Re: CONFLITO ISRAELO-PALESTINIANO
Enviado: Qui Jan 22, 2009 9:14 pm
por Clermont
O MITO DA GENIALIDADE ESTRATÉGICA DE ISRAEL.
Por Stephen M. Walt – 19 de janeiro de 2009 - The New ForeignPolicy.com.
Muitos apoiadores de Israel não irão criticar seu comportamento, mesmo quando ele está engajado em operações mal-conduzidas e brutais, como o recente assalto sobre Gaza. Em acréscimo a sua compreensível relutância em dizer qualquer coisa que possa auxiliar os inimigos de Israel, tal tendência está baseada, em parte, na crença de que os líderes político-militares de Israel são estrategistas meticulosos e excepcionalmente espertos, que compreendem seu ameaçador ambiente, e tem uma história de sucesso contra seus adversários. Se é assim, então faria pouco sentido para gente de fora, tentar dar palpites.
Esta imagem da genialidade estratégica de Israel tem sido gerada pelos israelenses através dos anos e parece ser um artigo de fé entre os neo-conservadores e outros apoiadores linha-dura de Israel, nos Estados Unidos. Ela também se encaixa como uma luva com a errônea, mas ainda popular, imagem de Israel como um perene Davi enfrentando um ameaçador Golias árabe; nesta visão, apenas brilhantes pensadores estratégicos poderiam dominar as, supostamente, formidáveis forças árabes dispostas contra eles.
Esta idéia de que os israelenses possuem alguma aptidão estratégica única, indubitavelmente, reflete certo número de feitos militares passados, incluindo a decisiva vitória na Guerra de Independência de 1948, a rápida conquista do Sinai, em 1956, a ousada captura de Adolf Eichmann, em 1960, o atordoante triunfo israelense, no começo da Guerra dos Seis Dias, em 1967, e o intrépido resgate de reféns, em Entebbe, em 1976.
Estes feitos táticos são parte de um quadro maior, no entanto, e este quadro não é muito bonito. Israel, também, perdeu várias guerras no passado ... nenhuma delas, decisivamente, é claro... e sua habilidade para utilizar a força para obter grandes objetivos estratégicos tem declinado, significativamente, com o tempo. Eis por quê os israelenses falam tanto da necessidade de restaurar sua “dissuasão”; eles estão cientes de que ocasionais sucessos táticos não tem levado a melhorias de longo prazo em sua mais ampla situação de segurança. O assalto sobre Gaza é, simplesmente, a mais recente ilustração de tal tendência preocupante.
O que mostra o registro?
De volta em 1956, Israel, juntamente com a Grã-Bretanha e a França, surgiu com um insano esquema para tomar o Canal de Suez e derrubar o regime de Nasser no Egito. (Isto ocorreu após uma incursão israelense sobre uma base do exército egípcio, em Gaza, ajudar a convencer Nasser a obter armas da União Soviética). O primeiro-ministro David Ben-Gurion, inicialmente, esperava que Israel teria permissão para conquistar e absorver a Margem Ocidental, partes do Sinai, e porções do Líbano, mas a Grã-Bretanha e a França, rapidamente, descartaram tal idéia. O subseqüente ataque foi um sucesso militar, mas um fracasso estratégico: os invasores foram forçados a vomitar as terras que tomaram, enquanto o prestígio de Nasser subia em casa e por todo o mundo árabe, alimentando o radicalismo e intensificando os sentimentos anti-Israel, por toda a região. O episódio levou Ben-Gurion a concluir que Israel deveria esquecer tentativas adicionais para expandir sua fronteiras ... o motivo pelo qual ele se opôs a tomada da Margem Ocidental, em 1967... mas seus sucessores não seguiram seu sábio conselho.
Dez anos depois, as agressivas políticas de Israel para com a Síria e a Jordânia, ajudaram a precipitar a crise que levou à Guerra dos Seis Dias. Os governos do Egito, Síria, União Soviética e Estados Unidos, também, arcam com considerável culpa por esta guerra, embora tenham sido os líderes de Israel que escolheram iniciá-la, mesmo tendo reconhecido que seus adversários árabes sabiam que não eram páreo para as FDI e não tivessem intenção de atacar Israel. Mais importante, após tomar a Margem Ocidental, as Colinas de Golan e a Faixa de Gaza durante a guerra, os líderes israelenses decidiram dar início à construção de assentamentos e, eventualmente, incorporá-los num “Grande Israel”. Assim, 1967 marca o começo do projeto colonial de Israel, uma decisão que, até mesmo alguém tão simpático para com Israel, como Leon Wieseltier, tem descrito como “um equívoco estratégico e moral de históricas proporções”. Notavelmente, esta momentosa decisão nunca foi, abertamente, debatida dentro do corpo político israelense.
