Re: UCRÂNIA
Enviado: Seg Ago 25, 2014 7:05 pm
Compromisso à vista na Ucrânia?
Carlos Fino - Blog do Noblat - 25.08.14.
Mais de 2.000 mortos depois, os presidentes da Rússia e da Ucrânia, Vladimir Pútin e Petro Poroshenko, vão encontrar-se amanhã em Minsk, capital da Bielo-Rússia, para tentar um compromisso que ponha termo ao conflito armado em curso desde abril no leste ucraniano.
Promovido e mediado pela chanceler alemã Angela Merkel, o encontro tem alguma probabilidade de êxito, na medida em que o confronto chegou a um impasse e todas as partes envolvidas têm interesse em procurar uma saída negociada.
A Ucrânia, há anos a braços com uma profunda crise económica, financeira e demográfica, não está em condições de sustentar indefinidamente uma guerra que já ceifou a vida a centenas de militares e tende a suscitar crescentes protestos da população na retaguarda, pondo em causa a estabilidade do poder em Kíev.
As medidas draconianas impostas pelo FMI como condição para a concessão de empréstimos que evitem a falência do país – baixos salários, cortes nas pensões e aumento de 40 por cento do preço da energia - são por si mesmas suficientemente gravosas para provocar descontentamento.
Já hoje há racionamento da eletricidade e com a aproximação do inverno a situação só tenderá a piorar, tanto mais que o carvão também escasseia porque as principais minas estão situadas nas regiões em guerra.
Por outro lado, as tropas governamentais, apesar do avanço registado nas últimas semanas, não conseguiram retomar o controlo da situação no leste e há mesmo indícios de que pode ocorrer uma contra-ofensiva das forças rebeldes, que registaram algumas vitórias importantes nos últimos dias.
A Rússia tem outro fôlego e poderia aguentar melhor um conflito de baixa intensidade, limitando-se a fornecer apoio logístico e financeiro aos rebeldes. Mas Moscovo tem que arcar com o fluxo crescente de refugiados e uma situação de instabilidade permanente junto às fronteiras, dando pretexto para reforço da presença militar da OTAN na região e isolamento por parte dos países ocidentais, também não é do seu interesse.
Por fim, a Alemanha, ou seja, a Europa, também não quer uma guerra permanente com a Rússia.
O episódio das sanções demonstrou que tanto ou mais do que a Rússia, são alguns dos sectores agrícolas de países europeus - Polónia, Finlândia, Grécia, mas também Espanha, França, Alemanha... - que ficam seriamente prejudicados com o encerramento do mercado russo.
Mercado que aliás se arriscam a perder por muito tempo ou mesmo para sempre se o vazio for entretanto preenchido por exportações de outras regiões do mundo, designadamente da América Latina. As pressões dos meios de negócios europeus para se pôr termo às sanções têm vindo por isso a crescer de intensidade.
Tudo se conjuga, portanto, se houver um mínimo de bom senso, para que haja algum entendimento.
A Alemanha já deu o tom do que poderá ser a espinha dorsal desse compromisso: Sigmar Gabriel, vice-chanceler e ministro da economia, declarou no passado fim de semana que a Ucrânia só conseguirá manter a sua integridade territorial se evoluir para um estado federal.
Esta tem sido precisamente a solução defendida pela Rússia como forma de assegurar influência na Ucrânia e evitar a sua entrada na OTAN, ficando com estatuto idêntico ao que têm a Finlândia e a Áustria.
Mas esta fórmula está longe de agradar a muita gente em Kíev, que acusará Petroshenko de traição se o líder ucraniano a aceitar.
Fortemente marcadas pela ocupação soviética que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, algumas forças políticas do leste europeu, incluindo na Ucrânia, alimentam um compreensível sentimento anti-russo, que tem eco nalgumas capitais europeias e sobretudo em Washington (mais no Capitólio, mas também na Casa Branca), as quais prefeririam manter o nível de confronto como forma de enfraquecer o Kremlin.
O ressentimento, porém, é mau conselheiro e não constitui por si mesmo uma estratégia.
Como mostraram os acontecimentos dos últimos meses, uma escalada no confronto com o Kremlin levaria ou a um trágico confronto militar direto com a Rússia ou, na melhor das hipóteses, à renovação da guerra fria.
Ora ninguém na Europa parece ter apetite para uma coisa ou outra.
Na ausência do parceiro americano, russos e alemães poderão mesmo estar tentados a uma aproximação que marque um novo tipo de entendimento no velho continente e evite o confronto.
Uma coisa é certa: como notou Albert Einstein, “Os problemas não podem ser resolvidos pelo mesmo nível de pensamento que lhes deram origem”.
_________________________________
Carlos Fino é um jornalista internacional português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP - televisão pública portuguesa - em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, tendo coberto diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. Costuma ser lembrado como "aquele repórter do furo mundial", por ter sido o primeiro a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na última Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), onde atualmente reside.
