SEGURANÇA NO MAR BRASILEIRO
Luiz Philippe da Costa Fernandes
“A nação que controlar as rotas do comércio marítimo dominará o
mundo”. A teoria de Alfred T. Mahan, oficial da marinha americana no final
do século 19, consubstancia os princípios básicos que regem o surgimento
e a existência das grandes potências marítimas, bem como seu declínio.
Seu pensamento influenciou poderosamente a geoestratégia norteamericana
e a de potências ocidentais. Até a ex-União Soviética rendeu-se
a seus postulados.
Com Mahan,firma-se, de forma sistêmica, o conceito de Poder Marítimo,
englobando a marinha de guerra e a mercante; os portos e terminais;
a indústria naval; a indústria e a frota de pesca; as organizações oceanográficas
e de desenvolvimento (de interesse para o uso do mar e de seus
recursos); as organizações de exploração dos recursos do mar; e o pessoal
que desempenha atividades marítimas. Observa-se, assim, a diferença conceitual
entre Poder Marítimo, mais amplo, e o Poder Naval (marinha de
guerra), um de seus elementos constitutivos.
Hoje, menos de um século depois da morte de Mahan, erguem-se nos
mares gigantescas torres, a muitas milhas do litoral, capazes de extrair petróleo
do fundo oceânico, a milhares de metros de profundidade. Monstros
construídos de aço, com muitas milhares de toneladas, permanecem debaixo
d’água por tempo limitado apenas pela resistência de suas tripulações.
Constituindo-se a mais letal arma disponível, os submarinos nucleares dotados
de mísseis balísticos com ogivas nucleares são capazes de destruir
países inteiros.
Conjuntura Sul-Americana
Desde o fim da Guerra Fria, a situação política mudou bastante no
continente sul-americano.
Por ocasião da Segunda Guerra Mundial – com os valores democráticos
em jogo –, pressões quase irresistíveis sobre países-chave inicialmente
não envolvidos no conflito (caso do Brasil), os levaram a atrelar suas geopolíticas
a interesses das grandes potências. Documentos históricos comprovam
que os Estados Unidos chegaram a usar de ameaças para que fosse
autorizada pelo Brasil a instalação de uma base naval em Natal, local estratégico
para o apoio aos comboios e à condução das operações antissubmarino
contra a marinha alemã, no Atlântico Sul. Posteriormente, durante a
Guerra Fria, exacerbou-se a disputa ideológica, o que deixou pouco espaço
geopolítico para as nações periféricas, induzidas naturalmente a se alinha2
rem aos então países líderes de cada bloco – os Estados Unidos e a União
Soviética.
Em suas ações militares mais recentes, no Afeganistão e no Iraque,
os Estados Unidos tentaram, mas não conseguiram envolver os países sulamericanos
(mesmo porque, abstraído o justo combate contra o terrorismo
no Afeganistão, afloraram, de modo mais ou menos patente, pragmáticos
interesses ligados à apropriação do petróleo iraquiano).
Hoje, atenuada a influência norte-americana, trava-se na América do
Sul uma clara disputa geopolítica (e geoestratégica) entre o “grupo bolivariano”,
sob liderança da Venezuela, com o apoio de Cuba, e integrada pela
Bolívia (com Evo Morales) e pelo Equador (com Rafael Correa) e outro,
encabeçado pelo Brasil.
Certos embates geopolíticos entre o Brasil e países alinhados com
Hugo Chávez vêm se constituindo motivo de preocupação, caso da desventura
da Petrobras na Bolívia e da recusa do Equador de pagar serviços devidos
à empresa brasileira, no último caso, chegando a motivar a chamada
do embaixador brasileiro, para consultas. A reabertura de negociação pretendida
pelo Paraguai sobre o preço da energia da usina de Itaipu poderá
inclinar o Paraguai para o grupo bolivariano, dependendo da evolução dos
acontecimentos. O governo vem sendo criticado por estar conduzindo tais
questões com muita complacência. Talvez busque, com justas razões, o atingimento
de objetivos em médio e longo prazos, mas no dia-a-dia dá
margem a um certo desapontamento e, quem sabe, assim estimulando outras
reivindicações futuras.