Com forças israelenses ocupando a península do Sinai, o Egito deslanchou a chamada Guerra de Atrito, em outubro de 1968, numa tentativa de conseguí-la de volta. O resultado foi um impasse no campo de batalha e os dois lados, eventualmente, alcançaram um acordo de cessar-fogo, em agosto de 1970. A guerra foi um revés estratégico para Israel, no entanto, pois o Egito e seus patrões soviéticos, utilizaram o cessar-fogo para completar um escudo de mísseis ao longo do Canal de Suez, que podia proteger as tropas egípcias se estas atacassem além do Canal, para recuperar o Sinail. Os líderes americanos e israelenses não reconheceram esta importante alteração na balança do poder entre Israel e Egito e permaneceram convictos de que o Egito não tinha opções militares. Como resultado, ignoraram as aberturas de paz do presidente egípcio Anwar Sadat e o deixaram com poucas escolhas, exceto utilizar a força para tentar desalojar Israel do Sinai. Este, então, fracassou em detectar a mobilização do Egito e da Síria, no início de outubro de 1973, e caíram vítimas de um dos mais bem-sucedidos ataques de surpresa na história militar. As FDI, eventualmente, reagruparam-se e triunfaram, mas os custos foram altos numa guerra que poderia, facilmente, ter sido evitada.
O próximo grande tropeço de Israel foi na invasão do Líbano de 1982. A invasão foi produto do falcão ministro da defesa Ariel Sharon, que engendrou um grandioso esquema para destruir a OLP e ganhar liberdade para incorporar a Margem Ocidental num “Grande Israel”, transformando a Jordânia “no” estado palestino. Foi um equívoco estratégico colossal: a liderança da OLP escapou à destruição e o bombardeio de Beirute por Israel, e sua cumplicidade nos massacres em Sabra e Shatila foram, ampla e justamente, condenados. Após ser saudado, inicialmente, como libertadores pela população xiita do sul do Líbano, a ocupação, prolongada e de mão-pesada, de Israel, ajudou a criar o Hezbollah, que, em breve, tornou-se um formidável adversário, tanto como uma rota para influência iraniana na fronteira setentrional de Israel. Este foi incapaz de derrotar o Hezbollah e, eventualmente, retirou suas tropas do Líbano, em 2000, tendo, com efeito, sido rechaçado pela resistência, cada vez mais eficaz, do Hezbollah. Invadir o Líbano, não apenas fracassou em resolver o problema de Israel com os palestinos, como ainda criou um novo inimigo que assombraria Israel, até hoje.
No final dos anos 1980, Israel ajudou a gerar o Hamas – sim, a mesma organização que as FDI estão empenhadas em destruir, hoje – como parte de seu longo esforço para minar Yasser Arafat e o Fatah, mantendo os palestinos divididos. Esta decisão, também, saiu pela culatra, porque Arafat, eventualmente, reconheceu Israel e concordou em negociar uma solução de dois estados, enquanto o Hamas emergiu como um novo e perigoso adversário, que se recusava a reconhecer a existência de Israel e viver em paz com o estado judaico.
A assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993, ofereceu uma chance, sem precedentes, para pôr fim ao conflito israelo-palestino, de uma vez por todas, mas os líderes de Israel falharam em agarrar a oportunidade. Os primeiros-ministros Yitzhak Rabin, Shimon Perez e Benjamin Netanyahu, todos, recusaram endossar a idéia de um estado palestino – até mesmo Rabin, nunca falou, publicamente, sobre permitir aos palestinos terem um estado próprio – e a tardia oferta de Ehud Barak de um estado na conferência de Camp David, em 2000, não foi muito longe. Como o próprio ministro do exterior de Barak, Shlomo Ben-Ami, mais tarde, admitiu, “se eu fosse palestino, também teria rejeitado Camp David.” Enquanto isto, o número de colonos na Margem Ocidental dobrou, durante o período de Oslo (1993-2001), e os israelenses construíram cerca de 500 Km de estradas de conexão na Margem Ocidental. Os líderes palestinos e autoridades americanas fizeram suas próprias contribuições para o fracasso de Oslo, mas, Israel tinha, claramente, desperdiçado o que foi, provavelmente, a melhor oportunidade que jamais teve para negociar um acordo de paz com os palestinos. Barak, também, desmontou um acordo de paz com a Síria, no início de 2000, que parecia já acertado, pelo menos, para o presidente Bill Clinton, que havia ajudado e moldá-lo. Mas, quando as pesquisas de opinião pública sugeriram que a população israelense poderia não apoiar o acordo, o primeiro-ministro israelense “amarelou” e as conversas entraram em colapso.
