01/03/2007
Paramilitares colombianos "traídos" ameaçam revelar vínculos comprometedores com o governo
Andy Webb-Vidal
em Bogotá
Salvatore Mancuso, um comandante de alto escalão das Forças Unidas de Auto-Defesa da Colômbia, um grupo paramilitar ilegal, dorme em um bunker subterrâneo dentro de uma pequena célula na prisão de segurança máxima de Itagüí, perto de Medellín. E ele não está de bom humor.
No decorrer dos últimos três anos, Mancuso e cerca de 31 mil dos seus colegas de combate vêm entregando as suas armas como parte de um plano prioritário de Alvaro Uribe, o presidente da Colômbia, para pacificar uma nação marcada por anos de violência interna.
Mas agora o processo de paz está se desintegrando. Chefes paramilitares como Mancuso alegam que foram traídos, os ex-camaradas combatentes estão novamente carregando os fuzis e Uribe se defronta com um turbilhão político que ameaça deixar o seu governo incapacitado para agir.
"Supunha-se que este seria um processo de reconciliação", reclama Mancuso, 43, que divide o seu bloco na prisão com outros 58 chefes paramilitares. "Mas até agora o que vimos foi só retaliação."
Ele e os seus camaradas, que têm nomes de guerra como Jorge 40, Don Berna e Macaco, jamais esperavam parar em Itagüí, para onde foram transferidos em dezembro, após deixarem uma colônia de férias reformada.
A desconfiança no governo paira sobre o processo de paz, e o temor de que Uribe possa assinar a ordem de extradição de alguns dos chefes militares para os Estados Unidos devido a acusações de narcotráfico compeliu cerca de 5.000 ex-combatentes a se reagruparem.
"Nós nos desmobilizamos completamente, mas o governo não cumpriu uma parte sequer dos seus compromissos verbais. Alguns comandantes retornaram às montanhas e se reintegraram", disse Mancuso ao "Financial Times". "E eu diria que 5.000 é uma estimativa conservadora."
Frank Pearl, o alto comissário de Uribe para reintegração, admitiu em janeiro que o governo "perdeu a pista" de 4.731 combatentes desmobilizados.
Segundo a Lei de Justiça e Paz que integrou os livros estatutários no ano passado, os comandantes paramilitares contam com o benefício de uma pena máxima de oito anos de prisão, caso confessem a culpa por crimes de que são acusados e paguem indenizações às famílias das vítimas.
Como poderiam ser condenados segundo a lei comum e pegar sentenças mais longas caso se recusassem a confessar os crimes de que são acusados, os advogados envolvidos no processo dizem que os réus estão dispostos a admitir a culpa.
Mancuso, que foi o primeiro a testemunhar, narrou com detalhes dezenas de operações que comandou, e que resultaram no assassinato de mais de 300 pessoas.
No entanto, o processo de paz já precário está esbarrando agora em um obstáculo extra: as outrora semi-secretas conexões entre os comandantes presos em Itagüí e o establishment político da Colômbia estão subitamente sendo reveladas.
Uma investigação liderada pelo Supremo Tribunal da Colômbia resultou apenas neste ano na prisão de oito legisladores - todos estreitamente aliados a Uribe - pela suposta conspiração com grupos paramilitares para fraudar eleições regionais.
Na semana passada o ministro das Relações Exteriores foi obrigado a renunciar depois que o seu irmão, um senador, foi detido.
E o que é pior, na sexta-feira Jorge Noguera, o ex-diretor de inteligência do Estado, uma figura que durante o primeiro mandato de Uribe era tido como um dos seus assessores mais confiáveis, foi preso por ter supostamente auxiliado os paramilitares.
Considerando que o mais delicado escândalo político enfrentado por Uribe, um aliado-chave de Washington na região, desde que este foi eleito em 2002, se movimenta na direção do centro do poder, os observadores especulam que as poucas prisões feitas até o momento são apenas a ponta do iceberg.
Detalhes sobre os vínculos entre os chefões paramilitares, os políticos, os líderes empresariais e os generais, que podem em breve ser revelados por Mancuso e os seus colegas em Itagüí, poderiam fazer com que outras figuras proeminentes do governo fossem para a cadeia.
Mancuso e os seus camaradas falam que mantinham "amizades" com nada menos que 50 deputados e 33 senadores - o que representa um terço do Congresso Colombiano.
Analistas em Washington estão acompanhando atentamente o escândalo, que alguns membros do Congresso apelidaram de "para-gate".
Embora autoridades do governo colombiano digam que a investigação comprova o poder e a autonomia das instituições estatais, o caso é embaraçoso para Uribe, que deverá receber o presidente George W. Bush no dia 11 de março próximo.
Mais o mais sério é que o "para-gate" está ameaçando prejudicar as chances de que a Colômbia feche um acordo comercial com os Estados Unidos e pode impedir que o governo colombiano receba uma ajuda militar e para o combate ao narcotráfico no valor de US$ 3,9 bilhões (2,6 bilhões de euros, dois bilhões de libras esterlinas), apesar do apoio do governo Bush.
"Todos estão ansiosos por saber onde é que isso vai parar", diz Adam Isacson, do Centro de Política Internacional, em Washington. "Internacionalmente, o fato tem sido bem negativo. Isso não poderia ter ocorrido em um momento pior para Uribe, com um novo Congresso democrata nos Estados Unidos que não está particularmente inclinado a lhe conceder tudo o que ele necessita."
Tradução: UOL
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