Re: GEOPOLÍTICA
Enviado: Ter Set 24, 2013 1:15 pm
Foro fora de foco
Posted by E.M.Pinto
As manifestações tiveram diversos alvos como protesto, alguns dos quais apontavam para um ‘inimigo oculto’ que mais parecia fruto de uma teoria conspiratória do que uma clara demanda política.
por Anselmo Heidrich
Após o período de manifestações que sacudiram o país no mês passado, qual foi nosso saldo? Vinte centavos economizados? Brincadeira a parte, não ficou claro qual teria sido o objetivo e resultado disto tudo, sobretudo para quem não é brasileiro e um tanto orientado sobre os acontecimentos da política nacional, bem como a percepção política e ideológica de nosso país. Para se entender melhor a dificuldade de entendimento que possa atingir um estrangeiro lembre-se de outro país, também considerado emergente, cujos protestos ao seu presidente, Erdogan se iniciaram devido a uma interferência urbanística em Istambul, a maior cidade da Turquia. Interferência esta que versava sobre uma singela praça. Como é que é? Sim, este foi o estopim, mas claro que esta não é a situação cuja combustão foi iniciada por uma simples interferência urbanística. O que chama atenção neste caso são as duas ordens de causas, a imediata, como a ‘revitalização’ de um parque público na cidade de Istambul enquanto que, no fundo, a população que protestou era movida contra a “islamização sutil” do país.[1] No Brasil, muitos que aderiram aos protestos nunca teriam se movido por 20 centavos de aumento na tarifa de ônibus, mas aproveitaram a deixa para incrementar os protestos com suas próprias plataformas individuais.
Dentre os motivos de protestos que se avolumaram no Brasil, de um simples aumento da passagem de ônibus em São Paulo até a revisão do código penal, como a posição favorável à redução da maioridade penal, o que se viu foi um variado espectro de demandas, da esquerda estudantil, comandada pelo PSOL e PSTU até o clamor conservador. É um pouco difícil definir até onde vão as manifestações na internet e onde começam nas ruas, mas parece inegável a ligação entre uma e outra. Destas, uma chama atenção por se tratar de um tema nitidamente internacional, o “Foro de São Paulo”.[2]
Esta organização criada pelo Partido dos Trabalhadores em 1990 tinha como objetivo agregar governos latino-americanos descontentes com as ditas reformas neoliberais que se encontravam, supostamente, em crise devido às “próprias contradições do sistema capitalista”. Com o objetivo de assegurar um “giro à esquerda” na América Latina, se impunha a necessidade de elaborar estratégias práticas para tanta diversidade nas formas políticas assumidas pelos aliados. Como se lê na página do próprio Foro de São Paulo:
Embora costumem lançar mão, cedo ou tarde, da violência militar, as classes dominantes de cada um de nossos países e o imperialismo investem cotidianamente na luta política e ideológica, para o que contam com um imenso aparato educacional, uma indústria cultural potente e o oligopólio da comunicação de massas. A partir destas plataformas, buscam entre outros objetivos manipular a seu favor as diferenças estratégicas e programáticas existentes entre os governos, partidos e movimentos empenhados no “giro à esquerda” que nosso subcontinente vive desde 1998.
Alguns destes governos, partidos e movimentos declaram abertamente seu objetivo de construir o socialismo. Outros trabalham, assumidamente ou não, pela constituição de sociedades com alta dose de bem-estar social, democracia política e soberania nacional, mas nos marcos do capitalismo. Importantes setores, embora integrantes de partidos de esquerda, adotam premissas neoliberais. Há também profundas diferenças estratégicas acerca das formas de luta e vias de tomada do poder, bem como sobre qual deve ser a relação dos governos eleitos com as classes dominantes de cada país, da Europa e dos Estados Unidos. Igualmente são distintas a visão e a postura frente aos chamados BRICS. Tais diferenças programáticas e estratégicas tornam particularmente complexo o debate sobre a natureza e o papel dos governos encabeçados por presidentes integrantes dos partidos de esquerda e progressistas de nossa região.[3]
Neste pequeno excerto se percebe no primeiro parágrafo uma nítida avaliação da conjuntura nos moldes marxistas. Para dizer a verdade, mais leninista que marxista. Lendo isto nem parece que temos uma diversidade de mídias e opiniões em nossa sociedade, mas um comitê reacionário empenhado em sufocar qualquer processo de mudança ou reformas sociais que precisa ser urgentemente combatido. O segundo parágrafo, por sua vez, mostra de forma evidente que o que se chama de “partidos de esquerda e progressistas” apresentam uma união presumida e um rótulo identificador, enquanto que na prática são tão diversos quantos os cenários culturais do subcontinente. Não há como, porque “trabalham (…) pela constituição de sociedades com alta dose de bem-estar social” presumir que sejam de ‘esquerda’. Até parece que a diferença com relação ao que também se chama, genérica e imprecisamente, de ‘direita’ seja o objetivo de desenvolvimento. É como se a ‘esquerda’ fosse a única detentora deste objetivo… A diferença, quando se mostrou nítida ao longo da história sempre foi mais de método do que objetivo. Sejam agremiações de esquerda ou direita, cada um a seu modo, geralmente se declaram a favor do desenvolvimento.
