O mais engraçado que no artigo acima do mesmo parece que o Monti está confortável com a crise e agora neste se vê não, mesmo jornal, mesmo dia
Mario Monti desafia política alemã para salvar o euro
Autor(es): Por Alessandra Galloni e Marcus Walker | The Wall Street Journal
Valor Econômico - 08/08/2012
Durante uma reunião de noite inteira da cúpula europeia em junho, o primeiro-ministro italiano Mario Monti deu à chanceler alemã Angela Merkel um ultimato inesperado: ele iria bloquear todos os acordos até que ela concordasse em tomar medidas contra os custos crescentes dos empréstimos da Itália e da Espanha.
Merkel, que vem ditando o jogo em relação ao euro nos últimos dois anos, não está acostumada a ser posta na defensiva.
"Isso não ajuda, Mario", advertiu Merkel, segundo pessoas presentes. Os líderes europeus estavam reunidos no quinto andar da sede envidraçada da União Europeia em Bruxelas.
"Eu sei", respondeu o premiê da Itália.
O confronto de nove horas entre Itália e Alemanha daquela noite levou a um acordo que não era tão radical como Monti queria. Mas ajudou a abrir caminho para uma possível intervenção do Banco Central Europeu para estabilizar os cambaleantes mercados de dívida da Itália e da Espanha - uma medida de alto risco que pode ser a última chance para a Europa salvar o euro.
O conflito ítalo-germânico também expôs uma profunda fissura filosófica no coração da zona do euro:
será que a austeridade e as reformas dolorosas em países como Itália e Espanha são suficientes para restaurar a confiança na moeda comum, como a Alemanha vem insistindo? Ou será que eles precisam do apoio financeiro coletivo da Europa enquanto acertam suas economias, como argumenta Monti?
Essa questão ainda não foi respondida. A fuga dos investidores da Itália e da Espanha continua ameaçando os dois países com o desastre financeiro. Os mercados duvidam que a moeda comum europeia possa sobreviver nas suas fronteiras atuais. A Alemanha permanece altamente cética quanto a uma intervenção maciça do BCE nos mercados de dívida soberana, temendo que isso iria relaxar a pressão sobre os países para que reformem suas economias.
Na semana passada, o presidente do BCE, Mario Draghi, contrariou as esperanças dos mercados de que o banco iria agir de imediato. Mas disse que o BCE "pode" em breve comprar títulos de países atingidos pela crise que satisfaçam determinadas condições estabelecidas pelas autoridades europeias.
"Se eu fosse o Draghi, eu me sentiria moralmente e politicamente protegido para tomar iniciativas ousadas no momento certo", graças ao resultado da cúpula de 28 de junho, disse Monti ao The Wall Street Journal logo após a cúpula. Em uma conversa na segunda-feira, Monti qualificou os comentários de Draghi da semana passada como uma "iniciativa ousada", que está começando a definir os "termos operacionais" da cúpula do fim de junho.
Monti não comentou sobre as condições de Draghi para a ajuda do BCE - que a Itália e a Espanha primeiro peçam o apoio do fundo de resgate da Europa para o mercado de dívida e que assinem uma lista de compromissos de política econômica. Tal iniciativa poderia ser politicamente arriscada para Roma e Madri, pois pode ser interpretada como equivalente a uma perda da soberania nacional.
Com a crise financeira europeia em seu terceiro ano, Monti - um discreto professor de economia de 69 anos que foi nomeado em novembro passado para chefiar um governo temporário de tecnocratas apartidários - se tornou o desafiante mais decidido da abordagem da Alemanha para resolver a crise do euro.
Em seus nove meses no poder, Monti introduziu muitas mudanças econômicas, cumprindo uma promessa feita pela Itália aos seus parceiros europeus e ao BCE no ano passado. No entanto, a demanda dos investidores por títulos de dívida italiana está secando, provocando o risco de um desastre financeiro que a Europa não seria capaz de conter. Monti diz que um sinal concreto de ajuda na arena europeia seria mostrar ao descrente público italiano que as reformas dolorosas dele trazem recompensas.
Merkel, por meio de seu porta-voz, não quis comentar para esta reportagem. Altos funcionários alemães, porém, reconhecem que Monti tem uma certa razão. Os investidores estão fugindo da dívida italiana e espanhola, apesar de Roma e Madri estarem reformando suas economias. Isso significa que a Europa precisa fazer mais para ajudar seus dois grandes membros do sul. Mas a cautelosa chanceler teme que uma intervenção maciça no mercado de títulos possa provocar uma reação política negativa na Alemanha - e talvez não dê certo, segundo pessoas familiarizadas com seu raciocínio.
Monti é uma anomalia na Europa: um líder não eleito, levado ao poder para fazer as mudanças impopulares que os políticos do país evitavam. Monti depende da tolerância dos principais partidos políticos italianos e não tem nenhuma base de poder própria, exceto sua credibilidade pessoal.
Como principal autoridade antitruste da Europa no início dos anos 2000, Monti ficou conhecido como um caçador de cartéis, impondo notavelmente uma multa recorde à Microsoft por conduta anticompetitiva. Na Itália, ele está tentando abrir à concorrência setores protegidos pelo governo, como as farmácias e os cartórios, e procurando diluir a influência, segundo ele desproporcional, dos lobbies empresariais e dos sindicatos sobre a política nacional.
