A magnitude dos gastos com juros
Autor(es): Sergio Lamucci
Valor Econômico - 28/12/2012
Fonte:
http://clippingmp.planejamento.gov.br/c ... -com-juros
A discussão sobre política fiscal no Brasil costuma deixar em segundo plano as despesas financeiras, apesar de os gastos com juros do setor público superarem com folga os R$ 200 bilhões por ano. Nos 12 meses até outubro, a diferença entre os juros pagos e os recebidos pelo conjunto formado por União, Estados, municípios e estatais (exceto Petrobras e Eletrobrás) somou R$ 217 bilhões, ou cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa montanha de dinheiro equivale a quase 11 vezes o orçamento de 2012 do Bolsa Família, que beneficia 13,7 milhões de famílias.
A boa notícia é que os gastos financeiros estão em queda, tanto em valores absolutos como em proporção do PIB. O corte expressivo da taxa Selic desde o ano passado colaborou para reduzir as despesas líquidas com juros, que em janeiro deste ano haviam atingido R$ 237 bilhões no acumulado em 12 meses, ou 5,7% do PIB. Os gastos líquidos levam em conta o saldo entre os juros pagos e recebidos pelo setor público.
O ponto é que a diminuição das despesas com juros tem sido mais lenta que a sugerida pelo tombo da Selic - de agosto de 2011 a outubro de 2012, caiu de 12,5% para 7,25% ao ano. Como adverte há tempos o especialista em contas públicas José Roberto Afonso, a Selic deixou de ser uma boa referência para a magnitude dos gastos com juros no Brasil. O custo efetivo da dívida líquida do setor público, dado pela chamada taxa implícita, é hoje muito mais alto que a Selic, além de ter caído menos, diz Afonso, assessor técnico da subcomissão de assuntos tributários do Senado. A taxa implícita acumulada em 12 meses recuou de 16,7% ao ano em agosto de 2011 para 15,3% em outubro de 2012, uma queda de 8,4% em termos relativos. Nesse período, a Selic em 12 meses caiu de 11,4% para 9,2%, uma baixa de 19,3%.
Despesas financeiras superam R$ 200 bilhões
A Selic influencia hoje menos os gastos com juros em parte porque corrige uma fatia menor da dívida pública. Os papéis prefixados ou atrelados à inflação respondem por mais de três quartos da dívida interna em títulos do governo federal.
Outro motivo fundamental é que, nos últimos anos, houve um aumento expressivo dos reservas internacionais e dos empréstimos do Tesouro para os bancos públicos. Com isso, cresceu a diferença entre o rendimento e o prazo dos ativos do setor público (como as reservas e os empréstimos aos bancos) e os seus passivos (como os títulos da dívida), o que fez saltar a distância entre a taxa implícita e a Selic.
As reservas internacionais estão hoje próximas de US$ 380 bilhões. No fim de 2004, estavam abaixo de US$ 53 bilhões. Ao comprar dólares no mercado, o BC aumenta o volume de reais na economia, retirados de circulação por meio de operações compromissadas, pelas quais vende títulos públicos, com a promessa de recomprá-los, pagando juros próximos à Selic. Os dólares adquiridos pelo BC, por sua vez, são aplicados no exterior a taxas bem mais baixas do que a Selic. O custo de ter reservas elevadas é alto, ainda que o recuo recente dos juros básicos por aqui tenha diminuído a distância das taxas em vigor nos países desenvolvidos.
Há discussão entre os economistas se vale a pena continuar a acumular reservas internacionais, mas elas são um trunfo importante para proteger o país em caso de agravamento do cenário externo, caso haja risco de diminuição ou interrupção do fluxo de capitais. Depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o nível elevado de reservas contribuiu para reduzir o impacto da crise global sobre o Brasil.
Os empréstimos para os bancos públicos aumentaram muito depois da crise de 2008. Os créditos do Tesouro para instituições financeiras oficiais pularam de R$ 14 bilhões em 2007 para os atuais R$ 390 bilhões, com os empréstimos para o BNDES totalizando R$ 354,6 bilhões. "É um volume enorme, que não para de subir", diz Afonso. Os aportes continuaram a ser realizados em montantes significativos, mesmo num quadro bem diverso do registrado em 2008 e 2009, quando os bancos privados travaram o crédito.
Afonso aposta em novos empréstimos do Tesouro para o BNDES no ano que vem, lembrando que o governo anunciou a prorrogação até o fim de 2013 do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), a linha subsidiada do banco para financiar bens de capital, no valor de R$ 100 bilhões. Para fazer essas operações, o Tesouro lança títulos em grande parte atrelados à Selic, e fica com créditos junto ao BNDES corrigidos pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que em janeiro vai cair dos atuais 5,5% para 5% ao ano. A diferença entre as taxas é menor do que no passado, mas a Selic ainda está mais alta que a TJLP, havendo também um descasamento de prazos entre créditos e débitos do Tesouro. Tudo isso contribui para manter elevada a distância entre o custo média da dívida e os juros básicos. Afonso critica ainda o fato de esses empréstimos não constarem do orçamento, não passando pelo crivo do Congresso.
A expectativa dominante entre os analistas é que a Selic ficará muito tempo nos atuais 7,25%. Mesmo quando voltar a subir, a taxa não tende aumentar com força. Juros básicos de dois dígitos parecem hoje fora do radar. Nesse cenário, os gastos financeiros do setor público deverão seguir em baixa, mas o ritmo de queda poderá frustrar os que esperam uma grande economia de juros por causa da queda da Selic.
O recuo dos juros básicos é positivo, mas não vai se traduzir numa redução expressiva dos gastos financeiros, diz Afonso. Para ele, a Selic mais baixa não vai abrir um grande espaço fiscal para cortes de impostos ou elevação dos investimentos do governo em infraestrutura.
Em 2011, o saldo entre o que o setor público pagou e recebeu de juros ficou em R$ 236,7 bilhões, ou 5,7% do PIB. Neste ano, o número pode ficar na casa de 4,8% do PIB, o equivalente a cerca de R$ 212 bilhões. Para um país que já gastou mais de 9,5% do PIB com juros, como nos 12 meses até agosto de 2003, os quase 5% do PIB até parecem razoáveis, mas ainda é muito dinheiro - para comparar, a União deve investir algo como 1% do PIB neste ano, sem incluir os subsídios ao programa Minha Casa, Minha Vida.