@Túlio
Arthur Niculitcheff
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"A economia e as vidas
Como já disse em outro lugar, os custos econômicos do COVID vão se resumir em 3: O custo da parada de produção durante o lockdown[1], o custo das falências e desemprego que ocorreram devido ao lockdown [2], e o custo de ter menos trabalhadores na força de trabalho [3]. O primeiro custo basicamente acaba quando acabar o lockdown, o segundo começa quando o lockdown acaba, e vai lentamente diminuindo, conforme os desempregados voltam a força de trabalho, os prédios de empresas falidas são alugados por outras, seus equipamentos, veículos etc. vendidos e voltam a ser produtivos. O terceiro custo dura até os o ponto onde os mortos por coronavirus já estariam mortos de qualquer forma.
Estamos frente a uma escolha entre aumentar o custo 1 e 2 em troca de um menor custo 3, ou vice versa. Pagar mais agora pra ter mais benefícios no futuro, ou pagar menos agora pra ter menos benefícios no futuro. Queria dar algumas intuições sobre como olhar pra essa escolha.
O custo 3 tem permanência maior no tempo, enquanto o custo 1 é mais instantâneo, e o custo 2 é um intermediário entre os dois. A questão é se o custo 3 é maior ou menor que a soma dos custos 1 e 2. Eu vou assumir que os custos 1 e 2 são instantâneos, e só usar o seu valor. O custo 3 poderia ser trazido a valor presente, mas pra simplificar vou medi-lo em anos que seriam suficientes pra cobrir os custos 1 e 2.
Assumindo um custo de lockdown de 100% do PIB em um mês, pra uma mortalidade de 1% demoraria ~8 anos pra gente recuperar o que perdeu.
A gente não tem nenhuma certeza sobre os fatores envolvidos ainda, a mortalidade pode ser maior ou menor, o lockdown certamente não vai ser de 100%, a maior parte dos que morrerem vai estar fora da força de trabalho, entre os que morrerem dentro da força de trabalho, a maior parte vai estar no período mais produtivo (40-60 anos), etc.
Mas me parece que com números razoáveis claramente é um negócio que vale a pena. A gente pega empréstimos pra carros que não são tão longe desse prazo, e empréstimos pra casa muito mais longos, é um prazo bem viável pra investimentos e não tem investimentos mais valiosos do que a vida das pessoas.
A maioria das pessoas que li discordando do lockdown não parece estar com um problema nessa logica de pensamento econômico, mas no número de mortos. Pessoal ta assumindo milhares de mortos, o número que existe hoje na Itália, que ainda tem o processo em andamento. Esse número vai chegar a valores maiores, e pode chegar a muito maiores. Enquanto quem é contra o lockdown fala em milhares de mortos os especialistas falam em centenas de milhares a milhões.
O Ministro Mandetta mesmo está estimando que 50-70% da população deva pegar a doença, e mesmo com a taxa de mortalidade de 1%, abaixo da projetada isso seria por volta de um milhão de mortos no Brasil.
Algumas pessoas também têm levantado que a recessão causada pelo lockdown poderia levar a mortes por pobreza, por fome etc. Em geral, a não ser em países extremamente pobres, isso não acontece. É basicamente impossível ver os efeitos das recessões na mortalidade. Isso acontece porque a não ser em lugares extremamente pobres, as pessoas vivem acima da subsistência, e grande parte do consumo delas é bens “supérfluos” pra evitar a morte, e porque grande parte dos bens necessários podem ter a compra adiada.
Por exemplo 1/5 das despesas das famílias brasileiras é em transporte, o que representa um gasto maior do que com comida, que poderia ser completamente cortada durante o lockdown.
Sobre adiar compras, roupas são necessárias para a vida, mas se você precisar pode usar roupas velhas até a situação melhorar. Moveis são necessários para a vida, mas você pode ficar com uns quebrados e adiar a compra de novos. Geladeira é necessária, mas se sua geladeira estiver meio ruim você não precisa trocar ela imediatamente, e na maioria dos casos você vai trazer uma geladeira perfeitamente funcional de tempos melhores.
Tanto é possível sobreviver mesmo com uma queda brutal do produto que países com economias completamente disfuncionais como Cuba conseguem garantir o abastecimento da população mesmo no meio da pobreza. Países em guerra devotam o máximo de produção possível a armas e equipamentos sem desabastecer a população civil.
Obviamente para garantir o suprimento da população que não está trabalhando serão necessários programas de distribuição de renda, etc. Mas o medo da parada da economia levar literalmente a morte é um exagero, em geral recessões não levam a aumento da mortalidade.
Me parece que tanto uma análise exclusiva dos custos econômicos do lockdown quanto dos custos em termos de vidas do lockdown favorece o lockdown dada a previsão de centenas de milhares a milhões de mortes feita pelos especialistas. Muita gente preocupado com a economia, mas a economia é a vida das pessoas, e é servir a vida das pessoas, a gente tem que pesar isso contra outras considerações, mas uma vida pesa muito e centenas de milhares de vidas tem um peso que é muito difícil de alcançar."
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