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Mensagem
por PQD » Ter Mar 31, 2009 9:23 am
Falso colecionador era armeiro do crime em SP
Tatiana Farah*
SÃO PAULO. Falsos colecionadores e clubes de tiros estão usando suas licenças especiais de porte e posse de armas para fornecer armamentos e munição ao crime organizado. Segundo a Polícia Federal e a Polícia Civil de São Paulo, as operações de apreensão de armas ilegais revelam esquemas de criminosos que têm registros de colecionadores e atiradores esportivos, o que lhes garante armazenar armas e munição de diversos calibres, inclusive de uso restrito ou proibido.
Nesses esquemas, o falso colecionador pode vender armas e munição a grupos criminosos ou até alugar o armamento para bandidos.
— Já foram apreendidos até celulares com fotos de armas arquivadas. Assim o criminoso escolhia o que comprar ou alugar sem precisar ver a arma — diz o delegado Vantuil Luis Cordeiro, diretor da Divisão de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas da Polícia Federal.
Dois clubes de tiro ligados à facção criminosa
Cordeiro contou que uma delegacia da PF de combate ao tráfico de armas sediada em São Paulo realiza a operação Chumbo grosso, que descobriu dois clubes de tiro ligados ao principal grupo criminoso paulista.
— Sob o manto da legalidade, no caso a autorização para colecionar armas, pratica-se o ilegal — disse o delegado da PF.
Embora seja contra a cassação de licenças de colecionadores e atiradores esportivos, Cordeiro aponta outro problema, os assaltos a colecionadores:
— O risco para o colecionador é muito grande. Estão ocorrendo muitos furtos em residência. Mas não adianta suspender a licença: se não têm o que querem vão buscar outra maneira de ter. O que é preciso é haver um controle mais rígido.
O caso mais emblemático de suposto colecionador ocorreu em São Paulo, em agosto. Foi parar nas mãos do delegado Fábio Guimarães, do Denarc (Departamento de Narcóticos) da Polícia Civil, uma denúncia contra um fornecedor de armas no interior de São Paulo. Paulo Roberto Monteiro, de 49 anos, comerciante, tinha mais de mil armas, algumas com a numeração raspada, o que é proibido, além de outra roubada de um policial.
— Não sei quanto havia de munição, mas posso garantir que se ele iniciasse uma guerra em seu sítio, estaríamos trocando tiros até hoje — diz Fábio.
A prisão ocorreu em 17 de agosto, no sítio do comerciante, que afirma trabalhar com tecidos, em Piracaia (SP). A polícia realizou duas buscas: da primeira vez, encontrou 500 armas e, na última, mais 600, inclusive facas. Monteiro disse ser colecionador e realmente tinha licença para posse, dada pelo Ministério da Defesa, que é quem concede autorização a colecionadores. A licença do Exército lhe permitia ter 115 armas, inclusive duas metralhadoras pesadas de uso coletivo.
O Instituto de Criminalística da Polícia Civil não concluiu a avaliação do arsenal apreendido. Há desde o tradicional revólver 38 até submetralhadoras.
— Havia munição ponto 50, ponto 30, com ponta preta com teflon, para furar blindados. Mesmo para um colecionador, é um absurdo ter uma munição desse tipo — disse o delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, também do Denarc.
Segundo o delegado Fábio, Paulo Roberto Monteiro vendia e alugava armas para uma organização criminosa. Ele também seria uma espécie de técnico de consertos de armamentos:
— Pelos equipamentos, ele era um artesão, um armeiro mesmo. E pelas fotografias, nota-se que muitas armas não estão mais ali. E é inexplicável como um comerciante pode juntar um patrimônio tão grande como colecionador de armas — diz o delegado, que apreendeu fotografias em que uma criança brinca com um fuzil.
Paulo Roberto depôs na CPI do Tráfico de Armas, em Brasília, em 15 de setembro. Ele apresentou versões diferentes das que disse à polícia para a origem das armas. De acordo com deputados, ele disse que eram doações de amigos e pessoas hoje falecidas.
Para o relator da CPI, deputado Paulo Pimenta (PT), as explicações não foram suficientes.
— As evidências são muito grandes e revelam que ele é uma pessoa com muitas ligações criminosas — disse Pimenta no dia do depoimento.
O armamento encontrado com Monteiro foi o mais assustador apreendido pela polícia paulistana com um civil, segundo o auto de apreensão. Mas não é o único caso, lamentam os delegados. O delegado José Luiz Cavalcanti conta que a mais recente apreensão aconteceu por acaso, numa briga entre um “atirador esportivo” e um travesti, dentro de um carro. Os dois foram parar na delegacia e a polícia descobriu 20 mil cartuchos. A posse era legal, assim como da arma que o homem usava. Somente a briga foi registrada.
Para Cavalcanti, a solução é restringir o acesso à munição:
— Que a munição fique onde o atirador vai usar a arma, e não em casa. E se a pessoa é colecionadora, que a munição não tenha eficácia. Ou seja, sem espoleta e pólvora.
*Especial para O GLOBO
Cabeça dos outros é terra que ninguem anda... terras ermas...