Faltam trens e metrô no mapa de São Paulo
Fonte: Valor Economico (retirado a partir do Blog do Nassif)
Paulo Totti
04/12/2007
Há algo de errado no mapa desta cidade. O estranho não está no fato de parecer um cogumelo atômico em processo controlado de explosão, ou inofensivo cachorrinho. O errado está nos traços fortes que destacam o seu sistema de transporte de massas. Há um desequilíbrio aí.
Trens e metrô operam principalmente no alto, ao Norte, e no lado esquerdo, a Oeste. O vazio que se percebe abaixo e do lado direito mostra que a região Sul e a parte meridional da região Leste são as que mais se ressentem de um meio de transporte rápido, confortável e limpo. Seu único meio de transporte é o ônibus e isso diz tudo: é lento e desconfortável.
Nesta São Paulo de 1,509 mil quilômetros quadrados e população de 10,8 milhões de pessoas, 35% dos embarques em ônibus ocorrem na Zona Sul e pouco mais de 30% na Zona Leste. Enquanto alguns bairros mais centrais chegam a registrar queda de habitantes, Sul e Leste superam a média metropolitana de crescimento (0,57% ao ano). A esperança dessa população, que é também a mais pobre, está nas linhas pontilhadas: indicariam que um dia o metrô vai chegar. Ou que será possível atingi-lo por meio de um sistema mais amplo de integração ônibus-metrô. Ou que será concluído o polêmico sistema que seu idealizador, o prefeito Celso Pitta (1997-2000), chamou de Fura-Fila e que mudou de nome para Expresso Tiradentes. As soluções estão todas estudadas, planejadas, decididas. Mas, por enquanto, só estão nos mapas.
"Nosso objetivo", diz Alexandre de Moraes, secretário Municipal de Transportes e também presidente da São Paulo Transportes S.A. (SPTrans), que fiscaliza e regula o transporte de ônibus na cidade, "é colocar um ponto de ônibus, integrado com metrô e trem, a 500 metros da casa de cada morador de São Paulo".
"O metrô vai dar um salto de qualidade e os trens vão funcionar com qualidade de metrô, até fins de 2010", assegura José Luiz Portella, secretário Estadual dos Transportes Metropolitanos e também presidente da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Durante duas semanas, o repórter do Valor cruzou São Paulo de ônibus, metrô, trem e Fura-Fila nos horários de pico. A intenção era constatar, do ponto de vista do usuário, do "cliente", a qualidade do serviço.
Ao fim desse esforço de acordar mais cedo e dormir mais tarde, a conclusão é que o transporte urbano vai mal. Os problemas são mais graves nas zonas Sul e Leste, mas também não estão resolvidos nas zonas Norte e Oeste. A situação pode melhorar no futuro, pois não se deve colocar em dúvida o propósito dos responsáveis pela prestação ou fiscalização dos serviços.
Mas, no presente, os ônibus - metrô e trens não se afastam dessa trilha de precariedade - operam numa situação que a própria Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), incluiu numa lista de exemplos de "iniqüidades": nos horários de pico, é comum a lotação de 10 passageiros em pé por metro quadrado. O "recomendável" seriam, "no máximo", seis passageiros nesse espaço.
Outra "iniqüidade" é a quase absoluta ausência de informação ao usuário. As pessoas ficam sabendo de onde sai seu ônibus, que trajeto ele faz, por erros e acertos, perguntando na rua. Empresas e SPTrans não "disponibilizam" - é o verbo da burocracia - informação nas paradas ou dentro dos próprios ônibus.
A madrugadora Margarida, doméstica que mora além do Jardim Ângela, na Zona Sul, resumiu: "Trabalhava perto do aeroporto de Congonhas e os patrões se mudaram para a Água Branca (Oeste). Duas semanas seguidas cheguei atrasada no serviço. Sabia que tinha que ir até Pinheiros e tomar outro ônibus. Mas ninguém sabia qual é o que me deixa mais perto da nova casa. Levei quinze dias pra aprender. Não fui despedida porque os patrões são gente fina e já me conheciam".
Dos 18,5 mil pontos de ônibus espalhados pela cidade, em nenhum deles - à exceção de alguns dos 28 terminais e dos dez corredores exclusivos - há informação sobre que linhas eles servem. Na maioria não há sequer o pequeno poste azul em que aparece, tão somente, o arrevezado T da SPTrans - como se a logomarca da autarquia substituisse com vantagem a prosaica placa "Ônibus". No seu interior, poucos ônibus, ao contrário do metrô, informa o trajeto que percorrem. Do lado de fora, pequenas placas mencionam apenas algumas avenidas ou praças. Motorista e cobrador e também os fiscais ("que só estão nas paradas para encher o ônibus, aos empurrões se for preciso", segundo um morador de Vila Prudente) raramente sabem se seu ônibus passa pela esquina X com Y.
