Querem tirar os militares do controle aéreo

Assuntos em discussão: Força Aérea Brasileira, forças aéreas estrangeiras e aviação militar.

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#31 Mensagem por Penguin » Dom Nov 19, 2006 12:50 pm

FSP, 19-11 (NOTIMP)

45 dias após acidente da Gol, aeronaves quase colidiram

Segundo controladores de vôo, um avião comercial passou a 3,7 km de outro, da FAB

Aeronáutica disse que não há nenhum registro de incidente envolvendo aeronaves civis ou militares e o controle de tráfego


LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na última segunda, 45 dias depois do acidente do vôo 1907 da Gol que deixou 154 pessoas mortas, outros dois aviões também quase se chocaram no ar, segundo relatos de controladores de tráfego aéreo de Brasília. O incidente teria ocorrido no começo da tarde, quando um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) e um avião comercial se cruzaram a menos de 2 milhas náuticas (3,7 km) de distância.

Em nota, a Aeronáutica disse que "não há nenhum registro de qualquer tipo de incidente envolvendo aeronaves civis ou militares e o sistema de controle de tráfego aéreo". Mas detalhes da ocorrência foram relatados à Folha durante a semana por três controladores, que pediram para não ser identificados por medo de retaliação.

Um "raspão" a essa distância é considerado grave, mas não é crítico -os aviões não precisaram manobrar para evitar uma colisão. No controle aéreo, o normal é manter uma distância de dez milhas náuticas (18,5 km) entre aviões -o mínimo aceitável são cinco milhas náuticas (9,25 km) na mesma altitude ou mil pés (300m) de distância em altitude.

É função do controlador assegurar isso, vigiando a velocidade, altitude e rota dos aviões em seu setor e contatando os pilotos quando necessário. Mas, duas semanas depois do acidente da Gol, a Aeronáutica determinou que vôos militares fossem monitorados em outra sala, pela Defesa Aérea.

Como eh isso? controle de trafego jah separado da defesa aerea? Nao eram juntos?

Com isso, esses vôos estariam imunes à "operação-padrão", o controle de fluxo aéreo que começou nessa época. O avião com plano Vocom (Vôo de Circulação Operacional Militar) aparece no console do controlador, mas não é de responsabilidade de seu setor.

O incidente de segunda, segundo relato de um controlador, ocorreu por volta das 15h.

Um avião comercial com direção ao Sudeste do país estava em procedimento de subida saindo de Brasília. No sentido contrário, em nível baixo mas estável, vinha um avião da FAB.

Por alguns instantes, o controlador no console da área São Paulo do Cindacta-1 empalideceu e ficou sem ação: os pontos que representam os dois aviões se sobrepuseram na tela do radar. Eles passaram a 2 milhas náuticas (3,7 km) um do outro. Considerando a velocidade e direção contrária dos aviões, é possível que os pilotos não tenham visto o que aconteceu.

Porém, a aproximação dos pontos na tela de radar pôde ser percebida. Mas a confusão na sala de controle teria tirado a concentração do controlador que acompanhava o setor. Segundo o procedimento, qualquer violação de segurança que não resulte em acidente é considerado um "incidente aéreo" e deve ser registrado para investigação interna.

Tensão

Véspera do aquartelamento e da troca de comando do Cindacta-1, a segunda foi um dia de tensão. Após o segundo final de semana de atrasos e confusões com os vôos, controladores já acumulavam o estresse e o desgaste da escala emergencial.

Alguns teriam passado mal. Em duas ocasiões, controladores teriam rejeitado o que consideram "interferência" da Defesa Aérea em seus consoles. A Aeronáutica nega dificuldades.

Mas a própria divisão no controle de vôos militares e civis ajudou a alimentar o atual movimento dos operadores de Brasília. Se queixam do risco de vôos fora de seu controle direto mas com direito a zonas exclusivas de tráfego e "furando a fila" de pousos e decolagens. A regra valeria também para vôos militares que transportam ministros de Estado a trabalho.




PRick

#32 Mensagem por PRick » Dom Nov 19, 2006 2:19 pm

Alcantara escreveu:
PRick escreveu:O ÚNICO que tem que cair na real é VC,

A situação de fato era um trafego aéreo insignificante na hora do acidente. Não explicando, portanto, o erro cometido. Por sinal, soma de erros, parece ser o que de fato ocorreu.

Se VOCÊ soubesse do que se trata o assunto, saberia que cada operador cuida de um setor e que a quantidade de tráfego que eles cuidam está acima da média considerada segura. O fato de NAQUELA área o tráfego ser baixo não significa que em outros setores sob a responsabilidade dos controladores também seja.

Imagem

PRick escreveu:A diferença é que não sou LEVIANO como a IMPRENSA, pq acusa sem provas, são irresponsáveis, pq querem vender jornais e favorecer seus acobertados políticos.

Que devem ser os mesmos do PT, já que a Globo também apoiou o PT. Vai ver a Globo faz parte da "Herança Maldita" :roll:

PRick escreveu:Já que vc sabia de tudo, então não precisa ler jornais, como falei não sou TELEGUIADO que tem preguiça de pensar, quem lê O GROBO e acredita, é pior de quem acredita no Sr. LULA.

