Olá,
Bem, como havia dito, segue a minha mensagem sobre este tema.
Gostaria de dizer que achei o tema do tópico criado pela Koslova extremamente oportuno, pois ele me dá a possibilidade de, finalmente, falar sobre algumas das minhas impressões sobre a discussão de assuntos militares, que ocorre aqui e em outros fóruns.
Pois bem. A Koslova levanta a questão do porquê Chavez está comprando caças russos, e faz algumas conjecturas a este respeito com grande maestria.
O realmente importante deste tópico, para mim, não é o tema em si(compra dos caças russos), mas sim algo mais profundo: Análise de políticas externas, internas e de defesa. Não, eu não pretendo atacar ou defender o Chavez, mas quero deixar claro uma coisa: A indississobilidade de uma análise militar de uma análise política, ou mesmo de análises econômicas ou culturais.
Vou falar algo meio off-topic, mas que me parece importante. Em várias mensagens que eu vejo, de análises de equipamentos, de compras de vetores e etc..., acho que percebo que, em muitas delas, as pessoas encaram o meio militar como se fosse um mundo próprio, separado dos outros. É uma visão bastante comum e, ao meu ver, bastante simplificada.
Por que Chavez compra caças russos? Por que, aliás, ele se arma tanto? Muitos estariam tentados em dizer uma resposta simples: "Por que o Su-30 tem mais autonomia; Por que ele é mais barato e de entrega mais rápida; Por causa do embargo dos EUA para equipamento militar; Devido a coleirinha de produtos ocidentais, etc..."
Estas podem ser respostas satisfatórias(não estou dizendo que são), se levarmos em conta apenas a esfera militar, e a analisarmos isoladamente. Mas ela simplesmente não atinge o cerne da questão, que necessita de uma abordagem no mínimo no campo político.
Afinal, Chavez poderia, simplesmente, não comprar caça ou arma alguma. Ou, melhor ainda, poderia comprá-las numa quantidade mais condizente com a triste realidade venezuelana em termos sociais e econômicos.
Portanto, a explicação da compra dessas armas passa por uma análise mais profunda da política venezuelana; e isso nos leva a possíveis análises da economia ou da cultura da Venezuela. Uma análise militar, como geralmente ocorre, nunca conseguirá explicar isso.
Então, vejamos: Temos um típico caudilho latino-americano, que conta com o apoio das massas através de um discurso anti-americano. Isso agrada muita gente, que gosta de colocar a culpa de sua pobreza em uma terceira pessoa. O discurso de Chavez é agradável, pois exime a responsabilidade da Venezuela pela sua pobreza. A culpa é dos EUA e de seus agentes ou representantes no país("A direita", "os burgueses" ou o raio que o parta).
Para permanecer no poder, Chavez precisa de popularidade. E ela se consegue através de programas assistencialistas, e de um discurso inflamado, aos berros, de anti-americanismo. Quanto mais gritar, melhor.
Mas, para que tenha mais chances de união ao seu redor, o nosso amigo precisa que o povo tenha medo deste inimigo. Do contrário, os EUA seriam uma ameaça distante; maligna de qualquer jeito, mas que não representa ameaças. Por isso ele pode adotar um discurso de que "Os EUA querem invadir a Venezuela pelo Petróleo".
Ponto para o rearmamento: A justicativa é extremamente simples, compreensível por qualquer um, mas, ao mesmo tempo, extremamente atraente ao cidadão comum. Afinal, os EUA invadiram o iraque por petróleo. Podem nos invadir também. Ponto para o rearmamento.
Todos a aceitam, e o medo é jogado. Mas, junto com o medo vem o ódio e o orgulho. "Juntos superaremos isso".
A necessidade de se defender contra uma ameaça aparentemente real, joga o país numa corrida armamentista. Boa parte da compra desse impressionante arsenal(para padrões venezuelanos) pode ser justificada com está argumentação.
Bem, mas por que caças russos? Aliás, para quê caças?
Vamos supor que, realmente, o alto-comando Venezuelano sentou, analisou, e se deparou com um grande risco de invasão do país pelos EUA. Para isso, eles precisam elaborar uma estratégia de defesa, consonante com esta ameaça. Simples assim.
Por exemplo, as políticas de defesa dos EUA e da URSS eram plenamente lógicas em face da ameaça que enfrentavam na Guerra fria. Ambos, por exemplo, tinham enormes frotas de bombardeiros pesados, e gigantesco arsenal de ICBMs, que operavam em consonância com a doutrina MAD(Mutual Assured Destruction - Destruição Mútua Assegurada).
