Standard & Poor's enerva americanos
O Nobel Paul Krugman chamou-lhe "ultraje" e o tom dos comentários nos Estados Unidos é de crítica à "ousadia" da agência. O Expresso ouviu quatro especialistas em 3 pontos do globo. Opiniões marcadamente distintas.
Jorge Nascimento Rodrigues (
www.expresso.pt)
21:52 Sábado, 6 de agosto de 2011
A reação mais contundente ao corte de notação da dívida dos Estados Unidos surgida do meio académico foi hoje a de Paul Krugman, no seu blogue no The New York Times. "Isto é um ultraje - não porque os Estados Unidos sejam A-OK, mas porque esta gente [a agência de notação] não está em posição de emitir juízos", disse o Nobel.
O professor da Universidade de Princeton ficou enervado com o facto da Standard & Poor's ter feito uma apreciação sobre a dinâmica política em Washington DC que conduzirá a que em 2015 a curva de endividamento não seja invertida, ao contrário do que a agência espera para outros casos de classificados com triplo A. "A S&P não tem autoridade para fazer este tipo de juízos políticos duvidosos", refere na nota publicada no seu blogue "The Conscience of a Liberal".
Longe de mais
Há algum consenso entre os especialistas norte-americanos na reação à S&P [detida pelo grupo McGraw-Hill] - por muitos, fora dos Estados Unidos, tida como uma "correia de transmissão" do poder americano. "A S&P foi longe de mais. Estão a tentar restaurar a credibilidade por erros anteriores, mas é a S&P que perde credibilidade agora, de novo", diz-nos David Kotok, presidente da Cumberland Advisors, uma influente empresa americana de consultoria financeira global.
"Para os Estados Unidos é um momento triste e deriva da irresponsabilidade das ações políticas. Com a notação agora dividida [com a S&P a excluir do triplo A e a Ficth e a Moody's a manterem essa classificação por ora], isso poderá significar um par de pontos base na taxa de juro para o governo americano", acrescenta.
Sem impacto relevante
No entanto a decisão não surpreendeu. Peter Cohan, analista em Boston, já em 25 de julho tinha comentado ao Expresso que a decisão de corte do rating seria "inevitável". Contudo acha que poderá não ter o impacto catastrófico que alguns anteveem a partir de segunda-feira. "Se este corte não tiver impacto económico, morrerá nas parangonas dos media. E esse é, a meu ver, o cenário mais provável".
Cohan admite que o impacto nos fundos de pensões e fundos mutualistas não deverá ultrapassar mais de 3% das posições que têm em títulos do Tesouro, se porventura já não os venderam em antecipação ao movimento da S&P. E confia nos investidores da dívida pública americana: "Os investidores globais deram o seu veredicto sobre os EUA antes da comunicação de sexta-feira à noite da S&P - emprestando aos EUA [num leilão de dívida] a 10 anos a uma taxa 19% mais baixa do que há um mês atrás".
Um novo limiar psicológico
Opinião contrastante vem de Paris. "Este corte representa um novo limiar psicológico. É o fim simbólico do mundo do pós-guerra que conhecemos desde 1945", diz-nos Franck Biancheri, fundador do think tank europeu LEAP 2020.
O especialista em previsão tem vindo desde 2006 a chamar a atenção para o período de transição que se tem atravessado, cujo ritmo a crise financeira e a recessão a partir de 2008 apenas acelerou. "No segundo semestre de 2011, entraremos num nova fase desta crise, ainda mais dramática do que a do outono de 2008", refere. Um dos ingredientes vai ser o impacto do que se passar nos títulos do Tesouro americano. "Eles foram durante 70 anos a base em que funcionou a pirâmide financeira global. O corte do rating inicia o afundamento deste chão", conclui.
Chineses não vão ainda reagir
A reação chinesa tem sido muito citada nos media. Mas Michael Pettis, professor na Guanghua School of Management, em Beijing, em declarações ao Expresso acha que "este corte não vai ter nenhum impacto no custo dos títulos do Tesouro, depois de algumas semanas iniciais, até que os fundos que não podem ter ativos que tenham notação inferior a triplo A reajustem os seus portefólios".
A razão principal tem a ver com o comportamento dos chineses. "Eu penso que para a China isto é um não-evento. Não que os chineses não aproveitem para apontar a estupidez do processo político americano", refere-nos. A reação dos chineses será mais de aproveitamento político interno do que de mudança radical das suas aplicações. Um número tem de ser retido: 70% dos 3,2 biliões (3200 mil milhões) de reservas em divisas estrangeiras estão aplicados em ativos em dólares norte-americanos. Pelo que um processo de diversificação - que os chineses têm sublinhado - será gradual.
Pettis tem uma explicação simples para a cautela - na prática - por parte do Banco Popular da China [BPC, o banco central], apesar do radicalismo político nos comentários de alguns responsáveis. "Não se pode gerir um excedente na balança corrente se não se for um exportador de capital, por isso o BPC tem de exportar elevadas quantias de capital de modo a manter esse excedente comercial. E de modo a evitar a valorização do renminbi [a moeda chinesa, também designada por yuan], o BPC tem de ser capaz de comprar tantos dólares quanto o mercado o permita ao preço que for. Ele paga por esses dólares em renminbis", refere, para prosseguir: "Como é um enorme comprador de dólares, tem de os colocar num mercado que seja suficientemente amplo para absorver esse dinheiro - e isto é o ponto crucial - e cuja economia seja capaz de gerir um enorme défice comercial". Resposta: os Estados Unidos.
Em conclusão, diz-nos Michael Pettis: "As compras pelos chineses dos títulos americanos continuarão a aumentar até que haja uma grande viragem - e bem-vinda - nos desequilíbrios comerciais globais. Os chineses só poderão parar de comprar dólares quando tiverem re-equilibrado a sua própria economia e eliminado um excedente comercial gigante. E isto vai levar ainda muito tempo".
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