela estabelecidos.
14
Levando-se em conta esses critérios metodológicos, parece que a END falha
em cumprir requisitos mínimos de uma estratégia. Ela não diz por que, e com quais
finalidades, deseja ter para o Brasil FFAA dotadas das características apontadas em
seus vetores principais de atuação (espacial, cibernético e nuclear); tampouco diz
quais seriam os grandes objetivos da nação em face de obstáculos precisos à
consecução desses objetivos (que permanecem indefinidos); não consegue sequer
dizer para o quê ou para quem o Brasil teria de dizer ‘não’, como masculamente
pretendem seus formuladores; e falha, estupidamente, em se dotar dos recursos
humanos adequados às suas altas finalidades (que ela não se sabe dizer quais são, mas
que pretende atingir, em todo caso, muito mais com recrutas ignorantes do que com
soldados profissionais e administradores competentes, recrutados no mercado e
operando em condições de eficiência quanto aos meios e com cobrança de resultados).
Se com todas essas falhas a END pretende continuar a ser chamada pelo nome
pomposo de ‘estratégia’ – e ainda mais ‘de defesa’ – é evidente que ela precisa passar
por uma remodelação conceitual e um sério esforço de redefinição de objetivos e
metas, sem o que ela permanecerá o que é atualmente: uma assemblagem de conceitos
vagos sem conexão com o Brasil real, coroando três listas de compras militares para
cada uma das forcas singulares; tudo isso, cabe recordar, sem conseguir dizer o que
pretende exatamente o Brasil no contexto do mundo em que vivemos, hic et nunc,
com alguma previsão para as próximas décadas, como seria de rigor em documentos
desse tipo. Sem uma exposição clara do que é o Brasil – e do que constitui a sua
defesa, se é que existe uma, atualmente –, de suas capacidades materiais e
possibilidades humanas, de seus objetivos diplomáticos e econômicos, agora e
futuramente, sem essa visão clara de quem somos, do quê pretendemos em nossa
região e no mundo, no futuro previsível, sem uma adequação entre essas finalidades e
os instrumentos disponíveis (imediatos e mediatos), sem um planejamento acurado do
que pretendemos obter com os nossos próprios meios ou em cooperação com aliados
potenciais, sem todos esses elementos conceituais e empíricos, fica difícil estabelecer
uma estratégia digna desse nome e prover os recursos necessários à sua consecução.
Não se exige, obviamente, que os formuladores de uma grande estratégia
nacional sejam todos planejadores competentes, exímios economistas ou planejadores
experientes, mas seria conveniente que os estadistas e generais que forem conceber,
desenhar e redigir um tal documento se cerquem de assessores dotados de algumas
competências firmadas nessas áreas básicas da ação estatal. Os seus formuladores
15
podem ser, inclusive, filósofos ou sociólogos (sem esquecer os advogados e outros
mestres de ciências afins), mas algumas tarefas de planejamento, de cálculo
econômico e de administração, de organização e métodos seriam muito bem-vindas
antes que amadores se lancem nessa ingente tarefa. Não é possível, por exemplo, que
uma magnífica estratégia nacional se veja obstaculizada em sua implementação por
uma completa falta de correspondência entre os objetivos ambiciosos nela
estabelecidos e os parcos meios colocados à disposição das autoridades de aplicação,
como resultado de cálculos irrealistas em torno do PIB nacional – presente e futuro –
e as dimensões ambiciosas de uma tal grande estratégia.
A rigor, uma estratégia do tipo da que se concebe aqui – ou seja, bem mais
‘prussiana’ do que ‘hegeliana’ – não é obra de alienígenas trabalhando com uma
cornucópia infindável de recursos sempre abundantes. Nunca o é: aqueles que
acreditam que o orçamento do Pentágono e as maravilhosas máquinas de guerra que
ali são encomendadas – inclusive com grande desperdício e alguma irracionalidade
nos gastos – fluem diretamente das arcas do Tesouro (eventualmente por bondade e
graça do Congresso), por certo ignoram o papel da professorinha primária e da
produtividade sistêmica do trabalhadores americanos na montagem secular de um
modo inventivo de produção que encantou Schumpeter e deslumbraria Marx. Doses
mínimas de realismo orçamentário e uma visão adequada das capacidades econômicas
nacionais – inclusive quanto ao endividamento externo – são sempre desejáveis nessa
gloriosa missão de desenhar e escrever uma estratégia. Desse ponto de vista, creio,
sinceramente, que a END falha completamente em juntar meios e fins, em definir
possibilidades e limites, em juntar desejos com realidade. Ela parece esquecer que
nossas FFAA vivem num país real, chamado Brasil, do início do século 21, situado a
centro-leste de um continente específico, localizado no hemisfério americano, cercado
por vizinhos, digamos, peculiares, que apresentam características muito definidas,
sobre as quais não é necessário estender-se no momento (mas que convém levar em
consideração na redação dessa grande estratégia).