E o que diriam os opositores desta agremiação? Como eles avaliariam a situação atual em relação ao sucesso do empreendimento chamado Foro de São Paulo? Um modo de entender o que acontece é mudar o nome do que se quer entender… Ao invés de procurar se entender o porquê da crise econômica do século XXI fica mais fácil de chamá-la de socialista, isentando o capitalismo de qualquer responsabilidade. Se vocês me entenderam, o que temos aí é proposital, pois grandes grupos estariam aliados ao governo para provocar uma crise que demandaria maior intervencionismo estatal, daí a raiz (e fim) socialista. Isto é a típica teoria conspiratória. E é análoga a que faziam as esquerdas promovendo a ideia de que toda e qualquer crise era produzida pelo capitalismo, com o fim precípuo de gerar maior empobrecimento da população para, por sua vez, maior enriquecimento de elites. Na verdade, o raciocínio de ambos os grupos, esquerda no passado e esta nova direita é exatamente o mesmo. O que eles fizeram foi apenas mudar os nomes dos agentes e suas posições. O que era uma “cúpula capitalista” vira uma “cúpula socialista”, o que se tinha como objetivo aumentar a exploração pública para fins privados permanece praticamente o mesmo, sendo que apenas mudam o verbo explorar por intervir. O léxico pode se diferenciar, mas o método argumentativo é gêmeo.[4]
A verdadeira oposição a isto deveria se pautar na realidade, nos fatos. O que o ex-presidente Lula disse em uma reunião desta agremiação dá uma mostra da ineficácia em que se encontram seus propósitos:
“— Pelo fato de a esquerda estar enfraquecida na maioria dos países do mundo, a América Latina pode, neste momento, ser o grande farol para a nova esquerda que queremos criar para o mundo. A esquerda europeia perdeu o discurso porque ficou muito semelhante ao discurso da direita — disse o ex-presidente Lula.”[5]
Se for assim, então esta agremiação de governos de esquerda não tem nenhuma eficácia mesmo. Tomemos o Chile como exemplo, que antes do atual presidente, Sebastián Piñera teve Michele Bachelet, auto-proclamada ‘socialista’ que em 2010 promulgou uma lei que obrigava as autoridades de seu país a declarar sua renda e bens publicamente. O que há de socialismo nisto? O que mais me impressiona é que com variantes de direita ou de esquerda, as instituições do país parecem tão sólidas que o caminho do desenvolvimento se encontra plenamente traçado.[6] Pensemos então no Equador, cujo presidente Rafael Correa desde 2007 no poder se reelegeu como outro representante das esquerdas. O que, efetivamente, fez em termos de fomento à atividade econômica em seu país? Vejamos: em que pese a redução da pobreza apoiada na criação de empregos, seu fomento vem da exploração de petróleo. Assim como outros petro-estados, uma vez que a oferta da commodity aumente no mercado internacional e seus preços caiam, este governo seguirá o caminho de outros (Irã, Venezuela etc.), cujos estados não terão condições de arcar com os gastos sociais a que estão regularmente submetidos e, provavelmente irão sofrer com o aumento de suas dívidas públicas.
Apesar do aumento da ingerência estatal na economia, o governo equatoriano acaba de aprovar uma lei que flexibiliza as condições de exploração mineral no país para atrair investidores, para descontentamento de grupos indígenas e ecologistas.[7] Agora vejamos o que defendem os porta-vozes do Foro de São Paulo neste assunto:
Puede afirmarse, por tanto, que la crisis actual del capitalismo es el mejor momento para su sustitución por el socialismo mediante la lucha revolucionaria, que es en primer lugar (según se desprende de la concepción leninista sobre la actualidad de la revolución – antes explicada –) un deber de todo revolucionario, independientemente de que el sistema esté o no en crisis. Por otra parte, siendo el socialismo la única alternativa revolucionaria posible al capitalismo, y siendo el neoliberalismo el único capitalismo posible en la era de la Revolución Electrónica y la resultante crisis de la intermediación, que es entre otras cosas la del papel protagónico del Estado en la economía (tanto en el socialismo como en el capitalismo), la única alternativa revolucionaria posible al neoliberalismo no es un capitalismo de algún tipo diferente, sino el socialismo, que según se ha visto, puede ser construido aunque no estén creadas las condiciones adecuadas. Por lo demás, cualquier otra opción implica la existencia de plazos que no existen, pues debido a la crisis ecológica, la vieja disyuntiva planteada por Rosa Luxemburgo entre socialismo y barbarie se plantea en estos tiempos entre socialismo ahora, o fin de la especie humana para siempre; entendiendo por socialismo el orden de cosas resultante del cambio revolucionario, que es sistémico-político (ejercicio del poder por las clases populares – de forma directa en la época actual – ), estructural-económico (socialización de la propiedad y peso creciente de los estímulos morales y colectivos para el trabajo y la actividad humana en general) y civilizatorio-cultural (de ser transformada la naturaleza por el ser humano en beneficio propio, a transformarse éste a sí mismo en beneficio de la naturaleza a la cual pertenece como ser biológico).
Não há para eles um “capitalismo de outro tipo” senão o socialismo mesmo e sem relativismos de ordem semântica, pois o autor deixa claro o que entende por ele, mudança revolucionária no sistema político, estrutura econômica com a socialização da propriedade. Também não se trata de dar um passo para trás e outros dois para frente quando, na verdade, os autores do suposto processo revolucionário estariam dando de marcha a ré desde que iniciaram seus governos. Claro que esta não é a situação da Bolívia, dominada por Evo Morales e a Venezuela dos bolivarianos, mas qual o estado atual desses países?
A Bolívia passou os últimos anos com crescimento de renda per capita capitaneado pela valorização de suas commodities no mercado internacional, o que possibilitou a nacionalização de ativos estrangeiros por Evo Morales.[8] Apesar desta estratégia, a expansão subsidiada de eletricidade não tem sido bem sucedida quanto à oferta de água. E o ciclo internacional de valorização das commodities corre o risco de esfriar devido à retração do crescimento chinês e os efeitos da crise sobre a economia européia.
A situação da Venezuela por sua vez é bem conhecida: escassez de itens básicos, inflação em alta, corrupção generalizada e violência crescente.[9] Creio que não eram bem estes os objetivos da “revolução bolivariana”… A Argentina de Cristina Kirchner segue em seu movimento de inércia. Sua política externa se resume a levantar barreiras alfandegárias e estimular o protecionismo tragando junto quem o apóia para um buraco negro diplomático.[10] Nada de novo, mas isto é decisivo para o fracasso do Foro de São Paulo.
Quando a Guerra Fria estava em seu auge, a extinta URSS tratou de criar uma organização econômica que ligasse seus membros por algo mais que a força dos tanques soviéticos, o Conselho de Assistência Econômica Mútua, C.A.E.M. ou COMECON, na sigla em inglês. Este bloco econômico visava promover a troca de produtos entre seus membros, mas sobretudo a assessoria técnica e de planejamento centrado nas mãos de burocratas soviéticos. O que chama atenção é que o Foro de São Paulo não apresenta sequer algo assim. Com a política externa protecionista de seus membros, “anti-entreguista” como gostam de chamar, não apresentam força enquanto bloco, simplesmente porque seus laços econômicos não são proporcionais às intenções e retórica políticas. Tentativas de intensificar as “relações sul-sul” não lograram êxito porque, para serem bem sucedidas elas tem que se pautar justamente por critérios clássicos rejeitados pelas políticas econômicas de seus membros, como o aumento de produtividade e a busca por competitividade. Com uma China investindo fortemente nas plantas mineradoras africanas, com a economia americana retomando o rumo de seu crescimento e, o mais importante, a consolidação do mercado comum na bacia do Pacífico, a APEC,[11] os intentos dos foristas de São Paulo com ecos de Bandung estão condenados ao panteão dos anacronismos econômicos do século XXI. Crer que os membros do Foro de São Paulo têm força e eficácia é dar mais importância para um espantalho que as gralhas e os paranóicos desejam.
http://www.planobrazil.com/foro-fora-de-foco/
Posted by E.M.Pinto
As manifestações tiveram diversos alvos como protesto, alguns dos quais apontavam para um ‘inimigo oculto’ que mais parecia fruto de uma teoria conspiratória do que uma clara demanda política.
por Anselmo Heidrich
Após o período de manifestações que sacudiram o país no mês passado, qual foi nosso saldo? Vinte centavos economizados? Brincadeira a parte, não ficou claro qual teria sido o objetivo e resultado disto tudo, sobretudo para quem não é brasileiro e um tanto orientado sobre os acontecimentos da política nacional, bem como a percepção política e ideológica de nosso país. Para se entender melhor a dificuldade de entendimento que possa atingir um estrangeiro lembre-se de outro país, também considerado emergente, cujos protestos ao seu presidente, Erdogan se iniciaram devido a uma interferência urbanística em Istambul, a maior cidade da Turquia. Interferência esta que versava sobre uma singela praça. Como é que é? Sim, este foi o estopim, mas claro que esta não é a situação cuja combustão foi iniciada por uma simples interferência urbanística. O que chama atenção neste caso são as duas ordens de causas, a imediata, como a ‘revitalização’ de um parque público na cidade de Istambul enquanto que, no fundo, a população que protestou era movida contra a “islamização sutil” do país.[1] No Brasil, muitos que aderiram aos protestos nunca teriam se movido por 20 centavos de aumento na tarifa de ônibus, mas aproveitaram a deixa para incrementar os protestos com suas próprias plataformas individuais.
Dentre os motivos de protestos que se avolumaram no Brasil, de um simples aumento da passagem de ônibus em São Paulo até a revisão do código penal, como a posição favorável à redução da maioridade penal, o que se viu foi um variado espectro de demandas, da esquerda estudantil, comandada pelo PSOL e PSTU até o clamor conservador. É um pouco difícil definir até onde vão as manifestações na internet e onde começam nas ruas, mas parece inegável a ligação entre uma e outra. Destas, uma chama atenção por se tratar de um tema nitidamente internacional, o “Foro de São Paulo”.[2]
Esta organização criada pelo Partido dos Trabalhadores em 1990 tinha como objetivo agregar governos latino-americanos descontentes com as ditas reformas neoliberais que se encontravam, supostamente, em crise devido às “próprias contradições do sistema capitalista”. Com o objetivo de assegurar um “giro à esquerda” na América Latina, se impunha a necessidade de elaborar estratégias práticas para tanta diversidade nas formas políticas assumidas pelos aliados. Como se lê na página do próprio Foro de São Paulo:
Embora costumem lançar mão, cedo ou tarde, da violência militar, as classes dominantes de cada um de nossos países e o imperialismo investem cotidianamente na luta política e ideológica, para o que contam com um imenso aparato educacional, uma indústria cultural potente e o oligopólio da comunicação de massas. A partir destas plataformas, buscam entre outros objetivos manipular a seu favor as diferenças estratégicas e programáticas existentes entre os governos, partidos e movimentos empenhados no “giro à esquerda” que nosso subcontinente vive desde 1998.
Alguns destes governos, partidos e movimentos declaram abertamente seu objetivo de construir o socialismo. Outros trabalham, assumidamente ou não, pela constituição de sociedades com alta dose de bem-estar social, democracia política e soberania nacional, mas nos marcos do capitalismo. Importantes setores, embora integrantes de partidos de esquerda, adotam premissas neoliberais. Há também profundas diferenças estratégicas acerca das formas de luta e vias de tomada do poder, bem como sobre qual deve ser a relação dos governos eleitos com as classes dominantes de cada país, da Europa e dos Estados Unidos. Igualmente são distintas a visão e a postura frente aos chamados BRICS. Tais diferenças programáticas e estratégicas tornam particularmente complexo o debate sobre a natureza e o papel dos governos encabeçados por presidentes integrantes dos partidos de esquerda e progressistas de nossa região.[3]
Neste pequeno excerto se percebe no primeiro parágrafo uma nítida avaliação da conjuntura nos moldes marxistas. Para dizer a verdade, mais leninista que marxista. Lendo isto nem parece que temos uma diversidade de mídias e opiniões em nossa sociedade, mas um comitê reacionário empenhado em sufocar qualquer processo de mudança ou reformas sociais que precisa ser urgentemente combatido. O segundo parágrafo, por sua vez, mostra de forma evidente que o que se chama de “partidos de esquerda e progressistas” apresentam uma união presumida e um rótulo identificador, enquanto que na prática são tão diversos quantos os cenários culturais do subcontinente. Não há como, porque “trabalham (…) pela constituição de sociedades com alta dose de bem-estar social” presumir que sejam de ‘esquerda’. Até parece que a diferença com relação ao que também se chama, genérica e imprecisamente, de ‘direita’ seja o objetivo de desenvolvimento. É como se a ‘esquerda’ fosse a única detentora deste objetivo… A diferença, quando se mostrou nítida ao longo da história sempre foi mais de método do que objetivo. Sejam agremiações de esquerda ou direita, cada um a seu modo, geralmente se declaram a favor do desenvolvimento.
E o que diriam os opositores desta agremiação? Como eles avaliariam a situação atual em relação ao sucesso do empreendimento chamado Foro de São Paulo? Um modo de entender o que acontece é mudar o nome do que se quer entender… Ao invés de procurar se entender o porquê da crise econômica do século XXI fica mais fácil de chamá-la de socialista, isentando o capitalismo de qualquer responsabilidade. Se vocês me entenderam, o que temos aí é proposital, pois grandes grupos estariam aliados ao governo para provocar uma crise que demandaria maior intervencionismo estatal, daí a raiz (e fim) socialista. Isto é a típica teoria conspiratória. E é análoga a que faziam as esquerdas promovendo a ideia de que toda e qualquer crise era produzida pelo capitalismo, com o fim precípuo de gerar maior empobrecimento da população para, por sua vez, maior enriquecimento de elites. Na verdade, o raciocínio de ambos os grupos, esquerda no passado e esta nova direita é exatamente o mesmo. O que eles fizeram foi apenas mudar os nomes dos agentes e suas posições. O que era uma “cúpula capitalista” vira uma “cúpula socialista”, o que se tinha como objetivo aumentar a exploração pública para fins privados permanece praticamente o mesmo, sendo que apenas mudam o verbo explorar por intervir. O léxico pode se diferenciar, mas o método argumentativo é gêmeo.[4]
A verdadeira oposição a isto deveria se pautar na realidade, nos fatos. O que o ex-presidente Lula disse em uma reunião desta agremiação dá uma mostra da ineficácia em que se encontram seus propósitos:
“— Pelo fato de a esquerda estar enfraquecida na maioria dos países do mundo, a América Latina pode, neste momento, ser o grande farol para a nova esquerda que queremos criar para o mundo. A esquerda europeia perdeu o discurso porque ficou muito semelhante ao discurso da direita — disse o ex-presidente Lula.”[5]
Se for assim, então esta agremiação de governos de esquerda não tem nenhuma eficácia mesmo. Tomemos o Chile como exemplo, que antes do atual presidente, Sebastián Piñera teve Michele Bachelet, auto-proclamada ‘socialista’ que em 2010 promulgou uma lei que obrigava as autoridades de seu país a declarar sua renda e bens publicamente. O que há de socialismo nisto? O que mais me impressiona é que com variantes de direita ou de esquerda, as instituições do país parecem tão sólidas que o caminho do desenvolvimento se encontra plenamente traçado.[6] Pensemos então no Equador, cujo presidente Rafael Correa desde 2007 no poder se reelegeu como outro representante das esquerdas. O que, efetivamente, fez em termos de fomento à atividade econômica em seu país? Vejamos: em que pese a redução da pobreza apoiada na criação de empregos, seu fomento vem da exploração de petróleo. Assim como outros petro-estados, uma vez que a oferta da commodity aumente no mercado internacional e seus preços caiam, este governo seguirá o caminho de outros (Irã, Venezuela etc.), cujos estados não terão condições de arcar com os gastos sociais a que estão regularmente submetidos e, provavelmente irão sofrer com o aumento de suas dívidas públicas.
Apesar do aumento da ingerência estatal na economia, o governo equatoriano acaba de aprovar uma lei que flexibiliza as condições de exploração mineral no país para atrair investidores, para descontentamento de grupos indígenas e ecologistas.[7] Agora vejamos o que defendem os porta-vozes do Foro de São Paulo neste assunto:
Puede afirmarse, por tanto, que la crisis actual del capitalismo es el mejor momento para su sustitución por el socialismo mediante la lucha revolucionaria, que es en primer lugar (según se desprende de la concepción leninista sobre la actualidad de la revolución – antes explicada –) un deber de todo revolucionario, independientemente de que el sistema esté o no en crisis. Por otra parte, siendo el socialismo la única alternativa revolucionaria posible al capitalismo, y siendo el neoliberalismo el único capitalismo posible en la era de la Revolución Electrónica y la resultante crisis de la intermediación, que es entre otras cosas la del papel protagónico del Estado en la economía (tanto en el socialismo como en el capitalismo), la única alternativa revolucionaria posible al neoliberalismo no es un capitalismo de algún tipo diferente, sino el socialismo, que según se ha visto, puede ser construido aunque no estén creadas las condiciones adecuadas. Por lo demás, cualquier otra opción implica la existencia de plazos que no existen, pues debido a la crisis ecológica, la vieja disyuntiva planteada por Rosa Luxemburgo entre socialismo y barbarie se plantea en estos tiempos entre socialismo ahora, o fin de la especie humana para siempre; entendiendo por socialismo el orden de cosas resultante del cambio revolucionario, que es sistémico-político (ejercicio del poder por las clases populares – de forma directa en la época actual – ), estructural-económico (socialización de la propiedad y peso creciente de los estímulos morales y colectivos para el trabajo y la actividad humana en general) y civilizatorio-cultural (de ser transformada la naturaleza por el ser humano en beneficio propio, a transformarse éste a sí mismo en beneficio de la naturaleza a la cual pertenece como ser biológico).
Não há para eles um “capitalismo de outro tipo” senão o socialismo mesmo e sem relativismos de ordem semântica, pois o autor deixa claro o que entende por ele, mudança revolucionária no sistema político, estrutura econômica com a socialização da propriedade. Também não se trata de dar um passo para trás e outros dois para frente quando, na verdade, os autores do suposto processo revolucionário estariam dando de marcha a ré desde que iniciaram seus governos. Claro que esta não é a situação da Bolívia, dominada por Evo Morales e a Venezuela dos bolivarianos, mas qual o estado atual desses países?
A Bolívia passou os últimos anos com crescimento de renda per capita capitaneado pela valorização de suas commodities no mercado internacional, o que possibilitou a nacionalização de ativos estrangeiros por Evo Morales.[8] Apesar desta estratégia, a expansão subsidiada de eletricidade não tem sido bem sucedida quanto à oferta de água. E o ciclo internacional de valorização das commodities corre o risco de esfriar devido à retração do crescimento chinês e os efeitos da crise sobre a economia européia.
A situação da Venezuela por sua vez é bem conhecida: escassez de itens básicos, inflação em alta, corrupção generalizada e violência crescente.[9] Creio que não eram bem estes os objetivos da “revolução bolivariana”… A Argentina de Cristina Kirchner segue em seu movimento de inércia. Sua política externa se resume a levantar barreiras alfandegárias e estimular o protecionismo tragando junto quem o apóia para um buraco negro diplomático.[10] Nada de novo, mas isto é decisivo para o fracasso do Foro de São Paulo.
Quando a Guerra Fria estava em seu auge, a extinta URSS tratou de criar uma organização econômica que ligasse seus membros por algo mais que a força dos tanques soviéticos, o Conselho de Assistência Econômica Mútua, C.A.E.M. ou COMECON, na sigla em inglês. Este bloco econômico visava promover a troca de produtos entre seus membros, mas sobretudo a assessoria técnica e de planejamento centrado nas mãos de burocratas soviéticos. O que chama atenção é que o Foro de São Paulo não apresenta sequer algo assim. Com a política externa protecionista de seus membros, “anti-entreguista” como gostam de chamar, não apresentam força enquanto bloco, simplesmente porque seus laços econômicos não são proporcionais às intenções e retórica políticas. Tentativas de intensificar as “relações sul-sul” não lograram êxito porque, para serem bem sucedidas elas tem que se pautar justamente por critérios clássicos rejeitados pelas políticas econômicas de seus membros, como o aumento de produtividade e a busca por competitividade. Com uma China investindo fortemente nas plantas mineradoras africanas, com a economia americana retomando o rumo de seu crescimento e, o mais importante, a consolidação do mercado comum na bacia do Pacífico, a APEC,[11] os intentos dos foristas de São Paulo com ecos de Bandung estão condenados ao panteão dos anacronismos econômicos do século XXI. Crer que os membros do Foro de São Paulo têm força e eficácia é dar mais importância para um espantalho que as gralhas e os paranóicos desejam.
http://www.planobrazil.com/foro-fora-de-foco/