Essa política de defesa não seria adeqüada, por exemplo, ao Brasil, caso este se visse ameaçado, lá pelos idos de 80, pela Argentina. Temos que enfrentar a Argentina, e para isso não precisamos de Bombardeiros ou ICBMs, e sequer podemos conseguí-los.
Ok, voltando ao Chavez. Ele teoricamente precisa enfrentar os EUA. Tal tarefa é impossível, mas, se ele realmente quisesse defender-se contra isso, teria que adotar inúmeras medidas. Poderia comprar vetores, mas eles teriam que estar organizados dentro de uma doutrina de defesa mais ampla.
Assim, em uma estratégia de defesa contra uma invasão, ele poderia, por exemplo, investir pesadamente em MANPADS, mísseis anti-tanque lançados por infantaria, alguns sistemas anti-aéreos mais complexos, apoiados por uma aviação de caça provavelmente voltada para missões de interdição naval(para proteção da costa e pontos de extração de petróleo).
Mas o que vemos é um Chavez comprando 24 caças de superioridade aérea(ou seja, ele quer disputar abertamente os céus com os americanos, que podem jantar esses aviões numa noite) e, além disso, me faz uma compra absolutamente sem sentido de helicópteros de ataque Mi-35(é esse mesmo?). Num cenário de guerra com os EUA, não é difícil prever o domínio dos céus por estes. Como, então, esses helicópteros irão operar, num céu completamente dominado? E operarão para que? Apoio a colunas blindadas? Como alguma coluna blindada irá sobreviver com o inimigo obtendo supremacia aérea?
Estas são algumas perguntas, talvez errôneas, que me levam a crer que o programa de reaparelhamento militar Venezuelano não segue uma lógica militar de quem pretende enfrentar os EUA.
Ei, mas a Venezuela não diz estar se preparando para uma invasão americana, e por isso está se armando? Se assim for, por que essa compra fora de lógica? Existem três respostas possíveis: 1) A minha análise está errada, 2) Os militares Venezuelanos fizeram uma análise errada, 3) Os militares Venezuelanos não estão se preparando para uma invasão americana.
Dado que estes caças foram comprados, e jogados dentro do sistema de defesa Venezuelano, sem apoio de AEW & C, sem mudanças no C2, e foram equipados para tarefas de combate aéreo na aerena BVR supostamente contra aeronaves americanas Stealth(contra as quais estes Su-30 não tem a menor chance sem apoio), acho que a opção três é mais provável.
Bem, isso nos leva a conclusão de que uma compra tão grande de armas sem significação numa guerra contra os EUA, só podem servir para manter o medo dos EUA ativo, e que estas armas sejam usadas para objetivos geopolíticos regionais.
Isso ainda não ajuda a explicar o porquê dos caças russos. A política de discurso anti-americano isolou os EUA da Venezuela, e o acesso desta a armamento militar estadunidente ficou comprometido.
A Koslova deu algumas opiniões bastante sensatas, neste trecho de seu post:
Koslova escreveu:E as compras de caças, helicópteros e demais armamentos da Venezuela?
Existem algumas abordagens.
1) A primeira delas é que Chaves tem que trocar de fornecedores, como, Egito, Irã, Israel, em alguns momentos da sua historia também tiveram que trocar por peculiaridades políticas. Os Su-30 são o caça russo de exportação, não fosse ele seria o Mig-29, como custo beneficio vieram os Su-30, não entendam ele como uma compra pelo melhor caça no mercado, entendam ele como UMA COMPRA PELO ÚNICO CAÇA NO MERCADO, para os venezuelanos.
2) A segunda abordagem é que em regimes não democráticos e corruptos a compra de armas é uma ótima chance de desvio de recursos e enriquecimento do regime, vide Iraque, Arábia Saudita, na Venezuela esta pode ser uma das explicações.
3) Chaves é ex militar, um ex golpista, assim como Saddan, sabe da importância de manter suas FA´s “ocupadas”, como não pode seguir o exemplo de Saddan e se envolver em um conflito, tem procurado manter uma relação de transformação de suas FA´s
Reparem que em nenhuma de suas justificativas a Koslova faz uma análise militar. Ela faz uma análise política.
Concordando com a justificativa número 1 dela(e também a 2, mas é só conjectura), e a três faz sentido. Chavez comprou caças russos por falta de opção e, como a Koslova disse, "necessidade de mudar de fornecedor por peculiaridades políticas".