Quantos jornais você lê por dia? Aliás, o que você lê?
Se você não acha importante ler jornal, tudo bem, é uma opinião sua, mas para poder FORMAR a minha, eu preciso saber dos FATOS.

"Eu não sabia" não combina comigo... :twisted:

PRick escreveu:O Controle Aéreo Brasileiro é interessante pq atua no mesmo sistema, todo o Controle de Vôo, é muito prático e mais rápido para atuação militar, mas parece que não atende a demanda civil, ou seja, ele é bom, mas concebido para um quantidade de vôos pequena, com o aumento substancial do Trafego Aéreo Civil, é preciso saber se o sistema pode dar conta da demanda.

O aumento na quantidade de operadores solucionaria o problema e ainda por cima economizaria muitas divisas para o país. Tudo dentro do mais alto padrão de segurança de vôo que sempre caracterizou o Sisdacta. Não é a toa que nós temos um controle aéreo considerado no mesmo nível do primeiro mundo.

PRick escreveu:É muito fácil para os Jornalistas, incapazes e levianos, ficarem escrevendo toda a sorte de bobagens, sobre coisas que jamais viram em suas vidas, como este Alexandre Garcia, o irmão mais esperto do Claudio Humberto. Apelido que conseguiu depois de falar algumas besteiras homéricas. :lol: :lol:

Você já pesquisou sobre o assunto? Pode afirmar que não existe greve em outros países? Que não existe sindicato ameaçando greve? Já parou pra ver se o Reagan demitiu mesmo os controladores e o porquê? :lol:


Uma lembrancinha pra você:

World Briefing | Europe: France: Strikes Strand Travelers

Published: May 28, 2003
Tens of thousands of air travelers were left stranded in the second air traffic controllers strike in as many months to protest the government's proposed pension changes. The walkout grounded 80 percent of the 4,000 flights that land or take off in France every day. Teachers extended their strike, the seventh such walkout. It has kept some children out of school for weeks. In Paris, garbage collectors stayed away from work for a second day, and in Marseille, just 21 of the city's 390 buses left the depot. Further protests loom, with transportation and civil service unions calling for an open-ended strike beginning June 3.

http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9F01E5D71131F93BA15756C0A9659C8B63&n=Top%2fReference%2fTimes%20Topics%2fSubjects%2fA%2fAir%20Traffic%20Control


Afinal, quem é leviano mesmo? :twisted:

Eu, antes de emitir a minha opinão, pesquiso antes... :wink:


Não foi o que saiu pela FAB, segundo a Força, apenas 06 aviões eram controlados no momento por cada controlador.

Se vc não percebeu, temos agora a internet, com acesso direto as agências de notícias e TV a CABO, muito mais rápidas e eficientes que jornais para saber das Notícias, não de opiniões ou crônicas sobre as Notícias ou das besteiras dos colunistas.

Ao contrário do que vc pensa, não está em consideração a criação de um novo sistema de hardware, mas o uso do que já existe, aumentando a rede de recepção, ou seja, podem ser usados os centros já existentes nos aeroportos, por exemplo, basta que existam mais centros de controle, consoles, estes serão civis, vale dizer, não precisam do aparato de defesa que os centros dos DACTAS. Existe controle aéreo no Rio de Janeiro e São Paulo, além do DACTA de Brasília. Não será preciso implantar uma nova rede de radares.

Mas em momento algum falei em Greve? O que não gosto é do sensacionalimos barato, de jogar uns contras os outros, de se ouvir pessoas para colocar fogo no circo. Somente com intuito de vender jornais e aparecer, nada mais. No entanto, este é um dos motivos que acho importante, existir uma carreira de Controladores Civis, que devem ser contratados pela CLT. E uma carreira de controladores militares que, inclusive, sirva como retaguarda para uma falha no sistema de controle civil.

Da mesma forma ANAC vai gerenciar todos os procedimentos civis, aeroportos, controle e trafego aéreo. Mas este sistema combinado, híbrido, deverá ser regulamentado e integrado, definindo as competências.

Está claro, que um sistema deste tipo tem que ser implantado com calma e profissionalismo, não dentro de um clima passional e irresponsável, como a imprensa vem conduzindo este debate.

[ ]´s




PRick

#33 Mensagem por PRick » Dom Nov 19, 2006 2:30 pm

msg duplicada




Editado pela última vez por PRick em Dom Nov 19, 2006 2:45 pm, em um total de 1 vez.
PRick

#34 Mensagem por PRick » Dom Nov 19, 2006 2:40 pm

Alcantara escreveu:
PRick escreveu:A Entrevista ao vivo com o Minitro, deixou bem claro, "nunca falei em desmitarização", isto é invenção da IMPRENSA MARRON, mentirosos, que colocam palavras na boca dos outros.

O Palhaço da Defesa a cada entrevista diz uma coisa diferente, ao sabor dos acontecimentos.

