Revista Brasileiros
TECNOLOGIA
O poder naval
Marinha vai investir 6,7 bilhões de euros em programa de submarinos nucleares e convencionais para proteger a Amazônia Azul
Eduardo Hollanda
À esquerda, detalhe do estaleiro, com o dique para a montagem final dos submarinos. À direita, visão geral do estaleiro e da base naval, que ficarão prontos em 2015
Uma das maiores obras de engenharia em andamento no Brasil está sendo feita pela Marinha na idade de Itaguaí, na Baía de Sepetiba, a oeste do Rio de Janeiro. É lá que estão sendo montadas as instalações da futura fábrica da base naval e do estaleiro para a construção de submarinos convencionais e nucleares.
Nas instalações, que vão ocupar 300 mil m2 de área construída e 600 mil m2 de área total, serão fabricados pela joint-venture entre a Odebrecht, a francesa DCNS e a Marinha quatro submarinos convencionais, da classe Scorpène (em projeto especial da Marinha, com 70 m de comprimento, cinco a mais que o francês original), e o primeiro ficará pronto em 2016. Os demais devem entrar em serviço em 2018, 2019 e 2021. A primeira fase do programa será concluída apenas em 2023, quando o primeiro submarino nuclear projetado, desenvolvido e construído em um país latino-americano entrará em operação.
Os quatro submarinos convencionais vão substituir progressivamente os cinco submarinos rasileiros em uso pela Marinha, de projeto originalmente alemão – o primeiro entrou em serviço em 1997, devendo ficar em atividade até 2017. Pelo acordo acertado entre Brasil e França, haverá transferência total de tecnologia, garantindo à Marinha e à Itaguaí Construções Navais (empresa resultante da joint-venture entre a Odebrecht e a DCNS) controle na fabricação de submarinos. Assim, o País passará a produzir, além de novos submarinos nucleares de projeto nacional após 2023, vender os convencionais a outros países.
Os custos totais impressionam: 6,75 bilhões de Euros a serem gastos ao longo de 15 anos com as instalações de Itaguaí, a construção dos submarinos e o Centro Experimental de Aramar, em São Paulo, onde a Marinha desenvolve seu programa nuclear.
Em Aramar, onde a reportagem da Brasileiros esteve em duas oportunidades – 2007 e 2010 –, a Marinha já conseguiu o domínio completo do ciclo nuclear (desde a transformação do yellow-cake, uânio em pó, produzido pela Nuclebrás, no gás hexafluoreto de urânio, passando pelo enriquecimento em ultracentrífugas para a fabricação dos bastões de combustível usados nos reatores). Tem, portanto, garantida a total independência na produção do combustível dos futuros submarinos nucleares.
Esse domínio do ciclo nuclear, a propósito, foi um dos fatores que facilitaram o acordo entre Brasil e França para transferência da tecnologia para a construção de submarinos convencionais de maior porte e, principalmente, do nuclear. Este último terá 10 m de diâmetro e 100 m de comprimento. Na verdade, nenhum país que fabrica submarinos nucleares – EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França, China e Índia – tem interesse em abrir sua tecnologia.
"Estão previstos seis fragatas com mais de seis mil toneladas,
navios-patrulha oceânicos e, em uma segunda fase, o projeto
e a construção de um porta-aviões no Brasil"
Como a Marinha do Brasil já desenvolveu a tecnologia e se prepara para, até o próximo ano, colocar em funcionamento em Aramar o primeiro reator de testes, a França aceitou liberar a tecnologia avançada dos submarinos, sem precisar abrir seus segredos de propulsão nuclear.
A reportagem da Brasileiros esteve nas obras de Itaguaí, onde o ritmo de construção segue acelerado. Afinal de contas, os prazos são apertados e precisam ser cumpridos à risca. A Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), onde partes dos submarinos montadas preliminarmente na vizinha NUCLEP receberão cavernas e demais peças fixas, deverá ser entregue em novembro deste ano. Isso vai permitir que as seções prontas do primeiro submarino (incluindo a parte da proa, que virá finalizada da França) sejam preparadas com os equipamentos fixos, aguardando a conclusão do estaleiro, que será inaugurado apenas em 2014.