A aliança militar de Caracas com Moscou vai muito além desses Su-30. Temos os helos de ataque(já mencionados), os 100.000 fuzis AK-103, a fabrica contruída conjuntamente, e boatos de compra de submarinos russos.
A Rússia tem uma vantagem dupla: Não só é praticamente a única fornecedora, como também é uma imagem eternamente associada ao socialismo que Chavez prega. O socialismo é contrário ao capitalismo. O representante do capitalismo é os EUA. Comprar armas de um fornecedor associado com o socialismo(Rússia) é dar um sinal político claro de que armas socialistas vencerão o representante do Capital.
Isso é uma conjectura. E acho que ajuda a explicar por que Chavez não comprou armamento europeu, particularmente armamento Francês, onde existem poucos ou nenhum componente americano. Poderão justificar o preço muito caro de um Rafale, e podem estar certos. Mas, de qualquer jeito, a compra de um Rafale não teria o impacto político da compra de um Su-30, descendente de uma arma(Su-27) criado pelo comunismo soviético.
Também temos o estreitamento das relações entre Teerã e Caracas, que segue a velha lógica de "O inimigo do meu inimigo é meu amigo". A reforma dos VF-5 da FAV pelo Irã é um indício do início da cooperação militar das duas nações. Apoiar o Irã ajuda a aumentar as tensões e o preço do petróleo, o que significa mais dinheiro pra Venezuela. Ambos(Irã e Venezuela) se beneficiam de aumento das tensões, até certo limite.
Assim, podemos sistematizar essa lógica da seguinte forma:
O discurso de Chavez é anti-americanista;
Para manter a popularidade e unir o país ao seu redor, o nosso amigo precisa de um inimigo real; maligno e ameaçador. Para tal usa o discurso de que os EUA pretendem invadir o país por causa do petróleo;
O povo acredita e, para se defender, é necessário se armar, e o armamentismo é endossado por esta ameaça;
A compra de armas russas, associadas ao antigo regime comunista anti-capitalista, serve mais como arma política para Chavez do que ameaça militar aos EUA.
Por não ter sentido algumas compras dentro de um programa de defesa contra os EUA, podemos dizer que estas armas servem a política de liderança regional de Chavez. Portanto, teriam utilidade regional.
Bem, este ponto eu ainda não havia abordado adeqüadamente. Como vimos, a compra de algumas destas armas não faz sentido se a ameaça for os EUA. Mas, também sabemos que Chavez quer ser um líder regional. Popularmente ele já consegue isso, pois seu discurso é aplaudido em grande parte do continente.
Vejam que essas armas, embora não possam enfrentar os EUA, podem causar sérios problemas aos vizinhos do Chavito. O Su-30 é uma aeronave só rivalizada pelos F-16C block 50/52 chilenos aqui na AL. E os Chilenos estão longe. Com os Sukhoi, a FAV pode obter superioridade aérea contra boa parte das Forças Aéreas do continente.
O alcance e capacidade de armas do SU-30, aliado a uma débil defesa de seus vizinhos, também é uma grande ameaça militar. Este alcance permite ataques a toda a Colômbia, boa parte do Norte do Brasil, toda a Guiana, e intervenções na América Central, composta, a exceção do México, por pequenos países com defesa pífia.
Estes Su-30 são um fator desestabilizante do equilíbrio de forças regionais. São um trunfo nas mãos de Chavez, e ele pode usar este potencial para angariar ainda mais influência e poder.
A compra dos helicópteros de ataque também faz muito mais sentido dentro de um contexto regional. Eles poderiam causar sérios problemas às forças blindadas da Colômbia, servir para apoiar a FARC em operações(caso estoure guerra entre Venezuela e Colômbia), e pode pulverizar a pequena força blindada que o Brasil mantém em Roraima. E neste cenário, quem teria superioridade aérea local, ao menos durante algum tempo, seria a Venezuela(graças aos Su).
Não estou dizendo que ele vá usar estas armas. Ele não faria isso ao menos que estivesse em desespero, pois seu uso implica em intervenção dos EUA e derrubada de seu regime. Estou falando que elas servem para aumentar a sua influência, seu poder, e sua dissuasão contra vizinhos. Estas armas, efetivamente, o ajudam a obter liderança regional, pois podem enfrentar até que bem a maioria de seus vizinhos(talvez apenas não o Brasil).
