Tepco, meio século a ocultar riscos nucleares
publicado 12:10 23 março '11
Tepco, meio século a ocultar riscos nucleares
Reactor nuclear nº 3 da central de Fukushima Dai-ichi Tepco, Epa
Em quê se distinguem a BP e a Tepco? A primeira extrai energia do petróleo, a segunda extrai-a do átomo. A primeira conspurcou as economias locais e os eco-sistemas do Golfo do México, a segunda tem o planeta inteiro como fronteira. E que há de comum entre elas? Ambas são especialistas em ocultar falhas de segurança e em proteger prioritariamente os seus investimentos, mesmo à custa de catástrofes sociais e ambientais.
Tepco, meio século a ocultar riscos nucleares
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Num momento em que os seis blocos de reactores de Fukushima voltaram a ter corrente eléctrica, com todas as consequências positivas que daí advêm para o controlo da catástrofe, o Japão vive dias, ainda, de socorro às vítimas sobreviventes do tsunami, de reorganização do quotidiano, de controlo do elevado nível de radiação libertada pelas instalações nucleares.
Ao mesmo tempo, começa também a discussão sobre o balanço da catástrofe. Ninguém pode impedir terramotos e maremotos. Mas quem constrói instalações sensíveis em zonas sísmicas está obrigado a precauções cuja observância agora se trata de avaliar e medir. E, quando a sensibilidade dessas instalações é a mais elevada que conhece o género humano, nomeadamente a própria de instalações nucleares, põe-se mesmo a questão de saber se elas deveriam ser admissíveis numa zona em que podem ocorrer sismos com uma graduação, também ela, máxima.
Para além desta questão mais geral, fica uma outra: será que a Tepco (Tokyo Electric Power Co), empresa que gere a central nuclear de Fukushima, fez tudo o que podia e devia para minimizar os riscos de instalações tão sensíveis numa zona tão perigosa? E, em caso de resposta negativa, será que as suas omissões constituíram excepção a uma regra de maior prudência?
A metáfora das duas moedas
À primeira questão, respondeu, em entrevista ao Wall Street Journal, um antigo administrador da Tepco, actualmente um dos rsponsáveis da Comissão de Energia Atómica do Japão, Akira Omoto: a empresa terá hesitado e perdido mais tempo do que o admissível até decidir o lançamento de água do mar sobre os reactores "de modo a proteger os seus bens". Um alto funcionário do Governo japonês, citado sob anonimato no site de Der Spiegel, reforça esta ideia: "É como se a Tepco tivesse deixado cair uma moeda de 100 yen para apanhar do chão uma moeda de 10 yen".
O motivo da prolongada hesitação terá sido o dilema que colocava o lançamento da água do mar sobre os reactores: com essa medida extrema podia-se impedir a temível reacção em cadeia, mas condenava-se os reactores, com todo o prejuízo daí decorrente.
Se se provarem acertadas as acusações de Akira Omoto e do anónimo funcionário governamental, a Tepco terá corrido o risco de uma reacção em cadeia para salvar o mais possível do seu capital investido em equipamentos da central de Fukushima. E, na verdade, a reacção em cadeia ameaçaria a moeda de 100 yen (o país inteiro, uma região do mundo, uma contaminação de parte do Oceano Pacífico), por contraste com a moeda de 10 yen (os equipamentos da central, por muito valiosos que sejam).
Uma coisa é certa, na metáfora das duas moedas: já em 15 de Março, cinco dias portanto após a ocorrência do Tsunami, irrompera na sede da Tepco o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, a interpelar violentamente os responsáveis da empresa por colocarem os interesses da empresa acima da segurança da população: "Não se trata aqui de a Tepco ir ao fundo, trata-se de o Japão ir ao fundo", terá afirmado Kan. E, em aberta manifestação de desconfiança ao comportamento da empresa, assumiu ele próprio a liderança do gabinete de crise.
Antecedentes da Tepco
O momento crucial para avaliar a atitude da Tepco perante a segurança das centrais nucleares foi há oito anos, em 2003, quando o então presidente da companhia, Tsuneshisa Katsumata, teve de suspender o funcionamento de 17 reactores nucleares e confessar a falsificação de 29 documentos que atestavam riscos incomportáveis em centrais geridas pela empresa. Na sequência das revelações de então, tiveram de demitir-se o director da empresa, Hiroshi Aki, e mais quatro gestores de topo.
O discurso então pronunciado por Katsumata procedia a dolorosas confissões: "Temos de reconhecer que não tínhamos regras claras para saber se o nosso material está em condições(...) Em lugar algum se afirmava que, como o tempo, instalações e equipamento sempre se desgastam e têm falhas".
Kastumata fundava também o anúncio de uma nova cultura de empresa e de um código de ética mais rigorosa na constatação de que os engenheiros da Tepco, "repetidamente tomavam decisões baseadas nas suas próprias concepções sobre segurança". Essas concepções eram, por outro lado, altamente permissivas, porque "os membros da secção de energia tinham a tendência de encarar como seu objectivo supremo a estabilidade da corrente eléctrica".
Essa secção terá finalmente escapado a todos os controlos de segurança, porque "os engenheiros tinham tanta confiança nos seus conhecimentos sobre a energia nuclear que achavam desnecessário comunicar os seus problemas ao Governo". Esta auto-suficiência chegou finalmente ao ponto de "terem apagado dados e terem falsificado relatórios de inspecções e reparações".
http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t= ... ual=3&tm=7