O transporte das seções dos submarinos será feito por carretas, direto para o estaleiro, por um túnel de 700 m de extensão e 14 m de largura, que ligará as áreas Norte e Sul do complexo. A base naval, por sua vez, tem a conclusão das obras prevista para 2015, permitindo que todo o pessoal da Marinha a ocupe e a coloque em funcionamento, com os atuais submarinos da classe Tupi, a tempo de receber, no ano seguinte, o primeiro dos novos submarinos nacionais.
O trabalho, tanto nas obras das instalações de Itaguaí quanto na área especial destinada aos submarinos, na NUCLEP, usa a mais avançada tecnologia e as primeiras chapas de aço começam a ser preparadas e a tomar forma, a atração é uma máquina de corte de chapas de aço, em que o elemento que corta metal com 5 cm de espessura é um jato d’água.
O equipamento, segundo os engenheiros da NUCLEP, permite o corte de peças sem a necessidade de qualquer retome ou acabamento posterior, o que resulta em economia – menos gasto de energia, menos poluição, menos tempo de trabalho, entre outros – de, no mínimo, 30%em relação aos equipamentos tradicionais de corte com plasma. De acordo com Sérgio Pinheiro, diretor de Obras Marítimas da Odebrecht, a empresa teve de atuar em três frentes: as obras terrestres da UFEM, a preparação de tubulações de aço e peças pré-moldadas a serem empregadas na construção do estaleiro e da base naval, e no mar, onde se desenvolvem trabalhos de aterro e implantação das fundações do estaleiro, além dos diques da base naval. Como todas as instalações se destinam, em última instância, aos submarinos nucleares, o nível de exigência e controle do material e da construção propriamente dita seguiu parâmetros semelhantes ao de instalações nucleares. Na UFEM, além do tamanho dos prédios, erguidos em pouco mais de um ano, com 50 m de altura, 60 m de largura e mais de 100 m de comprimento, chama a atenção a espessura do piso das instalações.
É nada menos que 1 m de espessura de concreto especial (o que seria o contrapiso de uma obra comum), tendo por cima um “acabamento” de cerca de 30 cm, reforçado por trilhos de aço colocados em diagonal. A explicação dos engenheiros é simples: o piso, que terá de suportar os anéis que formam os submarinos, não poderá ceder nem um milímetro para garantir a extrema precisão da montagem. Mas a Marinha não vai se limitar, em seu processo de modernização, à construção de novos submarinos considerados a “arma de dissuasão que nega o mar ao inimigo”. Afinal de contas, o País tem 3,5 milhões de km2 de oceano – e suas riquezas, como o petróleo do Pré-Sal – para proteger.
De acordo com o almirante de Esquadra Arthur Pires Ramos, diretor-geral do Material da Marinha, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) faz parte de um plano mais amplo, previsto na Estratégia Nacional de Defesa, elaborada pelo Ministério da Defesa. No programa, está prevista a construção de seis fragatas com mais de seis mil toneladas, dez navios-patrulha oceânicos de duas mil toneladas, 12 navios-patrulha de 500 toneladas e, em uma segunda etapa, o projeto e construção, no Brasil, de um novo porta-aviões. No total, a previsão de gastos, dentro de um prazo de 30 anos – incluindo o PROSUB – fica em torno de 15 bilhões de Euros. Pires Ramos destaca que a Marinha vai realizar uma concorrência internacional para a escolha da fragata, tendo como exigência a transferência de tecnologia e construção no Brasil, usando a fórmula bem-sucedida do PROSUB.