Mais recentemente, os erros de cálculo americanos e israelenses tem se empilhado. Na onda do 11 de Setembro, os neo-conservadores nos Estados Unidos, que pressionavam por uma guerra contra o Iraque, desde o início de 1998, ajudaram a convencer o presidente Bush a atacar o país, como parte de uma estratégia mais ampla de “transformação regional”. Autoridades israelenses foram, de início, opostas a este esquema porque desejavam que Washington, ao invés, fosse atrás do Irã, mas, uma vez que compreenderam que este e a Síria seriam os próximos na lista de execuções da administração Bush, eles apoiaram o plano, com entusiasmo. Na verdade, proeminentes israelenses como Ehud Barak, Benjamin Netanyahu, e o então ministro do exterior Shimon Peres, ajudaram a vender a guerra nos Estados Unidos, enquanto o primeiro-ministro Sharon e seus principais auxiliares pressionaram Washington, para terem certeza que Bush não perdesse a coragem e deixasse Saddam no lugar. O resultado? Um custoso atoleiro para os Estados Unidos e uma dramática melhoria na posição estratégica do Irã. Desnecessário dizer, tais desenvolvimentos, dificilmente, foram do interesse estratégico de Israel.
O próximo esforço fracassado foi, então, a decisão do primeiro-ministro Sharon de retirar, unilateralmente, todos os colonos israelenses da Faixa Gaza, em agosto de 2005. Embora Israel e seus apoiadores no Ocidente, retratem tal movimento como um gesto rumo à paz, o “unilateralismo” foi, de fato, parte de um esforço maior para desmontar o chamado Mapa da Paz, congelar o processo de paz, e consolidar o controle israelense sobre a Margem Ocidental, por conseguinte, desligando a perspectiva de um estado palestino “indefinidamente”. A retirada foi completada com sucesso, mas a tentativa de Sharon de impor os termos de paz sobre os palestinos falhou, completamente. Colocados atrás de cercas pelos israelenses, os palestinos em Gaza começaram a disparar foguetes e morteiros nas cidades israelenses próximas e, então, o Hamas ganhou as eleições legislativas palestinas em janeiro de 2006. Este evento refletia sua crescente popularidade, em face da corrupção do Fatah e da continuada ocupação da Margem Ocidental por Israel, mas Jerusalém e Washington recusaram-se a aceitar os resultados eleitorais e, ao invés, decidiram tentar derrubar o Hamas. Este foi mais outro erro: o Hamas, eventualmente, expulsou o Fatah de Gaza e sua popularidade continuou a crescer.
A Guerra do Líbano, no verão de 2006, revelou as deficiências do pensamento estratégico de Israel, com particular clareza. Uma incursão além-fronteira, pelo Hezbollah, provocou uma ofensiva israelense destinada a destruir o grande inventário de mísseis do Hezbollah e compelir o governo libanês a debandar o próprio Hezbollah. No entanto, por mais atraentes que estes objetivos pudessem ter sido, a estratégia de Israel estava condenada ao fracasso. Ataques aéreos não puderam eliminar o enorme e bem-oculto arsenal do Hezbollah e o bombardeio de áreas civis, no Líbano, simplesmente, provocou mais ódio contra Israel e fez aumentar a posição do Hezbollah entre a população libanesa e no mundo árabe e islâmico, também. E um atrasado ataque terrestre não foi capaz de consertar o problema, já que as FDI, dificilmente, poderiam realizar, em poucas semanas, aquilo que não conseguiu fazer, entre 1982 e 2000. E mais ainda, a ofensiva israelense foi pobremente planejada e pobremente executada. Foi igualmente tolo, imaginar que o frágil governo central do Líbano pudesse botar rédeas no Hezbollah; se tal coisa fosse viável, as autoridades governamentais, em Beirute, já teriam feito isso, muito tempo antes. Não foi surpresa que a Comissão Winograd (uma junta de inquérito estabelecida para examinar a conduta da guerra por Israel), criticou, asperamente, os líderes israelenses por seus vários erros estratégicos.