Desde a prefeitura de Marta Suplicy (2001-2005) , alguns corredores de ônibus - por onde só trafegam coletivos e táxis - têm paradas com painéis eletrônicos que informam número e trajeto dos ônibus que estão para chegar. Já funcionavam precariamente naquela época e o serviço não é melhor agora. Durante 25 minutos de um fim de tarde na parada Guianas da avenida Nove de Julho, sentido centro, estratégico ponto do mais movimentado corredor da cidade (Santo Amaro/Nove de Julho/Centro, com 11 quilômetros de extensão e 585 mil passageiros/dia), o painel eletrônico só anunciou corretamente a chegada de um ônibus, o 6267, com destino à Praça da Bandeira. Na Praça Marechal Deodoro, avenida São João, sob o popular Minhocão, sentido bairro, o painel é mais ambicioso. Informa os minutos que os três próximos ônibus levarão para chegar. Das 19h10 às 19h32 de uma sexta-feira chuvosa acertou a chegada de dois ônibus, mas errou todos os minutos. O 8696, anunciado para chegar em dois minutos, demorou 13.
Ônibus são campeões no desrespeito ao "cliente", mas há deficiência de informação também nos trens e no Metrô. A estação Consolação do Metrô onde fica? Na avenida Consolação? Errado. Fica na Avenida Paulista, duas quadras e meia distante da Consolação, quase esquina da Haddock Lobo. Na Consolação não há sequer uma placa informando que a estação Consolação não é ali. E, na Paulista, descobre-se a entrada do metrô porque há um vão na calçada e as pessoas desaparecem dentro dele. Nos murinhos que protegem o buraco está ausente até o M, marca internacional do Metrô.
Quem vem de Santana e quer ir para Santa Cecília, o que faz quando chegar à estação da Luz? Sai a perguntar. Não há nada informando que se deve subir dois lances de escadarias e seguir para a direita. Como nos aeroportos, os saguões da Luz estão repletos de lojinhas, com funcionários atenciosos. Informe-se com eles.
Um terço dos moradores de São Paulo se movimenta a pé ou de bicicleta pelas ruas da cidade. Outro terço, de automóvel ou moto. E o terceiro em coletivos. A estimativa, arredondada, é do secretário Municipal de Transportes. O terço que anda a pé trabalha ou estuda no próprio bairro, ou em bairro próximo. Os restantes, mais de 7 milhões, já às seis da manhã, ou antes disso, começam a empilhar-se em trens, metrô ou ônibus, ou, de carro, a causar os famosos congestionamentos nas marginais dos rios Tietê e Pinheiros, que, outrora, praticamente demarcavam os limites da cidade e hoje caoticamente marginam o centro.
Noventa por cento dos que andam de automóvel viajam solitários nos horários de pico. Por dia útil, são 9,2 milhões de embarques nos 15.002 ônibus das 1.293 linhas existentes em São Paulo. No Metrô ou nos trens da CPTM ocorrem 3 milhões de embarques. O bilhete único de integração, hoje a R$ 2,30 estimulou o uso de mais ônibus pela mesma pessoa e, com um acréscimo de R$1,20, dá direito à integração com metrô ou trem. Tudo isso aumentou a demanda, acrescida por outro fator, constatado pelo secretário José Luiz Portella: "O poder aquisitivo da população de baixa renda cresceu, um novo contingente entrou no sistema", diz. Também há mais emprego, e os novos empregados passam a tomar condução nos horários de pico (antes, iam procurar trabalho em horas mais convenientes). Entre 2005 e 2006 houve um acréscimo de 1,4 milhão de passageiros/dia na malha Metrô-CPTM (efeito bilhete integração). Neste ano já há 250 mil passageiros a mais (efeito renda).
Nenhum ônibus, do mais moderno ao mais antigo, exibe informação sobre a lotação máxima permitida. No Largo da Batata ficou famoso o fiscal Carlão, de um consórcio que serve a zona Sul. Aos safanões, ele apressava saídas, superlotava ônibus e estabelecia ordem nas filas. Uma tarde levou uma surra de duas mulheres de guarda-chuva e nunca mais foi visto na área.
A superlotação chega ao auge entre 7h e 10h e 18h e 20h. Mas o desconforto começa bem antes das seis, em "Jardins" que o Brasil não conhece. Não são os bairros chiques do centro, Jardim Paulista, Jardim Europa. As multidões vêm do Jardim Eliza, na Zona Norte; do Jardim das Flores e D'Abril, na Oeste; do das Rosas, Ângela, ou Jacira, na Sul; do Luso, Selma, das Maravilhas e até do Jardim Piolho, na Zona Leste. São mais de cem os Jardins de São Paulo. E outros tantos Parques. Poucos com um conjunto de árvores ou gramado com flores que justifiquem o nome de jardim ou parque. Milhares desses moradores de Jardins desconhecidos ou mal-afamados vão prestar serviço - de office-boy a faxineiro, de recepcionista a segurança - nos Jardins de boa imagem. Outros vão fazer as mesmas coisas por toda a cidade. Ou trabalhar como operários, com a vantagem de ter condução fornecida pela empresa, se for uma grande fábrica. Mesmos estes têm problema, pois até chegar ao ônibus da fábrica, há longo trecho a percorrer desde casa.
Os congestionamentos no trânsito e a superlotação nos ônibus, trens e metrô ocorrem em horários coincidentes.
Como convencer os que andam de automóvel a trocá-lo pelo transporte coletivo? Primeiro é preciso atender bem o usuário pobre que usa o transporte público nesse horário. Segundo, ampliar a oferta de serviço. Questão óbvia de mercado: você conquista novos clientes a partir da satisfação da freguesia que já tem.
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