Entre possíveis candidatos, estão Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha, Coreia do Sul e Espanha, todos apresentando seus projetos mais recentes, como a inglesa Tipo 45. Exatamente a classe da Dauntless, mais moderno navio de guerra britânico, que realizou sua viagem inaugural no Atlântico Sul, seguindo até as Malvinas.
Uma imensidão a proteger
São 3,5 milhões de km2 de oceano que o Brasil tem direito de uso como sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Isso significa que, em uma faixa de 200 milhas de largura, a partir do litoral, do Oiapoque ao Chuí, o País tem direitos exclusivos sobre, por exemplo, a pesca e o uso de outros recursos marinhos.Ilhas oceânicas habitadas, como Fernando de Noronha, Trindade e o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, acima do Equador, a meio caminho da África, também têm direito às 200 milhas e assim nossa Amazônia Azul não se limita a seguir o contorno do litoral.
Pelo mar circula 95% do comércio exterior do Brasil: US$ 200 bilhões anuais. Na verdade, das 200 milhas que delimitam a ZEE no mar, apenas 12 milhas correspondem ao mar territorial, onde o domínio do Brasil é completo. No restante, a navegação de passagem é livre, mesmo para navios de guerra. De qualquer modo, cabe ao Brasil zelar por suas águas, coibindo, por exemplo, práticas poluidoras do oceano ou pirataria e contrabando.Em qualquer ZEE no mundo, o que se encontra sob o fundo do mar, na Plataforma Continental é hoje o que mais vale: petróleo e gás. Ficam no mar, por exemplo, os campos de petróleo da Bacia de Campos, do Espírito Santo e de Santos, hoje produzindo quase dois milhões de barris de petróleo/dia, o que corresponde a um faturamento diário em torno de US$ 200 milhões. Ficam também nessa faixa de 200 milhas os campos de petróleo do Pré-Sal, que levantamentos preliminares indicam um potencial de produção acima de quatro milhões de barris/dia, números dignos dos países da Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP).
E como se toma conta disso no meio do mar, quase no limite da ZEE brasileira? Brasileiros esteve em 2008 em pleno oceano, acompanhando as dificuldades da Marinha para vigiar nossas águas. O desafio será cada vez maior, pois o Brasil reivindica na ONU mais 963 mil km2 de oceano, referentes ao prolongamento da Plataforma continental, até um novo limite, de 350 milhas. Para enfrentá-lo, a Marinha desenvolve um amplo programa de modernização e reequipamento de sua esquadra. Além de submarinos, convencionais e nucleares, arma preventiva de ataque, o País pretende construir, no futuro, um porta-aviões, que substituirá o São Paulo, e mais navios de superfície de tamanho variado. Um será uma novidade, um navio-patrulha oceânico, com autonomia para ir até a 200 milhas ou mais do litoral e lá ficar algum tempo, marcando presença em relação a “interessados” vindos de fora. Com o preço do petróleo em alta – ao que tudo indica, não voltará a patamares muito abaixo dos US$ 100 o barril –, as ZEEs viraram pontos de interesse e de atrito em todo o mundo. Na Ásia, China, Japão, Filipinas, Vietnã, Malásia, Singapura, Indonésia e Índia andam se estranhando em relação a quem tem ou não direitos a ZEEs, e de que tamanho. Por aqui, a discussão entre Argentina e Grã-Bretanha sobre as Ilhas Malvinas (Falklands, para os ingleses), que ressurgiu agora, 30 anos depois da guerra entre os dois países em 1982, quando os argentinos, que estavam sob um dos regimes militares mais violentos da história, tomaram as ilhas sendo em seguida derrotados, tem no petróleo a causa principal. Nada contra a qualidade da lã dos carneiros das ilhas ou dos seus peixes e frutos do mar. O tesouro oculto no mar gelado das ilhas, a meio caminho entre a América do Sul e a Antártica, é mesmo petróleo que, segundo pesquisas recentes, haveria em belas quantidades. Com os preços de hoje, até onde a temperatura não passa dos 12 oC nem no verão, vale a pena buscar petróleo.