TOMAR/REPORTAGEM | CAPACETES AZUIS PORTUGUESES PARTIRAM DO RI15 PARA A REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA
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Simulacro durante o aprontamento da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA. Foto: mediotejo.net
Chegámos ao mês de março, altura agendada para os 159 elementos da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA iniciarem a sua missão da Organização das Nações Unidas (ONU) na República Centro-Africana (RCA). Lá, a cerca de 5.000 quilómetros de distância do Regimento de Infantaria n.º 15 onde foram aprontados, enfrentam um teatro de operações marcado pela guerra civil que se arrasta desde 2013. Acompanhámos alguns momentos da preparação da força militar e ficámos a conhecer, na primeira pessoa, pormenores desta missão dos capacetes azuis que ostentam a bandeira nacional, assim como o próprio RI15.
Foi em Tomar, nas instalações do RI15, que iniciámos a nossa reportagem sobre a 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA, onde falámos com o Coronel de Infantaria Francisco Duarte, Comandante do RI15 sobre a unidade militar. A missão foi-nos dada a conhecer no mesmo local pelo Tenente-Coronel de Infantaria João Bernardino, Comandante do 1º Batalhão de Infantaria Paraquedista (1º BIPara) e responsável pela força militar conjunta que integra militares do Exército e da Força Aérea.
Mais tarde entrámos no cenário recriado da capital da RCA, Bangui, no Aeródromo Militar de Tancos (concelho de Vila Nova da Barquinha) durante a avaliação da prontidão para o combate (Combat Readiness Evaluation – CREVAL) por parte da Inspeção Geral do Exército e regressámos ao RI15 no momento simbólico da entrega do Estandarte Nacional pelo Chefe do Estado Maior do Exército, General Francisco Rovisco Duarte.
RI15: O PONTO DE PARTIDA
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Entrada do RI15, em Tomar. Foto: mediotejo.net
O RI15 – Regimento de Infantaria n.º 15 recebeu a missão de preparar a 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA. Uma responsabilidade que se junta às muitas outras assumidas na história da unidade militar cujas origens remontam à segunda metade do século XVIII, no tempo das “Novas ordenanças” do rei D. João V. Herdeiro do 2º Regimento de Olivença, o regimento que apronta o 1º Batalhão de Infantaria Paraquedista (1º BIPara) da Brigada de Reação Rápida (BrigRR) passou por diversos locais até ser transferido para Tomar em 1901.
A cidade templária acolheu-o primeiro no antigo Quartel de São Francisco, na Várzea Grande, onde voltou em 1939 depois de ter sido transferido para Lagos e estreou as atuais infraestruturas em 1964. O Coronel de Infantaria Francisco Duarte, confirma o peso histórico do regimento que assinala do Dia da Unidade a 19 de maio e que comanda desde janeiro de 2015, acrescentado pelo facto de ter sido a unidade militar mais condecorada do país até há cerca de cinco anos.
Não descarta que o feito possa ter resultado da “conjuntura” e do tempo de existência da unidade, mas salienta a “mística” vinda dos tempos de Gualdim Pais que motiva “os militares que por aqui passam a encarem aquilo que fazem com muito mais coragem e determinação”. Algo que sentiu quando chegou depois dos anos passados em Mafra como formando e instrutor e das missões que o levaram a viajar por Moçambique, Angola, Timor-Leste, Uganda, Afeganistão e o Comando da NATO em Nápoles.
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Coronel de Infantaria Francisco Duarte. Foto: mediotejo.net
O Comandante natural de Coimbra reconhece que a arte de comandar gera tanto de orgulho como de apreensão pela responsabilidade envolvida e que o funcionamento em grupo “tem de funcionar como uma máquina muito oleada”. “Para comandarmos”, continua, temos que gostar do que fazemos, temos que gostar das pessoas” pois a experiência confirmou-lhe que “o soldado, ou seja, a pessoa é o mais importante”.
O RI15 é uma unidade essencialmente paraquedista e tem na sua estrutura o Comando, a Companhia de Serviços e o 1º Batalhão de Infantaria Paraquedista (BIPara). A Porta de Armas é aberta à população em eventos pontuais, como o corta-mato infantil promovido anualmente pela Câmara Municipal de Tomar e o Coronel sublinha que “estamos abertos ao público de forma organizada”, mas não fazem “propaganda” do facto pois a missão do RI15 não é essa.
Falando de missão passamos para a da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA, que carateriza de “muito exigente”, “de interesse nacional” e “que requer grande prontidão, cumprida por forças especiais”. Um contributo, diz, para a credibilidade do país junto das entidades estrangeiras e para “o esforço coletivo de defesa, paz e bem-estar no mundo inteiro”. Acredita que os 159 militares têm noção de que “são os nossos embaixadores”.
A FORÇA MILITAR
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Simulacro durante o aprontamento da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA. Foto: mediotejo.net
Uma vez conhecidos o ponto de partida da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA e o espírito que envolveu a preparação da força militar composta por 156 elementos do Exército e três da Força Aérea, conversámos com a pessoa responsável pelo seu comando. Para o Tenente-Coronel de Infantaria João Bernardino esta missão tem um caráter especial pois nasceu em Luanda e simboliza o regresso ao continente africano, de onde saiu com cerca de cinco anos.
