Nem dá para dizer que finalmnente alguém escreveu algo correto que não seja em livro sobre o conflito da Colombia, acho que depois de tanta bobagem dos Mervais da vida já até achava que não existia vida inteligente pensando o problema, quando me deparo com esse texto que coloca todas as questões e faz um apanhado histórico do que é o problema.
http://www.idelberavelar.com/archives/2 ... p#comments
Este post foi inspirado por um comentário da Ana Paula a um texto anterior. Agradeço à Ana Paula pela interlocução.
Saltam aos olhos nas discussões mais histéricas da direita sobre a Colômbia alguns fatos, vários deles óbvios pra quem olhou o assunto com um mínimo de interesse:
No conflito colombiano, o dinheiro da droga financia todos os lados, incluindo paramilitares e Estado. Falar de “narcoguerrilheiros” com relação às Farc é tão correto como falar de “narcoparamilitares” e “narco-estado”. É, digamos, correto num sentido (na medida em o dinheiro da droga é o eixo do financiamento) e incorreto em outro (na medida em que aqueles grupos cumprem vários outros papeis, que vão além do narcotráfico e não se resumem a ele).
À direita não interessa a reintegração pacífica das Farc, porque isso acarretaria a perda do seu bicho-papão, o desaparecimento da suposta ameaça que, sabemos, convoca toneladas de grana americana, através de projetos como o Plan Colômbia--emblema do estrepitoso fracasso que é a "guerra as drogas". Com o péssimo histórico de intervenção norte-americana na Colômbia, as coisas pioram ainda mais. As iniciativas de desarmamento com as que concordaram as Farc durante o governo de Belisario Betancourt (1982-86) resultaram em assassinatos de milhares de ex-guerrilheiros reinsertados: um enorme naco de todos os ex-combatentes que toparam ser candidatos ou líderes comunitários. O estado colombiano chegou ao ponto de chacinar líderes das Farc desarmados que se dirigiram a um encontro de negociação: o tipo de crime de guerra que teria horrorizado a qualquer um, de Napoleão a Clausewitz a Churchill. Ao longo das últimas décadas, a Colômbia viveu no que poderíamos chamar a Democracia dos Esquadrões da Morte. Tudo isso com dinheiro americano enviado para o exército sendo canalizado, direto, às mãos de paramilitares, processo documentado nas ligações de Ever Mendoza (codinome HH) e Mario Montoya, general colombiano condecorado em Washington.
Os colombianos sabem que a raiz do problema é o reconhecimento de que a Colômbia não vive uma “guerra ao terrorismo” (essa é uma “guerra” declarada pelos EUA, num estranho uso do termo, diga-se), mas um estado permanente de guerra civil. Esse condição, ao contrário do que sugeriu recentemente um ignorante editorial do Estadão, não começa com as Farc. Quando estas surgem, o conflito já tem pelo menos 15 anos. De forma que é totalmente enganoso e mentiroso dizer que "os colombianos estão sujeitos ao terror das Farc há 40 anos". Se o Estadão quiser fazer historiografia, tem que voltar a outra data: 9 de abril de 1948, assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, candidato liberal à Presidência, que vinha promovendo um esforço de paz para retirar a Colômbia do estado em que ela vivia desde o século XIX, o de intermitentes guerras civis (no século XIX foram quatro que atingiram dimensão nacional: 1876-77, 1885-86, 1895, 1899-1902).
Quando surgem as Farc, nos anos sessenta, já são mais de dez anos de matanças generalizadas na Colômbia. As Farc não eram o que são hoje: surgem como reação compreensível de autodefesa de camponeses e trabalhadores rurais, temperados de guevarismo, como todas as guerrilhas da época. Com o tempo, o isolamento e o beco-sem-saída do conflito, as Farc enveredaram pelo caminho que se conhece: o sequestro, o banditismo comum, as relações com o dinheiro da droga. Não é, hoje, evidentemente, um projeto que alguém de bom senso possa “apoiar” em qualquer sentido. Mas só por ignorância ou má fé se pode imaginar que esse era o caso em 1965.
Nas últimas décadas, as Farc são responsáveis por atrocidades e crimes. Mas em qualquer levantamento das atrocidades colombianas, bem mais de dois terços dos horrores são perpetrados por paramilitares e Estado (e, pior, às vezes pelas duas forças conjuntamente). Até os relatórios das gringuíssimas agências de direitos humanos mostram isso.
Ninguém em sã consciência vai "apoiar” as Farc, mas elas são um dos atores armados a se sentar à mesa de negociação. Elas têm 60 prisioneiros. 600 dos seus homens estão em cárceres do estado. Uma enorme proporção dos que se desarmaram e se converteram em “reinsertados” foi vítima de assassinato. É óbvio que, dado o histórico da Colômbia, algum tipo de garantia de segurança é o básico para qualquer ator armado que se desarma. Esse foi um dos eixos de processos de paz como o da Irlanda do Norte. Mas enquanto o conflito colombiano for entendido com a língua estadunidense da “guerra ao terrorismo”, isso não acontece. Porque com o “terrorista” você não se senta.
Enquanto a solução definitiva de paz não acontece, no Brasil uma direita irresponsável e um jornalismo pedestre, ignorantes da diferença entre Medellín, Bogotá, Cali e Barranquilla, ficam brandindo termos como “narcoterroristas”, sem incentivar nenhuma saída que não seja mais violência. Fazem isso agora, sabemos, por puro desespero político-eleitoral. Vêm enganando, felizmente, um número cada vez menor de incautos.