Sentido de urgência aumentou, mas poucos se preocupam: crise vai ter que piorar ainda mais
Para Mansueto Almeida, o Brasil terá um 2016 bastante ruim e isso já está dado, mas a questão a ser feita é se vamos conseguir transformá-lo em um ano de mudanças reais para a economia
SÃO PAULO - A economia está em derrocada, a dívida bruta só cresce e é muito difícil vermos um superávit nos próximos anos. Mas acredite: para realmente haver mudanças estruturais, a situação precisa piorar ainda mais.
Em entrevista exclusiva ao InfoMoney para o "Especial Cenários para 2016", o economista especialista finanças Mansueto Almeida ressalta que, apesar de haver sentimento de urgência em segmentos do governo, ainda não há um consenso geral sobre as mudanças mais radicais, como mexer em questões sensíveis para toda a população, como previdência e gastos sociais. Assim, avalia, com a crise devendo chegar ao seu ponto crítico no segundo trimestre, o grande desafio será transformar em 2016 de um ano já dado como perdido em um ano de mudanças reais para a economia. (Vale destacar que a entrevista foi feita pouco antes da saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, para a entrada de Nelson Barbosa, podendo haver alterações no sentido de urgência).
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Para fazer as mudanças que importam no Brasil, situação tem que piorar ainda mais, avalia Mansueto Almeida (PSDB/ George Gianni)
Para fazer as mudanças que importam no Brasil, situação tem que piorar ainda mais, avalia Mansueto Almeida (PSDB/ George Gianni)
Confira abaixo a entrevista com Mansueto Almeida:
InfoMoney - No começo do ano, a expectativa é de que haveria um superávit de R$ 66,3 bilhões. Agora em dezembro, o Congresso aprovou um déficit para este ano de R$ 120 bilhões. O que deu de tão errado nesse ano para ter chegado nesse ponto?
Mansueto Almeida - De fato, é uma frustração muito grande em relação ao que estava planejado. Entre as coisas que deram errado, está a queda tão grande do PIB, que está impactando a arrecadação muito mais do que o esperado. Até outubro, houve uma perda real de arrecadação de R$ 52 bilhões. Então, apesar do corte de despesa de R$ 32 bilhões que o governo fez, o déficit primário do governo central aumentou em R$ 20 bilhões. Mas a grande frustração foi a queda de arrecadação: o corte de investimentos foi controlado do jeito que estavam planejando, mas a arrecadação decepcionou.
Adicionalmente, toda a agenda mais microeconômica, que não tem nada a ver com ajuste fiscal, avançou muito pouco, principalmente no setor de petróleo e gás. Desde o início do ano temos tido um debate que o Brasil tinha um índice de conteúdo nacional muito alto que não funcionava, que a nova legislação de petróleo e gás estava prejudicando a Petrobras, que não estava com caixa de sobra para fazer todos os investimentos necessários, que poderia acabar com aquela obrigatoriedade da estatal ser a única operadora do pré-sal. Mas absolutamente nada disso avançou.
IM - Então você não vê melhora do ajuste fiscal nem na parte estrutural, nem na imediata?
MA - Não. E além disso, tivemos vários agravantes: a situação das grandes empreiteiras do Brasil, com praticamente todas envolvidas com a questão da Lava Jato, e a situação fiscal de empresas grandes como a Petrobras, que por conta dos problemas de caixa teve que cortar ainda mais investimentos.
É uma série de coisas negativas que uma alimenta a outra e desembocou de forma mais clara na crise política. Isso aumentou ainda mais a incerteza e postergou muitas decisões de investimentos. É quase um ciclo vicioso que está sendo agravado agora pela questão política. Ou seja, se tivesse algum consenso político para fazer as reformas que o país precisa, poderíamos ter uma onda, mesmo que pequena, de otimismo por parte dos empresários. Mas quando olhamos para frente, as incertezas são até maiores que as de hoje.
IM - As projeções de mercado já apontam para um déficit primário superior a 1% em 2016. Há chance de reverter isso para um superávit?
MA - A tendência [de déficit] é essa porque o governo está terminando o ano com um déficit de 1% do PIB. O ano que vem já começa com o governo estimando que o crescimento da despesa nominal seja de R$ 75 bilhões, já cortando R$ 30 bilhões do orçamento original que foi enviado para o Congresso em 31 de agosto. Somando uma despesa de R$ 75 bilhões com a expectativa da despesa crescer 0,3%, caminha-se para um déficit primário entre 1,3% e 1,5% do PIB. Como o governo vai reverter ainda é muito incerto.
A gente sabe que a situação fiscal do Estado vai se agravar, não é claro como o governo vai ter superávit primário no próximo ano porque depende de uma receita, que é a CPMF, que nem tem relator. É uma incerteza tão grande que alimenta essas decisões de postergar investimentos, o que agrava a crise, leva a um aumento de desemprego e queda de renda real e com todos os efeitos perversos no crescimento de curto prazo. Tem alguma indicação hoje de que vai mudar? Não, assim como a gente olha pra frente e está todo mundo apostando é que a situação não pode se prolongar por muito tempo. A forma como sairemos dessa crise e quais acordos serão costurados para aprovar a agenda de reformas que permita para o Brasil tenha algum resultado primário, pelo menos 2% do PIB com o governo até 2018 tudo isso é muito incerto.
IM - Você defende a aprovação da CPMF como uma medida importante para conseguir o ajuste?
MA - Defendo, mas só se ela for parte de um pacote mais amplo que faça reformas. Alguma reforma de regra de gastos, regra de desvinculação, algumas regras possíveis de postergar indexação. E a CPMF seria parte de um pacote para entregar algum número positivo no curto prazo, mas desde que simultaneamente sejam aprovadas mudanças de regras que determinam o crescimento da despesa. Porque se for CPMF sozinha, aí eu sou contra, porque daqui um ano a gente estará discutindo a mesma coisa.
IM - Atualmente, tem se voltado à tese da Curva de Laffer (teoria que mede a relação entre o valor arrecadado com o imposto em diferentes taxas, chegando a um ponto que aumenta a carga de impostos e a arrecadação poderia diminuir). Já chegamos neste ponto?
MA - Eu acho que não. A arrecadação está caindo hoje porque se tem uma recessão muito grande. Com a recessão, as empresas têm prejuízo e não têm que pagar imposto de renda. Assim, mesmo num momento em que a economia voltar a crescer, ela ainda estará abatendo prejuízos passados. A queda de arrecadação possivelmente é muito mais efeito da recessão do que curva de Laffer. Se fosse a hipótese de Curva de Laffer, deveria ter tido queda da arrecadação antes e não teve isso. O governo aumentava a alíquota e a arrecadação aumentava junto. Assim, o problema agora é muito mais efeito recessivo.
IM - O que poderia ser feito nesse momento de crise política?
MA - Não tem uma saída muito fácil nem muitas alternativas, porque se tivéssemos superávit primário de 1% ou 2% do PIB, conseguiríamos atravessar a crise reduzindo o primário, como foi feito em 2009. Não é o caso de agora: entramos na crise com um déficit primário. E com a queda do PIB, a despesa pública cresce.
A única coisa que se poderia fazer era avançar numa pauta de reforma mais estrutural que, mesmo que o efeito de curto prazo fosse pouco significante em termos de economia fiscal e superávit fiscal e superávit primário, pelo menos sinalizaria que, daqui a cinco ou dez, quinze anos o país teria um crescimento menor da despesa e poderia aumentar a economia que o governo tem que fazer ao longo do tempo.
Mas a gente não está avançando nem na agenda estrutural nem na agenda de curto prazo. Eu só conseguiria ver um grande acordão político para se começar a colocar na mesa e discutir mudanças na dinâmica do gasto, questões tributárias, uma agenda também muito mais de eficiência. Não vejo outra solução, e toda essa solução passa por acordo político e aprovação de reformas no congresso, algo que não se tem hoje.
IM - Você acredita que tem que piorar antes de ser feito alguma coisa? Ainda não há sentido de urgência?
MA - Sim. Acho que o sentido de urgência está aumentando, os políticos hoje estão muito mais preocupados do que estavam há três meses, mas ainda há muita gente, mesmo no setor privado, que não vê e não tem dimensão do tamanho da crise. Então para colocar medidas mais radicais na mesa, como por exemplo a postergação de reajuste de gasto indexado, a possibilidade de estabelecer idade mínima pra aposentadoria, tudo isso vai precisar a crise piorar mais para os políticos e pessoas notarem que não há alternativas a não ser mexer nessas questões mais estruturais.
IM - O ano de 2016 deve ser pior do que 2015? Já se falam em projeções são até meio assustadoras, de que a taxa de desemprego vai chegar a dois dígitos...
MA - Acho que isso tudo vai se definir entre a virada do primeiro e do segundo trimestre. Ou alguma solução que vai levar a um grande acordo político, que de fato vai ter algum avanço, ou então uma solução "mequetrefe", alguma mudança muito pequena, mas que a gente aguenta até final de ano. Os primeiros meses são mais mornos: janeiro é férias, fevereiro é carnaval, então a possível solução para ter um 2016 ou 2017 melhor se daria entre o primeiro e o segundo trimestre.
Mas você pode se perguntar: vamos chegar a um ponto que não tem consciência política e a coisa se agrava ainda mais? Pode… Mas se chegar a esse ponto a inflação vai tentar “consertar” as coisas. Consertar entre aspas, a bagunça vai levar a um ajuste via inflação, que não é ajuste, é um desajuste.
IM - O senhor vê que o governo já tem uma consciência de que precisa fazer as coisas de um modo urgente? Tem um sentido de urgência do Executivo ou ainda não?
MA - Tem sentido de urgência do Ministério da Fazenda, há um sentido de urgência talvez até da própria presidente, mas as outras áreas de governo talvez não tenham ainda esse sentimento de urgência. O Banco Central mostra preocupação, o ministério do Planejamento um pouco menos, mas se você sai da área econômica do governo, não dá pra sentir nos outros ministérios essa sensação de urgência, tampouco no próprio PT, que é o partido principal de apoio ao governo.
IM - O senhor acha que, como defendido por alguns segmentos do governo, realmente vai ter uma política de créditos para impulsionar a economia? Seria uma medida meio populista, na sua opinião?
MA - Eu acho que não vai ter, e se tiver vai ser ineficaz. Quando a gente teve o boom de crédito, a partir de 2005/2006, o nível de endividamento das famílias em relação a suas rendas no Brasil era de 18%. Hoje, ele está em 44%, 45%. É muito alto. E as pessoas que perderam emprego estão tendo perda de renda real. O sujeito que está perdendo emprego e que está com queda de renda real não vai se endividar.
IM - O relator do orçamento da União de 2016 chegou a propor o corte do Bolsa Família, falou que teria mais espaço para corte de outros programas sociais. Você concorda que teria que cortar esses programas?
MA - O Bolsa Família foi um dos poucos programas que teve queda real nos últimos dois anos. Se você ver o que o Brasil gastou no Bolsa Família, de janeiro a outubro, em valores reais de outubro, foi de R$ 23,2 bilhões neste ano. Em 2013, no mesmo período o governo gastou R$ 23,7 bilhões.
Os gastos do governo com o Bolsa Família nos dez primeiros meses desse ano foi menor que os dez primeiros meses de 2013. Então o Bolsa Família está com queda real. O problema não é Bolsa Família. E nesse período teve aumento de vários outros itens do gasto então, não vejo com bons olhos os cortes do Bolsa Família.
IM - Quais programas deveriam ser cortados e que seriam mais decisivos para o ajuste?
MA - Aí é que está. O governo já cortou muita coisa esse ano, programas, inclusive tem cortado bastante algumas despesas na área de saúde e educação. Agora já vê essa queda de R$ 32 bilhões da despesa até outubro, 95% é queda do investimento, que foi quase R$ 30 bilhões. Além do investimento o que o governo pode mais cortar? Muito pouco… Ele tem cortado várias coisas, o resto, a despesa que mais cresceu esse ano foi pagamento do subsídio.
IM - Nesse ano, algumas medidas que vão contra o ajuste fiscal, como o fim do fator previdenciário. Ao mesmo tempo, o Brasil, que é um país relativamente jovem, vê o buraco da previdência aumentar ainda mais. A previdência pode ser um dos pontos fracos do Brasil nos próximos anos?