Carlos Fino - Blog do Noblat - 25.08.14.
Mais de 2.000 mortos depois, os presidentes da Rússia e da Ucrânia, Vladimir Pútin e Petro Poroshenko, vão encontrar-se amanhã em Minsk, capital da Bielo-Rússia, para tentar um compromisso que ponha termo ao conflito armado em curso desde abril no leste ucraniano.
Promovido e mediado pela chanceler alemã Angela Merkel, o encontro tem alguma probabilidade de êxito, na medida em que o confronto chegou a um impasse e todas as partes envolvidas têm interesse em procurar uma saída negociada.
A Ucrânia, há anos a braços com uma profunda crise económica, financeira e demográfica, não está em condições de sustentar indefinidamente uma guerra que já ceifou a vida a centenas de militares e tende a suscitar crescentes protestos da população na retaguarda, pondo em causa a estabilidade do poder em Kíev.
As medidas draconianas impostas pelo FMI como condição para a concessão de empréstimos que evitem a falência do país – baixos salários, cortes nas pensões e aumento de 40 por cento do preço da energia - são por si mesmas suficientemente gravosas para provocar descontentamento.
Já hoje há racionamento da eletricidade e com a aproximação do inverno a situação só tenderá a piorar, tanto mais que o carvão também escasseia porque as principais minas estão situadas nas regiões em guerra.
Por outro lado, as tropas governamentais, apesar do avanço registado nas últimas semanas, não conseguiram retomar o controlo da situação no leste e há mesmo indícios de que pode ocorrer uma contra-ofensiva das forças rebeldes, que registaram algumas vitórias importantes nos últimos dias.
A Rússia tem outro fôlego e poderia aguentar melhor um conflito de baixa intensidade, limitando-se a fornecer apoio logístico e financeiro aos rebeldes. Mas Moscovo tem que arcar com o fluxo crescente de refugiados e uma situação de instabilidade permanente junto às fronteiras, dando pretexto para reforço da presença militar da OTAN na região e isolamento por parte dos países ocidentais, também não é do seu interesse.
Por fim, a Alemanha, ou seja, a Europa, também não quer uma guerra permanente com a Rússia.
O episódio das sanções demonstrou que tanto ou mais do que a Rússia, são alguns dos sectores agrícolas de países europeus - Polónia, Finlândia, Grécia, mas também Espanha, França, Alemanha... - que ficam seriamente prejudicados com o encerramento do mercado russo.
Mercado que aliás se arriscam a perder por muito tempo ou mesmo para sempre se o vazio for entretanto preenchido por exportações de outras regiões do mundo, designadamente da América Latina. As pressões dos meios de negócios europeus para se pôr termo às sanções têm vindo por isso a crescer de intensidade.
Tudo se conjuga, portanto, se houver um mínimo de bom senso, para que haja algum entendimento.
A Alemanha já deu o tom do que poderá ser a espinha dorsal desse compromisso: Sigmar Gabriel, vice-chanceler e ministro da economia, declarou no passado fim de semana que a Ucrânia só conseguirá manter a sua integridade territorial se evoluir para um estado federal.
Esta tem sido precisamente a solução defendida pela Rússia como forma de assegurar influência na Ucrânia e evitar a sua entrada na OTAN, ficando com estatuto idêntico ao que têm a Finlândia e a Áustria.
Mas esta fórmula está longe de agradar a muita gente em Kíev, que acusará Petroshenko de traição se o líder ucraniano a aceitar.
Fortemente marcadas pela ocupação soviética que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, algumas forças políticas do leste europeu, incluindo na Ucrânia, alimentam um compreensível sentimento anti-russo, que tem eco nalgumas capitais europeias e sobretudo em Washington (mais no Capitólio, mas também na Casa Branca), as quais prefeririam manter o nível de confronto como forma de enfraquecer o Kremlin.
O ressentimento, porém, é mau conselheiro e não constitui por si mesmo uma estratégia.
Como mostraram os acontecimentos dos últimos meses, uma escalada no confronto com o Kremlin levaria ou a um trágico confronto militar direto com a Rússia ou, na melhor das hipóteses, à renovação da guerra fria.
Ora ninguém na Europa parece ter apetite para uma coisa ou outra.
Na ausência do parceiro americano, russos e alemães poderão mesmo estar tentados a uma aproximação que marque um novo tipo de entendimento no velho continente e evite o confronto.
Uma coisa é certa: como notou Albert Einstein, “Os problemas não podem ser resolvidos pelo mesmo nível de pensamento que lhes deram origem”.
_________________________________
Carlos Fino é um jornalista internacional português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP - televisão pública portuguesa - em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, tendo coberto diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. Costuma ser lembrado como "aquele repórter do furo mundial", por ter sido o primeiro a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na última Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), onde atualmente reside.