Enquanto os conflitos de interesse entre o Brasil e o grupo sob liderança
da Venezuela ameaçam se acirrar, nossos atritos históricos com a Argentina
vêm perdendo intensidade, situando-se mais no campo econômico
(mesmo sem esquecer a oposição platina ao ingresso do Brasil no Conselho
de Segurança da ONU, entre outras questões menores ...). Há tempos Brasil
e Argentina deixaram de se enxergar mutuamente como inimigos potenciais.
Aliás, em agosto de 2008 foi aprovado um acordo de cooperação em
matéria de defesa entre os dois países.
A Segurança da Amazônia Azul
Entende-se por “Amazônia Azul” a área marítima onde o País exerce
soberania, direitos de soberania ou jurisdição, na forma prevista pela
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Essa
área compreende o mar territorial (até 12 milhas da costa), a Zona Econômica
Exclusiva (ZEE – das 12 às 200 milhas) e o leito e subsolo da plataforma
continental (que pode se estender além das 200 milhas).
A Marinha brasileira tem condições de assegurar a vigilância e a defesa
dessa área? Cabe ao poder político definir em que grau isso deve ser assegurado.
No momento, dispomos de forças navais em quantidade limitada,
3
embora mantenham o aprestamento em bom nível, como se conclui pelos
exercícios com outras marinhas. Após um longo período de redução dos
recursos destinados às Forças Armadas, com cortes sucessivos de verbas,
seria descabido, se não temerário, afirmar-se que a situação é hoje favorável.
Mas após a recente assinatura da “Estratégia Nacional de Defesa”, as
perspectivas abertas ao Poder Naval brasileiro tornaram-se bem mais positivas.
Na Política de Defesa Nacional, aprovada em 2005, a Amazônia e o
Atlântico Sul foram definidos como áreas prioritárias, em função de sua
importância estratégica e econômica. O recente Decreto n° 6.703/2008 aprovou
a Estratégia Nacional de Defesa (END), documento que foi classificado
de ousado, por analistas.
A END atribui prioridade às ações visando a assegurar os direitos
nacionais sobre o mar brasileiro, com especial cuidado à região da Bacia
Amazônica. Ganham destaque, para isso, os submarinos nucleares; os veículos
não-tripulados de vigilância e combate; os caças supersônicos; e os
mísseis, radares e bombas inteligentes. Prevê-se a construção de naviosaeródromos
(porta-aviões) de função múltipla e de menor porte, além de
uma base naval na Amazônia e outra para submarinos nucleares.
A END ainda prevê a reconstrução de nossa indústria bélica e de um
“complexo militar-universitário-empresarial”, vínculo entre a pesquisa e a
produção de materiais bélicos.
A aquisição, do exterior, de caças, submarinos e helicópteros deverá
prover a necessária obtenção de tecnologia e o desenvolvimento da indústria
militar. Foi incluído no contexto da defesa nacional o desenvolvimento
da energia nuclear. O País não irá aderir ao protocolo adicional do Tratado
de Não Proliferação Nuclear, decisão que porá fim à polêmica criada anos
atrás, quando a Associação Internacional de Energia Atômica fez pressões
para que assinássemos esse documento, destinado a ampliar as restrições já
existentes. Também estão previstas a construção de novas usinas nucleares,
o uso da energia nuclear em “amplo espectro de atividades” além da nacionalização
completa do ciclo do combustível.
A IV Frota e o pré-sal
Após 58 anos de sua extinção, ao fim da Segunda Guerra Mundial,
ressurge das cinzas, como uma fênix moderna, uma apreciável parcela do
poder naval dos Estados Unidos, que já voltou a operar no Atlântico Sul e
Caribe, desde meados de 2008: a IV Frota. Sua ativação foi apresentada
como uma medida para o combate ao terrorismo e às atividades ilícitas, entre
as quais o tráfico de drogas.