MA - Sim, o déficit da previdência no próximo ano vai ser um pouco superior a 2% do PIB, que era o déficit esperado para 2034-2035. O Brasil está num processo demográfico em que, daqui 30 anos, terá uma estrutura demográfica de grande proporção de pessoas idosas. A tendência do gasto público de previdência é aumentar, mas o país já gasta muito. Não tenho dúvida que o Brasil fará uma reforma da previdência para estabelecer uma idade mínima, mas não sei se isso vai ocorrer no próximo ano ou em 2017. Mas que isso vai ocorrer, vai. É incompatível com a tendência demográfica.
IM - Pode-se dizer que o Brasil deixou de aproveitar as oportunidades que teve nos anos de boom econômico, anos estes que seriam importantes para a realização de reformas estruturais?
MA - Sim, deixou, por vários motivos: porque se criou muitos programas novos em excesso e porque, no Brasil, em todos os níveis de governo, a grande proporção do gasto é indexado. O nosso crescimento maior foi de 2003 a 2010 quando o Brasil cresceu 4% ao ano, no primeiro e segundo governo Lula e tudo isso se transformou em mais receita e automaticamente em mais gastos. Essas regras de indexação, regra de vinculação, a receita que existe no Brasil, muito disso tudo terá que ser repensado.
IM - Dilma vem enfrentando diversas dificuldades no Congresso e não há indicação de que haverá um fortalecimento do poder dela. O senhor acredita que só havendo uma mudança do poder, com uma nova liderança, haveria um horizonte mais claro para o País, ou há chances de uma mudança mais clara já nesse governo?
MA - Ou a presidente muda ou muda o governo. O que precisa é de algum acordo político que se tenha e seja possível de se fazer e que se chegue a um consenso. Ou a presidente consegue fazer isso ou ela muda a articulação política de governo, como já mudou, ou o partido da presidente muda para ser o líder desse processo. De outra forma, não sei o que sairá disso não. A questão é: sem acordo político não se sai da crise. E como se faz acordo político para mim isso não é claro, mas isso é desafio do governo.
IM - Seguindo na questão política, fala-se muito que a deflagração da Operação Lava Jato, mesmo que indiretamente, estaria levando a uma recessão três vezes maior dado o congelamento de investimentos de empreiteiras. Porém, no longo prazo, as consequências da Lava Jato serão positivas?
MA - Sem dúvida. Vários países passaram por isso e sempre o efeito de longo prazo é positivo. Vários países ao longo da sua historia tiveram grandes casos de corrupção. Coreia do Sul na década de 60, EUA na virada do século XIX para o século XX. Embora isso cause algum tumulto e impacte o crescimento em curto prazo no longo prazo, o país sai muito mais forte desse processo. Todo o efeito da Lava Jato na verdade é muito positivo porque estamos vendo que a Justiça aqui funciona como órgãos independentes que coíbem a malversação de recursos públicos, que é um problema tradicional em países em desenvolvimento. Desse ponto de vista, o Brasil está se destacando em relação a vários países emergentes e vai sair muito mais forte.
IM - Qual é a mensagem e as perspectivas que podemos ter sobre o ano que vem?
MA - O cenário é ruim. Será um ano difícil, mas esse ano pode ter o benefício de ser um ano que se comece ajustes na economia em que, mesmo que não se tenha um efeito a curto prazo, um crescimento positivo, pelo menos começa a retomar investimento privado e alguma coisa do público e começa a contar um cenário melhor para 2017-2018.
Nosso desafio hoje não é de se preocupar tanto se a queda do PIB em 2016 será de 2%, 1,5% ou 3%. O cenário em que devemos focar em 2016 é resolver o problema político para se ter o mínimo de consenso, para se tentar um consenso político, que é claro que vem de um consenso da sociedade, de algumas reformas que apontem para uma retomada do crescimento e do investimento para o futuro. O ano de 2016 está praticamente dado, a preocupação é como tornar um ano em que a gente sabe que será ruim e difícil em um ano que seja um marco na aprovação de algumas reformas que sinalize um potencial de crescimento maior no Brasil a partir de 2017.
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