O jeito calmo e disciplinado de Monti faz dele um estadista cauteloso, e não o revolucionário que alguns talvez esperassem, diz Alberto Alesina, professor de economia na Universidade Harvard e que estudou com ele. "Monti é o melhor que a Itália tem no momento. Mas não é um radical. É alguém que procura fazer acordos."
Os acordos começaram há alguns meses, quando as medidas de austeridade de Monti enfraqueceram os gastos dos consumidores e empurraram a Itália mais fundo na recessão. Os partidos políticos temiam que apoiar Monti lhes tiraria o apoio dos eleitores, sem ganhar recompensas para a Itália nos mercados.
Monti afrouxou a legislação para desregulamentar setores de serviços. Anunciou também uma importante reforma trabalhista que facilita para as empresas demitir pessoal e torna mais inclusivo o auxílio-desemprego. Mas, sob a pressão de legisladores de esquerda, ele diluiu a medida, permitindo que os tribunais ordenem, em alguns casos, que os trabalhadores demitidos sejam recontratados.
Monti diz que está fazendo o que pode para mudar a Itália - e o comportamento italiano - mas necessita do parlamento para aprovar leis.
Nestes meses, o fantasma da instabilidade política em Roma abalou os mercados e fez subir mais ainda os custos de novos empréstimos da Itália. Monti precisava de mais ajuda da Europa para tirar a Itália da mira do mercado, mas não obteve nada.
Em junho, quando os líderes mundiais do Grupo dos 20 países líderes se reuniram em Los Cabos, no México, Monti revelou um plano para aliviar a pressão sobre o mercado de dívida. Ele queria que o fundo europeu de resgate interviesse e comprasse títulos italianos e espanhóis, com a justificativa de que os dois países estavam colocando suas economias em forma.
Ao contrário do que dizem as regras atuais do fundo de resgate, Monti não queria que Roma e Madri sofressem o estigma de pedir ajuda formalmente, nem assinar uma lista de exigências de política econômica redigida em Bruxelas, temendo que isso prejudicaria sua posição diante do público do seu país, bem como a do seu aliado, o premiê da Espanha, Mariano Rajoy.
Em uma reunião tarde da noite no México com os principais líderes europeus, o presidente americano Barack Obama apoiou o plano de Monti, segundo pessoas presentes. Mas Merkel rejeitou a ideia. Nos últimos dois anos, ela vinha justificando a ajuda financeira a outros países do euro para os céticos eleitores alemães, prometendo-lhes que haveria em troca reformas rígidas, com supervisão internacional. Agora, a Itália queria o dinheiro da Alemanha sem amarras.
Obama não conseguiu fazer os líderes da zona do euro chegarem a um acordo.
Monti não desistiu.
Dias antes da cúpula da zona do euro em 28 de junho, Monti fez uma jogada de risco em Roma para reforçar sua posição na Europa. Apresentou seu polêmico projeto de lei trabalhista ao parlamento e disse aos congressistas para ou apoiá-lo ou demiti-lo. A lei foi aprovada. Assim, com suas credenciais reformistas reforçadas, ele voou para Bruxelas.
A cúpula, cujos detalhes se baseiam em entrevistas com vários participantes, deveria apenas aprovar um "pacto de crescimento" para estimular a economia europeia aumentando os investimentos públicos. As medidas imaginadas eram modestas. Mas eram um trunfo essencial para a oposição de centro-esquerda a Merkel em Berlim, de cujos votos ela precisava para ratificar seu verdadeiro objetivo: um acordo europeu anterior sobre disciplina fiscal.
Na véspera da reunião, Monti traçou um plano para "sequestrar" a cúpula. Se Merkel não aceitasse sua proposta sobre a intervenção do fundo europeu de resgate nos mercados de divida, Monti vetaria o pacto de crescimento, enfraquecendo Merkel em seu parlamento.
Como a Itália já tinha feito lobby em prol do pacto de crescimento, a ameaça de Monti de vetar o pacto - anunciada logo antes de os líderes europeus sentarem para jantar - caiu como uma bomba.
O bloqueio de Monti durou até as 4 da manhã, quando os líderes finalmente concordaram com um texto redigido pelos seus assessores. O acordo prometia que o dinheiro do fundo europeu de resgate seria usado "de maneira flexível e eficiente" para estabilizar os mercados de títulos dos membros mais vulneráveis da moeda comum.
O texto não foi tão longe como Monti originalmente desejava: a Itália e a Espanha ainda teriam que solicitar qualquer ajuda e assinar um memorando de compromissos de política econômica. Mas, ao incluir na declaração a necessidade de estabilizar os mercados de títulos, a Itália tinha convencido a Alemanha a reconhecer os esforços italianos de reforma e colocado no centro das atenções a sua abordagem para lidar com a crise.
Os mercados não se deixaram enganar por muito tempo. No fim de julho, o custo de financiamento para a Itália alcançou 6,6%. Os investidores céticos sabem que os fundos de resgate da zona do euro não são suficientes, sozinhos, para sustentar o enorme mercado de dívida italiana.
Apenas o BCE tem o poder de fogo necessário para movimentar esse mercado. Altos funcionários alemães dizem que a ajuda do BCE é o que Monti realmente vem procurando. O líder italiano está convencido de que a cúpula de 28 de junho deu cobertura política para o BCE tomar medidas ousadas, sabendo que os governos da zona do euro, incluindo a Alemanha, não vão se opor.
"Não tenho dúvida de que, na noite anterior à desintegração do euro, o BCE fará tudo o que é necessário para salvá-lo", diz Monti. "Mas a pergunta é: Será que precisamos chegar a essa noite?"