Le visage de bois des français
No plano do direito, a interrupção do voo 447 foi em águas internacionais, não pertencentes a qualquer país
Walter Ceneviva
O "FRANCÊS" do título é só chamariz, para assinalar a cara de pau de técnicos franceses, que atribuíram aos brasileiros a demora em transferir o monitoramento de voo do Airbus acidentado, para o Senegal, o que teria retardado providências cabíveis até para a determinação do local da queda, coisa que a FAB nega, com apoio na respectiva gravação. Felizmente a conversa de terça-feira, entre Lula e Sarkozy, amenizou a dissidência.
Afinal, foi notória a imediata colaboração do Brasil, em meio à comoção pela morte de mais de 200 pessoas, cujo esclarecimento, pelas autoridades francesas, ainda não foi possível. No plano do direito, a interrupção do voo 447 ocorreu em águas internacionais, não pertencentes a qualquer país, inconfundíveis com o domínio do mar territorial, de 12 milhas (Constituição, artigo 20, inciso 6), integrado ao conjunto dos bens da União.
Foi decisiva a cooperação de nosso país, certo que o encontro e o recolhimento de corpos e destroços foram feitos quase exclusivamente pela Força aérea Brasileira e pela Marinha de Guerra do Brasil, seguido pelas providências de autópsia, identificação e preparação dos corpos.
Note-se que a soberania do Brasil (artigo 2º da Lei nº 8.617/93) não se estende ao local em que o Airbus caiu. A norma brasileira reconhece o que denomina zona contígua ao mar territorial, na qual o Brasil pode adotar as medidas de fiscalização que considere necessárias, nas 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas litorâneas do mar territorial (artigo 4º).
Há ainda a chamada zona econômica exclusiva (artigo 6º) entre as 12 e as 200 milhas do mar para leste do continente, em todas as latitudes da costa. Nela a soberania brasileira deve ser exercida (artigo 7º) para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, até o subsolo, sem interferência, porém, quanto ao tráfego aéreo.
Ora, o acidente da Air France não aconteceu em qualquer dessas áreas, mas em trecho onde os segmentos do oceano têm típico caráter universal. Quando navios da Marinha do Brasil avançaram até perto do Senegal, na busca de corpos de vítimas e restos do avião, atuaram em cumprimento de dever humanitário e de cooperação, em trabalhos e riscos nos quais era nenhuma a obrigação jurídica de interferir.
Para o direito, os destroços pertenciam à companhia proprietária do aparelho sinistrado, assim como as bagagens acolhidas por ela.
A situação dos corpos é regulável pela nacionalidade de cada passageiro, quando sua identificação for possível. Se a marinha do Senegal ou a da França quisessem levar destroços ou corpos, recolhidos em alto mar por embarcações de suas bandeiras, o Brasil não teria como protestar, ante a característica oceânica das águas.
Não seria assim se a tragédia houvesse acontecido sobre nosso espaço aéreo, expressão compreensiva da massa de ar de interesse do país que, em linha vertical a contar do solo para o alto, seja via de passagem para aeronaves, regulada por tratados e convenções internacionais.
No episódio, a ação brasileira satisfez deveres de solidariedade, para mais além dos deveres jurídicos, em evento cujas responsabilidades só poderão ser buscadas fora daqui.
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