Finalmente, uma similar miopia estratégica está bem-aparente no assalto sobre Gaza. Os líderes israelenses, inicialmente, disseram que seu objetivo era infligir dano o bastante sobre o Hamas, para que ele ficasse incapacitado para ameaçar Israel com ataques de foguetes. Mas, agora, eles reconhecem que o Hamas não irá ser, nem destruído, nem desarmado, pelos ataques e, ao invés, dizem que um monitoramento mais extenso impedirá que peças de foguetes e outras armas sejam contrabandeadas para Gaza. Esta é uma vã esperança, entretanto. Enquanto estou escrevendo isto, o Hamas não aceitou um cessar-fogo e ainda está disparando foguetes; mesmo se ele aceite um cessar-fogo, em breve, o fogo de morteiros e de foguetes, provavelmente, será retomado, em algum momento no futuro. Por cima de tudo isto, a imagem internacional de Israel sofreu um rude golpe, o Hamas está, provavelmente, mais popular do que antes, e líderes moderados, como Mahmoud Abbas, foram, gravemente desacreditados. Uma solução de dois estados – que é essencial, se Israel deseja permanecer judaico e democrático e evitar tornar-se um estado de apartheid – está, ainda mais, distante do que nunca. As FDI se desempenharam melhor em Gaza do que fizeram no Líbano, em grande parte porque o Hamas é um adversário menos formidável do que o Hezbollah. Mas isto, também, não importa: a guerra contra o Hamas ainda é um fracasso estratégico. E, ter infligido tal carnificina sobre os palestinos em troca de nenhum ganho estratégico duradouro é, especialmente, repreensível.
Em, virtualmente, todos estes episódios – e, em especial, estes após 1982 – o superior poder bélico de Israel foi utilizado de modo que não reforçou sua posição estratégica de longo prazo. Dado este deprimente registro, portanto, não há razão alguma para achar que Israel possui estrategistas com dotes únicos, ou um estabelecimento de segurança nacional que, consistentemente, realize escolhas inteligentes e de vistas longas. Na verdade, o que é, provavelmente, mais notável sobre Israel, é com que freqüência os arquitetos destes desastres – Barak, Olmert, Sharon e, talvez Netanyahu – nunca foram banidos de funções de liderança, mas, ao contrário, recebem outras oportunidades para repetirem seus equívocos. Onde está a responsabilização no sistema político israelense?
País algum está imune à asneiras, é claro, e os adversários de Israel tem cometido montes de ações repreensíveis e equivocadas. O Egito de Nasser brincou com fogo, em1967, e saiu gravemente queimado; a decisão do rei Hussein de entrar na Guerra dos Seis Dias foi uma tolice catastrófica que custou à Jordânia, a Margem Ocidental e Jerusalém Oriental, e os líderes palestinos erraram os cálculos e cometeram atos injustificáveis e brutais, em numerosas ocasiões. Os americanos cometeram erros graves no Vietnam e, mais recentemente, no Iraque; os franceses erraram na Indochina e na Argélia; os britânicos falharam em Suez e em Gallipoli e os soviéticos perderam gravemente no Afeganistão. Israel não é diferente do que a maioria dos estados mais poderosos a este respeito: algumas vezes, ele faz coisas que são admiráveis e sábias, e outras vezes, persegue políticas que são tolas e cruéis.
A moral desta história é que não há razão para pensar que Israel, sempre, tenha concebido estratégias bem-concebidas para lidar com problemas que confronta. De fato, o julgamento estratégico de Israel parece ter declinado, prontamente, desde os anos 1970 – começando com a invasão do Líbano de 1982 – talvez porque o apoio incondicional dos Estados Unidos tenha ajudado a isolar Israel de alguns dos custos de suas ações e tornado mais fácil para Israel se permitir ilusões estratégicas e fantasias ideológicas. Dada esta realidade, não há razão alguma para os amigos de Israel – ambos, judeus e gentios – permanecerem silenciosos quando este país decide perseguir uma política tola. E, dado que nosso “relacionamento especial” com Israel significa que os Estados Unidos, invariavelmente, estão associados com as ações de Jerusalém, os americanos não deveriam hesitar em erguer suas vozes para criticar Israel quando este atua de modos que não são do interesse nacional dos Estados Unidos.
Aqueles que se recusam a criticar Israel, mesmo quando este age tolamente, com certeza, pensam que estão ajudando o estado judaico. Estão enganados. De fato, são falsos amigos, pois seu silêncio, ou pior, sua torcida, simplesmente encoraja Israel a continuar cursos de ação, potencialmente, desastrosos. Israel poderia utilizar alguns conselhos honestos nestes dias, e seria, eminentemente, de bom-senso, se o seu aliado mais próximo fosse capaz de fornecê-los. Idealmente, estes conselhos deveriam provir do presidente, do secretário de estado e de membros proeminentes do Congresso – falando tão abertamente quanto fazem alguns políticos, em outras democracias. Mas, isto é improvável de acontecer, porque os apoiadores de Israel tornam quase impossível para Washington fazer qualquer outra coisa, além de apoiar servilmente, as ações de Israel, façam elas, ou não, sentido. E, com freqüência, elas não fazem, nestes dias.
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Stephen M. Walt é professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard.