Muito além de fiscalizar fronteiras
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO
Tem aumentado acentuadamente, no Brasil, a apreensão de mercadorias contrabandeadas.
Balanço divulgado pelo Departamento de Operações de Fronteira da Secretaria da Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul mostra esse crescimento. De acordo com seu comandante, coronel Joel Martins dos Santos, "o número de ocorrências que vem aumentando consideravelmente é o contrabando de cigarros e, como novidade, o de pneus novos e seminovos".
De igual teor são os informes da Polícia Federal e da Receita Federal em que são relatadas crescentes apreensões de drogas, como cocaína, haxixe e crack, e armas e munições. Esses relatórios informam que a maioria destas mercadorias entra no Brasil pelo Paraguai, mesmo que não tenham sido lá produzidas, e pela Bolívia.
Pelo que esses crimes representam de risco para sociedade, eles devem ser tratados como um tema prioritário na agenda pública.
Por exemplo, na indústria de cigarros, pesquisa de mercado (2009) aponta que 30% das vendas são de cigarros ilegais (35 bilhões). Grande parte é proveniente do Paraguai, que produz cerca de 40 bilhões de unidades, volume bem superior à demanda interna, de 3 bilhões. O excedente é desviado para o Brasil e outros países sul-americanos.
O maior estímulo a esse comércio ilegal é a expressiva diferença da carga tributária de cigarros. Enquanto no Brasil essa carga é de aproximadamente 63%, no Paraguai ela é inferior a 10%.
Essa disparidade tributária gera enormes distorções nos preços. Enquanto o preço médio de uma marca de menor valor no Brasil é de R$ 3, a média de preços dos produtos contrabandeados é 50% menor.
É importante ressaltar que preços ilegalmente baixos facilitam o acesso dos jovens e das classes de renda menos favorecidas ao produto, indo em direção contrária às políticas públicas do Ministério da Saúde de desincentivo ao consumo de cigarros.
Os consumidores, por sua vez, são expostos a produtos de qualidade e procedência duvidosas, que nem sequer possuem o registro na agência reguladora (Anvisa) e não estão dentro dos padrões de controles exigidos e previstos na legislação em vigor.
O trabalho das autoridades brasileiras no combate ao contrabando é digno de reconhecimento. Entretanto, nossa legislação prevê para esses crimes penas baixas, o que faz com que o caráter punitivo perca a sua eficácia e que as pessoas envolvidas continuem soltas e praticando o mesmo crime.
A problemática do contrabando não é de solução trivial. Exige um esforço conjunto e permanente de todas as autoridades para combater esse crime. Investimentos são essenciais, sobretudo na área de inteligência, pois só com melhor compreensão de como as quadrilhas estão organizadas será possível desarticular essa indústria paralela. Igualmente relevante é aplicação de penas mais rigorosas para tais crimes.
Finalmente, a demanda pela construção de agendas bilaterais entre os governos do Brasil com o Paraguai e a Bolívia a cada dia se torna mais urgente. A lucratividade dessas atividades ilegais é muito maior do que o retorno das atividades legais, tornando a repressão à ilegalidade difícil tanto econômica como politicamente.
O governo brasileiro pode e deve contribuir para a pesquisa e o desenvolvimento de opções econômicas rentáveis que possam viabilizar a transferência de atividades ilegais para atividades legais e o consequente desestímulo à indústria do contrabando. Com isso, ganharíamos todos: brasileiros, paraguaios e bolivianos.
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é professor titular da FEA-USP e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - ETCO. Foi secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (governo Mário Covas) e presidente do BNDES (1985 a 1988). Site:
www.etco.org.br.