Mas, certamente, essas não são as únicas motivações. A IV Frota
ressurge como nítido movimento geoestratégico em face da atual conjuntura
política de nosso continente e coincide, muito casualmente, com a des4
coberta de imensas reservas brasileiras de petróleo no pré-sal (e o rearmamento
venezuelano).
De acordo com estudos estratégicos, as novas descobertas brasileiras
podem suprir toda a demanda americana por petróleo dos EUA por um período
superior a 15 anos, o que permitiria um desengajamento do problemático
Golfo Pérsico e do Oriente Médio. E, como se sabe, a questão energética
é absolutamente fundamental para os EUA. Tão importante que o
governo Bush foi capaz de inventar motivos para ir à guerra contra o Iraque,
visando, basicamente, a assegurar o abastecimento de petróleo.
Planejamento integrado
Mereceu atenção especial a proteção do litoral entre Santos e Vitória,
onde se localizam as reservas de petróleo do pré-sal. A Marinha irá dispor
de nova base naval na foz do rio Amazonas, com a tarefa, entre outras, de
aumentar sua presença nas bacias fluviais do Amazonas e Paraná-Paraguai.
Em função de seus aspectos controversos, a END foi objeto de muitas
críticas. Entre elas, de que será inexequível pela impossibilidade de serem
providos os recursos financeiros necessários e também a de que a criação
da espécie de autarquia militar imaginada é utópica. Outros críticos, na
área militar, inquietam-se com a possibilidade de ressurgimento de ingerência
política nos assuntos internos das Forças Armadas, bem como a tentativa,
que estaria em curso, de hipertrofiar o Ministério da Defesa.
Críticas a parte, assinado o decreto, o País passa a dispor de
um documento formal que norteará todo o planejamento estratégico em
termos integrados, modelando as estratégias da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica. Com respeito à Força Naval, o documento dá ênfase à construção
de um submarino de propulsão nuclear, antiga aspiração que tem por
base não a descabida obtenção de um caro “brinquedo” bélico, mas uma
exigência primordial da guerra no mar, sedimentada ao longo de décadas
de estudos estratégicos. Afinal, o aparentemente paradoxal dístico latino
“Si vis pacem para bellum” (Se queres a paz, prepara-te para a guerra) é
válido ainda hoje.
BIBLIOGRAFIA
1 - NAÍM, Moisés – “The 'Axis of Lula' vs. the 'Axis of Hugo'- Latin American
leaders face a choise between provocation and progress” , Foreign Policy
, posted March 2009 – Web exclusive, 26 mar. 2009.
5
2 – SCHROEDER, Luiz Gonzaga – “Perigo venezuelano”, Revista do Clube
Militar, Rio de Janeiro, RJ, 28 jan. 2008.
3 – COSTA FERNANDES, L.P. et alii – “ O Brasil – “Perturbador na Conjuntura
Internacional” – Rev. Clube Naval, mai/jun 2005, p.27 e seguintes.
4 - RICÚPERO, Rubens – Sonho adiado, Folha de São Paulo, 27 mai.
2007.
5 – “BUQUES de guerra rusos visitan Venezuela” – Fundación Nuestromar,
Argentina, 25 nov. 2008. (Fonte Redes Alternativas). Disponível em:
http://www.nuestromar.org/noticias/defe ... ion_122008_
.
6 – GOYOS, Durval de Noronha – “Assédio Naval ao Brasil”, Centro de
Mídia independente (CMI), 02 jun 2008. Disponível em:
www.midiaindependente.org.
7 - LARA, Bil – “O ressurgimento da IV Frota” mai 2008 – Disponível em:
bil@infoviabrasil.com.br
8 - GLOBAL Market Brief: Petrobras' Potential - 17 abr 2008, Disponível
em:
http://www.stratfor.com/regions/latin_america para assinantes
9 - “NOVO Plano de Defesa do Brasil. O”, Isto É, 05/11/2008.
10 – “The END: Generais escrevem dossiês para mostrar falhas e reais intenções
da Estratégia Nacional de Defesa” – in Alerta Total, 1º mar. 2009,
Disponível em:
http://www.alertatotal.blogspot.com,
6