Conheceu a “mística” tomarense na adolescência, depois da família se mudar do Entroncamento, e quando foi colocado no RI15 no tempo do Batalhão de Infantaria Motorizada. O primeiro batalhão de paraquedistas chegou em 1996 ao RI15 e até à data contam-se 10 missões com passagem pela Bósnia, Kosovo, Afeganistão, Guiné, Iraque e Timor-Leste, nos três primeiros locais com a presença militar que comanda o 1º BIPara desde dezembro de 2016.
Esta é a sua oitava missão como Força Nacional Destacada, a primeira como comandante, e momento atual é encarado como o ponto alto da sua carreira, marcada desde quatro de setembro de 2017 pelo aprontamento da força militar que acompanhará na RCA durante seis meses. O processo teve como pilares “disciplina, treino e motivação” que resultaram, segundo os dados que partilha do Centro de Psicologia Aplicada do Exército, num grupo “coeso”, “moralizado” e “tecnicamente preparado” para a missão.
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Tenente-Coronel de Infantaria João Bernardino. Foto: mediotejo.net
A 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA é formada por um Comando e Estado-Maior, um destacamento de apoio constituído pelos módulos de Comunicações, Sanitário, Manutenção, Engenharia (com vocação para engenhos explosivos improvisados), Alimentação e Reabastecimento e Serviços, três pelotões de paraquedistas e uma equipa de controlo Aéreo Tático (TACP) da Força Aérea como força de manobra.
Alguns elementos do módulo de transmissões vêm da Companhia de Transmissões da BrigRR (Tancos) e outros do Regimento de Transmissões do Porto. A alimentação será assegurada por militares da Escola dos Serviços (Póvoa do Varzim) e a manutenção pelos oriundos do Regimento de Manutenção (Entroncamento). Por sua vez, o módulo sanitário junta elementos do Campo Militar de Santa Margarida (Constância) e da Direção de Saúde.
Acompanhámos os médicos Guilherme Assunção e Luís Duarte, os enfermeiros Sónia Rodrigues, Abel valente e André Silva e os socorristas Jorge Santos e Suzanne Pitois que receberam treino para enfrentar uma situação real de combate. No exercício a que assistimos, um militar português tinha sido atingido numa emboscada e, à semelhança, dos restantes elementos da força têm que “saber exatamente o que faz em prol da missão”.
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Exercício militar do modulo sanitário. Foto: mediotejo.net
Segundo o Tenente-Coronel, terão de funcionar “como um relógio suíço” pois “a força vale pelo seu coletivo”. Guilherme Assunção, com quem falámos posteriormente, partilha a ideia e destaca que o aprontamento é muito importante. Refere que o ambiente, a fauna e flora, serão o “maior desafio” do módulo sanitário, nomeadamente os mosquitos devido à transmissão de doenças infetocontagiosas derivadas do clima tropical que vão encontrar na RCA.
A força irá enfrentar outros desafios e a preparação não se restringe à parte técnica e táctica. O comandante sublinha a importância “da parte psicológica, da lealdade e da coesão”. Acrescenta-lhe o apoio familiar que foi salvaguardado com a criação do “núcleo de apoio à família” e a distribuição de folhetos para serem entregues em casa pelos militares com informações que permitem assegurar um contacto permanente nos casos em que as comunicações pessoais falham.
Outra iniciativa que marcou o aprontamento foi o lançamento da campanha de solidariedade “Ajude-nos a ajudar a República Centro Africana” que recebeu apoio de entidades públicas e privadas a nível nacional. Com a força militar chega à RCA equipamento escolar e desportivo que será entregue às escolas e instituições com o objetivo de contrariar a tendência crescente do surgimento dos “meninos- soldado”.
A AVALIAÇÃO E O ESTANDARTE NACIONAL
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entrega do Estandarte Nacional ao comandante da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA. Foto: mediotejo.net
A preparação é fundamental para que se atinjam os objetivos definidos, mas desengane-se quem pensar que o aprontamento basta. A 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA, tal como muitas outras, apenas foi declarada como estando preparada para o desempenho da sua missão depois de superar a validação interna num exercício realizado no Campo de Tiro de Alcochete e, mais tarde, pela Inspeção Geral do Exército durante o CREVAL (Combat Readiness Evaluation).
Este último momento de avaliação, o exercício Bangui 181, decorreu no Aeródromo Militar de Tancos, que alberga o Comando da BrigRR, e no Campo Militar de Santa Margarida. Estivemos no primeiro local, mas podíamos estar em Boda (Lobaye) para onde a força foi destacada na simulação preparada. Ao lado, que na verdade representa 180 quilómetros, encontrámos o Comando e Estado-Maior e uma equipa do destacamento de Apoio e Serviços.