Em suma,
estas armas estão defendendo o regime Chavista, e não o Estado Venezuelano. É uma grande diferença.
Bem, o que quero dizer: A compra dessas armas serve a um interesse por liderança regional de um líder particular, e não tanto para defesa da Venezuela contra ameaças. A justificativa para a sua compra vem de um perigo provavelmente pequeno de ataque americano. A compra dos Sukhoi provavelmente foi feita por motivos políticos, e não necessariamente técnicos.
Ocorre que toda esta análise não foi militar. A compra das armas, os objetivos do Chavez, só podem ser compreendidos por análise política, e até cultural(anti-americanismo faz sucesso, e etc..).
Peço desculpas pelo longo post, mas está é a minha mensagem: Toda análise puramente militar é falha. As forças armadas servem a objetivos nacionais, de origem econômica e política/cultural. Analisar suas compras sem analisar estes objetivos não é suficiente.
Posso ter errado em minha análise, mas isso é irrelevante. O relevante é essa mensagem final.
Gostaria, por fim, para sintetizar esta minha idéia final, de colocar um post do Túlio, que de tão bom tenho que repetí-lo inteiro. Toda a análise magistral que ele faz(influência de ditaduras na eficácia militar), nos leva a uma conclusão interessante. É uma mostra indubitável da necessidade de se analisarem meios militares como suborndinados a meios políticos, sofrendo os efeitos desta política(democracia, ditadura, anti ou pró-americanismo, populismo etc..).
Túlio escreveu:Bueno, iniciarei referindo-me a um dos mitos da 2GM: o Soldado Italiano era o que de pior havia na época.
Segundo depoimentos de Soldados Ingleses - estes sim, sempre descritos, e com justiça, como sendo dos melhores que havia - que enfrentaram os Italianos na África do Norte, estes lutavam brava e ferozmente, em que pese serem mal treinados e equipados. Principalmente, eram MUITO mal comandados. A distância entre Praças e Oficiais era intransponível. Um verdadeiro sistema de castas. Consta de uma antiga Revista Commando um episódio em que Tropas Inglesas capturaram um ônibus Italiano. Dentro, devidamente protegidas por um padre, dezenas de belas e elegantes signoras acompanhavam a marcha dos maridos, Oficiais do Exército Italiano. Parece história das guerras medievais, mas aconteceu em meados do século XX...
O fato é que, dada a longa permanência dos fascistas no poder, o Estado e, por extensão, as FFAA, se partidarizou: ou é fascista de carteirinha e tem pistolão dos buenos ou vai lamber sabão. Então, cada vez menos se ascendia na Carreira Militar por MÉRITO PROFISSIONAL do que por PRESTÍGIO POLÍTICO: o comando não era dado ao melhor, mas ao mais apadrinhado. Não se tinha como nem por quê granjear respeito profissional entre a tropa, ou porque não se tinha qualidades a mostrar, ou porque não se precisava fazê-lo. Normalmente, ambos. Tinha-se apenas o Regimento Disciplinar.
Interessante é que no mesmo texto, a que recorro de memória, dizia o autor que a Alemanha ia no mesmo caminho, só não se havia deteriorado ainda por ser seu regime dez anos mais novo que o da Itália: quanto começou a 2GM, o nazismo estava no poder faziam apenas 6 anos (1933/1939). Mussolini ascendera ao poder em 1922.
Cito, ainda de memória, outro fato interessante, referente a isso, e que uso agora à guisa de exemplo: à medida que a guerra prosseguia, o Me-109 mostrava sinais cada vez mais claros de obsolescência, sendo praticamente ofuscado pelo FW-190. Foi então postulada a padronização deste último em detrimento do Me-109. E...? Bueno, Willy Messerschmitt era membro fundador do Partido e amigo pessoal do Führer, daí, sacumé, né?
Aliás, Heinkel apresentou um caça bimotor a jato, o Heinkel He-280, bem antes do Me-262. Mas Ernst Heinkel não era muito querido por Göering...
Sintomático...
Então, ditaduras tendem a se perpetuarem à custa do de melhor há num País, não importa onde seja.
O monopartidarismo inerente a elas sepulta as chances dos capazes e competentes em prol dos apadrinhados, gerando então desprezo e rancor. Ademais, o ditador não está lá apenas por seus méritos: é mantido no poder pelos que o desfrutam à sua sombra. Assim, o Estado perde gradualmente suas capacidades mais importantes pela constante dilapidação/malversação de seus recursos pela camarilha & apaniguados.
Abraços
César