Pois bem, esperando que os filósofos da grande estratégia brasileira baixem à
terra, seria conveniente que eles dissessem alguma coisa em torno da defesa, ou seja,
essas “forças antagônicas de países potencialmente inimigos ou (...) outros agentes
não-estatais”. Da mesma forma, seria de todo indicado que os formuladores de uma
END razoável consigam articular algo coerente em torno das “variadas missões [das
FFAA], em diferentes áreas e cenários, para respaldar a ação política do Estado”. Sem
16
tratar desses ambientes concretos, torna-se impossível combater o bom combate, ou
seja, estar aprestado para o inimigo provável, não por aquele imaginado por mentes
iluminadas que vivem nos salões acarpetados das academias e burocracias do Estado.
Por exemplo: você não manda um porta-aviões para combater guerrilheiros na selva,
nem arma uma grande esquadra quando o que se necessita é de uma Marinha de águas
marrons, não águas azuis; mísseis geralmente não são recomendados para o emprego
contra contrabandistas “pés-de-chinelo”, como parecem ser as HE mais prováveis das
nossas gloriosas FFAA.
Claro, elas têm uma necessidade psicológica de também se preparar contra
esses inimigos poderosos que figuram nas HE dos nossos anti-imperialistas oficiais,
mas conviria antes fazer um curso de ciência política e, na sequência, uma pósgraduação
em relações internacionais, para melhor programar o uso efetivo das nossas
FFAA. O que não é possível seria torrar os escassos – por definição – recursos da
gloriosa mãe gentil, contemplando toda a panóplia possível de ferramentas militares
para todas as HE humanamente concebíveis no horizonte histórico do relacionamento
regional e internacional do Brasil. Um pouco de razão e outro tanto de sensibilidade
sempre são bem vindos, mesmo nessas rudes matérias de defesa e segurança.
Todo exercício intelectual é bem vindo, sobretudo quando se pode revisá-lo
com base em dados da realidade, submetendo-o às armas da crítica (para que ele não
padeça sob a crítica das armas, com a licença de Marx para o uso desta sua paráfrase).
Se os formuladores originais da END padecem de vazio geopolítico, nada melhor do
que engajar novos filósofos – com alguns engenheiros e economistas em apoio – para
revisar, corrigir e melhorar o documento em questão. Todos ganhariam com isso: a
nação, em primeiro lugar, que saberia exatamente – pelo menos é o que se supõe –
quanto lhe pretendem subtrair em transparentes transações orçamentárias; as próprias
FFAA, que saberiam que tipo de inimigo combater – posto que a END atual é
totalmente vaga a esse respeito; e também, talvez seja o mais importante, a lógica
elementar e a racionalidade stricto sensu, que sempre ganham quando documentos de
tal importância atendem a seus requisitos formais e subscrevem a cânones mínimos de
coerência intrínseca e de adequação à realidade.
Nem tudo está perdido, porém, desde que se considere que a END is not the
end, se me permitem o jeux de mots inevitável. Ela representa um bom começo, posto
que já contém a shopping list desejada por cada uma das forças (ainda que, sob vários
aspectos, totalmente inadequada às reais funções presumíveis de cada uma delas, e
17
conjuntamente). Seria preciso que estadistas de verdade e generais experimentados –
prussianos e hegelianos, ambas as combinações são possíveis – pudessem definir as
ameaças concretas que pesam sobre o Brasil – if any – e, a partir daí, estabelecer os
parâmetros básicos de uma estratégia de defesa que faça jus a esse conceito. Talvez
falte ao documento aquelas bonitas ações cinematográficas que corresponderiam aos
cenários de grande geopolítica com que sonham nossos soldados; mas isso talvez seja
simplesmente porque o Brasil precisa ajustar seu desejo de brilhar no mundo às reais
dimensões dos desafios que se colocam concretamente em seu ambiente de atuação,
quais sejam, os cenários de pequena geopolítica na região ou a serviço da ONU.
Essa talvez seja a frustração – essencialmente teórica – dos hegelianos que
conceberam pela primeira vez o documento: eles pretendiam vislumbrar (talvez até
desejavam secretamente) enfrentamentos com potências hegemônicas e acabam tendo
de caçar marginais nas favelas do Haiti ou traficantes analfabetos nas selvas e morros
da América Latina; no máximo, talvez consigam separar facções guerreiras em
territórios longínquos, a serviço do CSNU, sem que talvez jamais consigam exercer
seus fabulosos dotes bélicos contra inimigos de verdade numa guerra de posições. Por
mais que a realidade não se encaixe nos planos grandiosos, é ela que precisa ser
enfrentada, não os conflitos imaginários (sobretudo contra os inimigos errados, como
certamente alguns mais alucinados podem estar cogitando no seu íntimo).
Ao fim e ao cabo, uma estratégia de defesa – deixemos o nacional de lado,
pois ele será fatalmente reinserido por nossos bravos formuladores – deve responder
às necessidades percebidas por estadistas e generais, não corresponder às angústias
teóricas de alguns ideólogos disfarçados em planejadores, como parece ter sido o caso
desta primeira experiência de redação. Os requisitos metodológicos e os componentes
conceituais são relativamente simples: o documento deve ser uma estratégia e ele
deve tratar de defesa. Para tanto seria indispensável algum trabalho preliminar de
análise de terreno – inclusive no contexto global –, de balanço de recursos, de
identificação de ameaças credíveis, de definição de ferramentas, de estimação de
custos, de estabelecimento de planos táticos e de disposição das forcas nos espaços
definidos pela estratégia. Pode-se até ser ambicioso quanto aos meios, mas não se
deve deixar o terreno no qual se pisa para passear pelo Olimpo filosófico dos deuses
da guerra.
18
Em uma palavra, questões militares e assuntos diplomáticos não são encargos
para amadores, como soe acontecer ocasionalmente em certos meios (ou épocas). O
preço a pagar pelo idealismo nessas matérias é muito alto, e ele não tem a ver apenas
com os recursos financeiros da nação – ou seja, o meu, o seu, o nosso dinheiro – e sim
com a completa inadequação de uma estratégia qualquer – qualquer que seja o seu
conteúdo nacional – com os fins pretendidos, supostamente de defesa. A menos, é
claro, que a intenção não declarada seja a de não fazer a guerra, mesmo em última
instância, o que sempre pode ser uma escolha de civis (eventualmente diplomatas),
mas que na mente dos generais não parece ser a opção mais adequada. Back to work!
“Look at these people. Wandering around with absolutely no idea what's about to happen.”
P. Sullivan (Margin Call, 2011)
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Valeu Túlio.
Será impossível debater todo o artigo em um só post, desta maneira vamos fazer por partes.
Espero a contribuição do pessoal, para não ser um "monólogo".
Primeiro o uso de Clausewitz para embasar a sua crítica.
Vou escrever algo sobre a "natureza da guerra" e deixar que os foristas avaliem se o Mestre (Clausewitz) foi usado com propriedade, ou não.
A natureza da guerra, para o Mestre, significava entender se a mesma era limitada ou ilimitada.
Melhorando um pouco: se os objetivos políticos a serem alcançados com a guerra (que é continuação da política com o uso da violência), são limitados, ou ilimitados.
Exemplo:
- se o objetivo da guerra é anexar um outro país, ela é ilimitada, significando a necessidade de destruição das FA inimigas, de toda resistência. A resistência e a tomada do Vietnã do Sul pelo Norte, p. ex.;
- se é recuperar algo restrito, que não implique em necessitar destruir as FA do inimigo, Malvinas, pelos ingleses, ela é limitada. Vejam que os ingleses não atacaram território continental argentino, não usaram armas nucleares, etc.
Compreendido o Mestre, vejam se cabem estes conceitos no artigo.
Aproveitando, além da natureza da guerra, há que compreender o caráter da mesma, se marítimo, ou terrestre. Já escrevi isto antes. Se houver interesse aprofundo este debate.
Aguardo as contribuições antes de continuar.
Será impossível debater todo o artigo em um só post, desta maneira vamos fazer por partes.
Espero a contribuição do pessoal, para não ser um "monólogo".
Primeiro o uso de Clausewitz para embasar a sua crítica.
Vou escrever algo sobre a "natureza da guerra" e deixar que os foristas avaliem se o Mestre (Clausewitz) foi usado com propriedade, ou não.
A natureza da guerra, para o Mestre, significava entender se a mesma era limitada ou ilimitada.
Melhorando um pouco: se os objetivos políticos a serem alcançados com a guerra (que é continuação da política com o uso da violência), são limitados, ou ilimitados.
Exemplo:
- se o objetivo da guerra é anexar um outro país, ela é ilimitada, significando a necessidade de destruição das FA inimigas, de toda resistência. A resistência e a tomada do Vietnã do Sul pelo Norte, p. ex.;
- se é recuperar algo restrito, que não implique em necessitar destruir as FA do inimigo, Malvinas, pelos ingleses, ela é limitada. Vejam que os ingleses não atacaram território continental argentino, não usaram armas nucleares, etc.
Compreendido o Mestre, vejam se cabem estes conceitos no artigo.
Aproveitando, além da natureza da guerra, há que compreender o caráter da mesma, se marítimo, ou terrestre. Já escrevi isto antes. Se houver interesse aprofundo este debate.
Aguardo as contribuições antes de continuar.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Para facilitar, aqui a parte do texto em que usa Clausewitz:Marino escreveu:Valeu Túlio.
Será impossível debater todo o artigo em um só post, desta maneira vamos fazer por partes.
Espero a contribuição do pessoal, para não ser um "monólogo".
Primeiro o uso de Clausewitz para embasar a sua crítica.
Vou escrever algo sobre a "natureza da guerra" e deixar que os foristas avaliem se o Mestre (Clausewitz) foi usado com propriedade, ou não.
A natureza da guerra, para o Mestre, significava entender se a mesma era limitada ou ilimitada.
Melhorando um pouco: se os objetivos políticos a serem alcançados com a guerra (que é continuação da política com o uso da violência), são limitados, ou ilimitados.
Exemplo:
- se o objetivo da guerra é anexar um outro país, ela é ilimitada, significando a necessidade de destruição das FA inimigas, de toda resistência. A resistência e a tomada do Vietnã do Sul pelo Norte, p. ex.;
- se é recuperar algo restrito, que não implique em necessitar destruir as FA do inimigo, Malvinas, pelos ingleses, ela é limitada. Vejam que os ingleses não atacaram território continental argentino, não usaram armas nucleares, etc.
Compreendido o Mestre, vejam se cabem estes conceitos no artigo.
Aproveitando, além da natureza da guerra, há que compreender o caráter da mesma, se marítimo, ou terrestre. Já escrevi isto antes. Se houver interesse aprofundo este debate.
Aguardo as contribuições antes de continuar.
Em minha opinião, esse documento, em seu formato atual, não passa no teste
proposto por Clausewitz na frase destacada em epígrafe, isto é, a de uma correta
definição de qual seja o tipo exato de guerra com que poderia se defrontar o país.
Entender a guerra enquanto “instrumento político” seria a primeira missão dos
estadistas e dos generais brasileiros, mas a END deixa essa questão num completo
vazio estratégico, sem qualquer definição quanto a cenários ou ‘adversários’.
Talvez Clausewitz fosse muito exigente na formulação de padrões para o ‘seu’
tratamento da teoria militar, estabelecendo rigorosos princípios de planejamento e de
ação no terreno para os ‘seus’ generais, princípios que talvez não tenham aplicação ao
caso brasileiro
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco
Barão do Rio Branco
Re: Estratégia Nacional de Defesa
Quem escreveu isso?tratar desses ambientes concretos, torna-se impossível combater o bom combate, ou
seja, estar aprestado para o inimigo provável, não por aquele imaginado por mentes
iluminadas que vivem nos salões acarpetados das academias e burocracias do Estado.
Por exemplo: você não manda um porta-aviões para combater guerrilheiros na selva,
nem arma uma grande esquadra quando o que se necessita é de uma Marinha de águas
marrons, não águas azuis; mísseis geralmente não são recomendados para o emprego
contra contrabandistas “pés-de-chinelo”, como parecem ser as HE mais prováveis das
nossas gloriosas FFAA.
Mas nem precisa ler tudo.
Pelo pouquíssimo que sei, você não escolhe um(1) inimigo, mas coloca TODAS as hipóteses e daí parte para formular uma estratégia.
Qualquer inimigo minimamente preparado pode perceber qual a hipótese não contemplada e explorá-la na busca pelo êxito.
Outra coisa, o texto dá a idéia (errada) de que a END nasceu ontem. Não foi.
Se existe uma coisa de excelente nas nossas FAs, certamente não é seu material, as armas; mas sim o Comando, o Estado Maior, cérebros.
Isso (estratégias e HE) é formado ao longo de décadas e quando surge um governo que quer delinear um estratégia de defesa nacional, essas idéias, maturadas por longas décadas, são postas à mesa.
Eu sinceramente acho que o autor desde o princípio parte de uma premissa errada, a de quê a END foi criada agora. Pode sim, ter sido redigida e transformada em lei, política de estado e etc agora, mas o mas as linhas mestras e seu formato estão sendo formados já há décadas e décadas.
Devo ter falado muita besteira, pois pouco sei do assunto, mas essa é a minha impressão.
- LeandroGCard
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Li o documento todo, e vou apresentar minha opinião geral antes de entrar na discussão dos ítens isolados:
Embora, na minha opinião, ele inclua alguns questionamentos cabíveis com relação a detalhes do texto em si (quase questões de semântica mesmo) e a uma certa falta de objetividade em alguns pontos da END (que talvez se fossem muito mais objetivos provavelmente impediriam a própria publicação do documento), a principal característica das críticas apresentadas é relativa às próprias posições do autor sobre o que ele acha que deveriam ser as prioridades do Brasil em termos de defesa.
Mesmo que o autor não advogue a causa abertamente, fica patente que sua idéia é ter nossas FA's basicamente com funções de polícia, tanto para uso interno em missões basicamente de defesa da ordem (combate ao contrabando, a grupos de criminosos armados, pirataria, etc...), quanto eventualmente para uso externo, em ações de natureza similar patrocinadas por organismos internacionais (ONU e etc...) em outros países. O autor critica, mais ou menos veladamente, qualquer menção à possibilidade de ameaças aos interesses nacionais oriundas de estados organizados poderosos, e deixa claro que discorda da inclusão desta possibilidade entre as hipóteses de emprego que devem ser previstas para as três forças. Não menciona o aspecto da dissuasão neste caso, considera apenas a hipótese de guerra declarada.
Também com relação à prioridade no desenvolvimento de meios e equipamentos nacionais para a defesa, o autor deixa claro que não vislumbra as vantagens intrínsecas no seu desenvolvimento em termos de incremento do patrimônio tecnológico nacional, considerando todo gasto em material militar apenas como despesa sem retorno. Ele não concebe que o desenvolvimento de uma indústria de defesa possa ser utilizado como uma alavanca para o desenvolvimento nacional como um todo. E de forma um pouco deslocada o autor ainda menciona, embora evitando se comprometer, a possibilidade da ocorrência de desvios e malversações no uso das verbas públicas destinadas ao desenvolvimento de meios locais, sem mencionar que esta é uma possibilidade em qualquer gasto governamental, em qualquer área.
Em suma, o texto é por demais preconceituoso (no sentido de na prática apresentar apenas a defesa de idéias pré-concebidas do autor) para ter utilidade em si. E utiliza também diversas expressões depreciativas com relação aos formuladores da END, aos militares e a todos os que concordam em geral com o documento, o que de certa forma diminui sua seriedade.
Mas o texto também não deixa de não deixa de levantar pontos interessantes, como a contradição entre a ênfase em forças armadas de perfil altamente tecnológico (prioridade para as áreas espacial, cibernética e nuclear) ao mesmo tempo em que se valoriza a conscrição. E também apresenta sugestões interessantes, como a inclusão ou pelo menos a explicitação de análises econômicas na formulação de uma END, e a idéia de que ela poderia ser um documento dinâmico, visando sustentar um debate mais amplo e aprofundado sobre as questões de que ele trata, ao invés de ser uma referência “pétrea” para a definição de ações em prazos mais longos, já que a realidade na qual a própria END foi escrita pode mudar ao longo destes prazos.
Leandro G. Card
Embora, na minha opinião, ele inclua alguns questionamentos cabíveis com relação a detalhes do texto em si (quase questões de semântica mesmo) e a uma certa falta de objetividade em alguns pontos da END (que talvez se fossem muito mais objetivos provavelmente impediriam a própria publicação do documento), a principal característica das críticas apresentadas é relativa às próprias posições do autor sobre o que ele acha que deveriam ser as prioridades do Brasil em termos de defesa.
Mesmo que o autor não advogue a causa abertamente, fica patente que sua idéia é ter nossas FA's basicamente com funções de polícia, tanto para uso interno em missões basicamente de defesa da ordem (combate ao contrabando, a grupos de criminosos armados, pirataria, etc...), quanto eventualmente para uso externo, em ações de natureza similar patrocinadas por organismos internacionais (ONU e etc...) em outros países. O autor critica, mais ou menos veladamente, qualquer menção à possibilidade de ameaças aos interesses nacionais oriundas de estados organizados poderosos, e deixa claro que discorda da inclusão desta possibilidade entre as hipóteses de emprego que devem ser previstas para as três forças. Não menciona o aspecto da dissuasão neste caso, considera apenas a hipótese de guerra declarada.
Também com relação à prioridade no desenvolvimento de meios e equipamentos nacionais para a defesa, o autor deixa claro que não vislumbra as vantagens intrínsecas no seu desenvolvimento em termos de incremento do patrimônio tecnológico nacional, considerando todo gasto em material militar apenas como despesa sem retorno. Ele não concebe que o desenvolvimento de uma indústria de defesa possa ser utilizado como uma alavanca para o desenvolvimento nacional como um todo. E de forma um pouco deslocada o autor ainda menciona, embora evitando se comprometer, a possibilidade da ocorrência de desvios e malversações no uso das verbas públicas destinadas ao desenvolvimento de meios locais, sem mencionar que esta é uma possibilidade em qualquer gasto governamental, em qualquer área.
Em suma, o texto é por demais preconceituoso (no sentido de na prática apresentar apenas a defesa de idéias pré-concebidas do autor) para ter utilidade em si. E utiliza também diversas expressões depreciativas com relação aos formuladores da END, aos militares e a todos os que concordam em geral com o documento, o que de certa forma diminui sua seriedade.
Mas o texto também não deixa de não deixa de levantar pontos interessantes, como a contradição entre a ênfase em forças armadas de perfil altamente tecnológico (prioridade para as áreas espacial, cibernética e nuclear) ao mesmo tempo em que se valoriza a conscrição. E também apresenta sugestões interessantes, como a inclusão ou pelo menos a explicitação de análises econômicas na formulação de uma END, e a idéia de que ela poderia ser um documento dinâmico, visando sustentar um debate mais amplo e aprofundado sobre as questões de que ele trata, ao invés de ser uma referência “pétrea” para a definição de ações em prazos mais longos, já que a realidade na qual a própria END foi escrita pode mudar ao longo destes prazos.
Leandro G. Card
Re: Estratégia Nacional de Defesa
Para mim, faltou uma qualificação:
Doutor em complexo de guaipeca. Parece que o articulísta tem medo que larguemos a mão do "brother Sam".
Então os militares não entendem nada de estratégia, só apresentaram uma "lista de compras" (pg. 14) muito anti-econômica e totalmente irreal. É, Me lembrou isto:
Certo, vamos privatizar nossas FAs e, quem sabe, contratar mercenários. Mais econômico e melhor do que pagar esses malvados industriais da defesa que só querem deixar os brasileiros pobres.em nome da defesa e da soberania nacional, esses governos (sabemos quais são) mantêm, sem qualquer economia de escala ou critérios de custo-oportunidade, custosas indústrias de defesa, pois, obviamente, “não se pode entregar a defesa nacional a interesses alienígenas”. O patriotismo ‘patrioteiro’ – desculpem a redundância mas ela é necessária – é a forma mais fácil de arrancar dinheiro da sociedade e de entregá-lo a quem já é rico, o que compreende, certamente, os industriais da defesa e os representantes da indústria bélica nacional (algumas estatais, por acaso). Contra argumentos como esse, não há fatos capazes de modificar o assalto ao orçamento público organizado por uma coalizão de usuários e fabricantes de produtos de defesa, razão pela qual nem pretendo gastar meus fracos conhecimentos de economia tentando demonstrar que existem, sim, formas mais racionais de se gastar os recursos públicos, mesmo em áreas sensíveis como defesa e segurança. Em qualquer hipótese, a END se ajusta inteiramente à ideologia do desenvolvimento nacional, essencialmente marcada pelo nacionalismo protecionista e pelo vezo estatizante. Não serei eu a tentar modificar esse estado de coisas, por isso desisto.
Mas ele desiste logo após externar a opinião?
- LeandroGCard
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Minha opinião é que a citação a Clausewitz foi feita mais para tentar acrescentar um "clima de excelência técnica" ao texto do que uma tentativa real de utilização de uma teoria estabelecida como base de argumentação. Os conceitos de Clausewitz se aplicam basicamente ao entorno imediato da guerra em si (as ações políticas que as produzem e às ações militares, políticas e eventualmente econômicas que as sustentam). Mas a END deixa claro que sua preocupação é o gerenciamento da defesa da nação brasileira mesmo em situações como a atual, em que a guerra é apenas uma possibilidade distante e os eventuais inimigos sequer podem ser claramente apontados.Marino escreveu:Valeu Túlio.
Será impossível debater todo o artigo em um só post, desta maneira vamos fazer por partes.
Espero a contribuição do pessoal, para não ser um "monólogo".
Primeiro o uso de Clausewitz para embasar a sua crítica.
Vou escrever algo sobre a "natureza da guerra" e deixar que os foristas avaliem se o Mestre (Clausewitz) foi usado com propriedade, ou não.
A natureza da guerra, para o Mestre, significava entender se a mesma era limitada ou ilimitada.
Melhorando um pouco: se os objetivos políticos a serem alcançados com a guerra (que é continuação da política com o uso da violência), são limitados, ou ilimitados.
Exemplo:
- se o objetivo da guerra é anexar um outro país, ela é ilimitada, significando a necessidade de destruição das FA inimigas, de toda resistência. A resistência e a tomada do Vietnã do Sul pelo Norte, p. ex.;
- se é recuperar algo restrito, que não implique em necessitar destruir as FA do inimigo, Malvinas, pelos ingleses, ela é limitada. Vejam que os ingleses não atacaram território continental argentino, não usaram armas nucleares, etc.
Compreendido o Mestre, vejam se cabem estes conceitos no artigo.
Aproveitando, além da natureza da guerra, há que compreender o caráter da mesma, se marítimo, ou terrestre. Já escrevi isto antes. Se houver interesse aprofundo este debate.
Aguardo as contribuições antes de continuar.
Tem-se que ir muito além de Clausewitz ou sun-tzu para analisá-la. Como as atividades envolvidas com o aprestamento das FA's podem interagir com o desenvolvimento econômico, tecnológico e social nacional? Como o poder militar pode ser utilizado para projetar a imagem do país no mundo, tanto para os potenciais inimigos quanto para aliados e mesmo simples parceiros comerciais? Até onde eu conheço (e reconheço que não sou especialista) estas e outras questões afins não estão no escopo dos trabalhos de Clausewitz. E por outro lado, caberia à END definir que a próxima guerra que o Brasil poderia travar seria eminentemente naval, terrestre (ou aérea, no mundo atual temos que extrapolar os ensinamentos do mestre), se nem inimigos potenciais podem ser hoje nominados?
Leandro G. Card
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Parabéns à todos.
Com orgulho faço parte do DB.
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"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco
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Re: Estratégia Nacional de Defesa
Eu não quero desqualificar de imediato o articulista, mas...O documento conjunto do Ministro da Defesa e do Secretário de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, divulgado originalmente em dezembro de
2008, deveria ser, alegadamente, a base do pensamento estratégico do Brasil, mas
deveria oferecer, também, uma espécie de guia operacional e um manual de
reequipamento de suas Forças Armadas (FFAA), com vistas à consecução dos
objetivos básicos nacionais.
A base do pensamento estratégico do país. Será?
Parece que ele desconhece a existência de uma POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA (na realidade, em vigor a Política de Defesa Nacional, sendo revista para ser relançada como Política Nacional de Defesa).
A Política diz "O QUE", e a Estratégia diz "COMO".
Então, a Política é a base, não a Estratégia.
Guia operacional? Dentro da Estratégia?
Manual de reequipamento? Esta foi f - - - .
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Barão do Rio Branco
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