A força ficará sediada no aquartelamento francês M. Poko, localizado na capital da RCA, Bangui, perto do aeroporto. Lá estará o Centro de Operações Táticas, onde nos cruzámos com o Coronel de Transmissões José Santos Rodrigues, chefe da equipa de inspeção composta por nove elementos que realizou a avaliação ao nível administrativo, logístico e tático, desde o plano de aprontamento à forma como os militares respondem nas ações.
Tomar/REPORTAGEM | Capacetes azuis portugueses partiram do RI15 para a República Centro-Africana
Coronel de Transmissões José Santos Rodrigues durante o CREVAL. Foto: mediotejo.net
Foi entre o briefing inicial e a apresentação da componente operacional que o Coronel nos referiu que a força é considerada capacitada se corresponder aos “requisitos que foram determinados pela NATO e pelas NU”. A check-list com os critérios é extensa, sublinha, e por norma os elementos da equipa de inspeção detetam “pequenos ajustes que é necessário fazer” dentro da área que cada um avalia.
Acrescenta que “quando uma força está a ser preparada e aprontada para um teatro de operações que existe uma exigência bastante forte, há uma grande concentração de esforços para que tudo isto corra bem”. Esse é o sentimento do Primeiro-Sargento Sandro Falcão, um dos elementos que integra a 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA na quinta missão em que participa, a primeira da ONU.
Para o militar habilitado a pilotar drones “cada missão é uma missão”. Diz que nos tempos que antecedem a partida é “na família” que pensa e as filhas, já crescidas, encaram a situação “aparentemente com naturalidade”. A missão em que a paz muitas vez envolve a guerra e se vai ajudar quem não conhece, deixando para trás quem se conhece, será desempenhada com um “sentido de missão” em que “os valores humanitários fazem toda a diferença”.
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Primeiro-Sargento Sandro Falcão. Foto: mediotejo.net
O Primeiro-Sargento sublinha ainda que o que move o grupo é “o sentido de corpo que temos, a camaradagem e podermos ajudar as populações” e quando questionado sobre o elemento fundamental para quem parte (a técnica, a robustez física ou a preparação mental) responde que o mais importante “é o homem, é a pessoa, é o militar” complementado pelo “sentido de todo” e a “interação pessoal”.
O “todo” esteve presente dias depois na Parada D. Nuno Alvares Pereira, no RI15, durante a cerimónia de entrega do Estandarte Nacional presidida pelo Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), General Francisco Rovisco Duarte. A comitiva formada por representantes de entidades civis e militares, nomeadamente a presidente da Câmara Municipal de Tomar, Anabela Freitas, e os comandantes de algumas unidades militares da região à passagem das cores da Bandeira Nacional para as mãos do Tenente-Coronel de Infantaria João Bernardino.
Um dia chuvoso a abençoar a partida da força que o CEME caraterizou como “preparada para enfrentar o desafio que se avizinha” numa missão que dá continuidade ao trabalho desenvolvido por Portugal no âmbito da segurança e paz no mundo. O General terminou a sua intervenção pedido aos 159 militares da 3ª Força Nacional Destacada-Conjunta/MINUSCA para manterem “os elevados padrões de exigência e profissionalismo” e procurar dar o melhor de si “em todas as circunstâncias”.
A GUERRA CIVIL NA RCA E A MINUSCA
O atual conflito na República Centro-Africana teve início com o derrube do presidente François Bozizé, em 2013, pelas forças rebeldes muçulmanas Séléka e a resposta da milícia cristã Anti-Balakas, composta por grupos armados da comunidade cristã. A presidência do primeiro muçulmano, Michel Djotodia, acabaria por dar lugar à eleição de Faustin-Archange Touadéra para o cargo, em 2016, num processo aparentemente pacífico e que chegou a ser aplaudido pela ONU.
No entanto, a violência intensificou-se em 2017 e, no passado dia 24 de janeiro, o Governo da RCA pediu ajuda para cerca de dois milhões e meio de pessoas, quase metade da população. O apelo foi feito durante a apresentação do plano de resposta humanitária para 2018, desenvolvido em conjunto com a ONU, e é uma das formas com que a instituição pretende dar resposta à guerra na antiga colónia francesa que já provocou milhares de mortos e deslocados.
A outra é através da presença das Forças de Paz no terreno, nomeadamente da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização na República Centro Africana, a MINUSCA, criada em abril de 2014 e que teve início em setembro desse ano. O objetivo primordial desta missão, prolongada por um ano pela ONU no passado mês de novembro, é proteger os civis nos confrontos, assim como de apoiar no processo de transição que envolve o desarmamento e desmobilização dos grupos rebeldes.
As Forças Armadas Portuguesas passaram a integrar missão em julho de 2016, tendo o Exército recebido a responsabilidade de aprontar uma Força Nacional Destacada (FND). A Brigada de Reação Rápida (BrigRR) foi definida como Unidade Organizadora e as duas primeiras missões desta FND empregue como Força de Reação Rápida (FRR) foram entregues ao Centro de Tropas Comandos (Sintra). A terceira foi aprontada no RI15 – Regimento de Infantaria n.º 15 (Tomar) e a quarta partirá do RI10 – Regimento de Infantaria n.º 10 (Aveiro).
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