PRick escreveu:O problema não esta nos equipamentos, mas na forma como agimos, o Controle do Trafego Civil pode e deve ser monitorado pela FAB, mas não controlado.

E você sugere o que, então?

Se o controle aéreo "pode e deve ser monitorado pela FAB", a ANAC vai fazer o que? Gastar bilhões de dólares para criar um sistema paralelo? Para que a ANAC faça o controle aéreo do tráfego civil ela vai precisar dos equipamentos e dos sistemas hoje em uso no Sisdacta. Duvido que a parte militar tenha o gasto com a criação do sistema respeitado. é muito mais provavel que ela seja delapidada e com isso quem sai perdendo são os militares e, em última nálise, o Brasil já que eles são praticamente os únicos que pensam em defender o país.

PRick escreveu:Assim, em vez de entupirmos a FAB de Controladores de Vôo, vamos deixar os civis com as suas tarefas, e os militares com as suas. É por estes motivos que os efetivos de nossas FA`s não param de crescer.

[ ]´s

Eu prefiro entupir os Cindactas de operadores militares do que criar mais uma boquinha política e ficar refem de greves e sindicatos.

Quanto ao efetivo dos militares, é bom mesmo que aumente pois atualmente o seu número é irrisório frente ao tamanho do país a as suas necessidades.

Quando é do interesse da classe política, os militares são chamados para construir pontes, abrir estradas, reparar estradas, transportar urnas, apagar incêndios, resgatar corpos, e mais uma caraQ@$!@% de coisas. Tudo com eficiência e baixo custo para a nação.

Agora como querem um bode espiatório, nada melhor do que por a culpa nos "algozes" do passado que, devido a característica da profissão, vão carregar mais esse fardo nas costas sem nada reclamar.


Depois falam em delírio. :lol: :lol:

Eu vi ao vivo 04 entrevistas do Ministro, EM NENHUMA DELAS DECLAROU NADA SOBRE MILITARIZAÇÃO OU NÃO. Pelo contrário, desmentiu duas vezes, entrevistas escristas na IMPRENSA MARROM não valem, agora, só ao vivo e a cores.

Já respondi na outra MSG.

Bem, aqui o delírio se completa, vai contratar mais uns 200 mil militares, é depois reclama pro bispo quando não tivermos um único caça, navio ou MBT.

Sua maneira de pensa não é lúcida, mas passional. O sistema tem que ser revisto, e modificado. Agora, as especulações da imprensa não são a realidade. Não vi ninguém falar em fazer um sistema paralelo. Mas criar condições para que o setor civil possa investir recursos no controle aéreo, do modo como está hoje, a INFRAERO cuida só mesmo da infra dos aeroportos.

E tb fica claro, que não podemos agir de forma rápida, iso tem que ser pensado e modificado com calma, não durante a histeria mediática.

[ ]´s




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#35 Mensagem por Túlio » Dom Nov 19, 2006 4:03 pm

PRick, que tale largares do pé do Alcântara?

Notaste que estás discutindo sózinho?

A meu ver, EU ELE E TU temos o mesmo direito a uma opinião própria e, portanto, intrinsecamente pessoal. Temos igualmente o MESMO DIREITO de expô-la ao crivo de nossos colegas. Sim, temos...

Agora, O QUE NÃO TEMOS é que forçar os outros a concordarem conosco ou se renderem!

Reflitas, como refleti antes de elaborar este post: não sou nada nem ninguém A MAIS do que tu, somos ambos homens adultos, Brasileiros e Patriotas, então:

:arrow: É DEMOCRÁTICO EMPURRAR NOSSOS PONTOS DE VISTA GOELA ABAIXO DOS DEMAIS?

Eu penso o que quiser e posto neste sentido, mas SEMPRE buscando respeitar as demais opiniões, como respeito A TUA, e não é por ser Moderador que não posso ser chamado à atenção - e isso já aconteceu - por um colega, sou humano e erro igual a todos.

Assim, mais tolerância, tá tri?
:wink:




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P. Sullivan (Margin Call, 2011)
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#36 Mensagem por PRick » Dom Nov 19, 2006 5:00 pm

Eu diria caro Tulio,

Falam em democracia, mas não são democráticos, só são democráticos quando as opiniões são concordantes.

Não estou enfiando nada em ninguém, :lol:, estou apenas colocando minha opinião no mesmo grau das respostas recebidas. Mas não faço minhas opiniões fatos.

Por sinal, já estou cansado de repetidas injurias e outras coisas políticas, quando elas nos afastam dos fatos, do mesmo modo, de Jornais e Jornalistas que não tem crédito, ou seja, não levam nada a ninguém.

Existe um lugar para isto no Fórum, mas alguns "democratas" aqui não gostam de respeitar muito isto.

Mas fico por aqui em sua homenagem.

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#37 Mensagem por Túlio » Dom Nov 19, 2006 7:40 pm

PRick escreveu: Eu diria caro Tulio,

Falam em democracia, mas não são democráticos, só são democráticos quando as opiniões são concordantes.


Índio véio, conheço tanta gente assim... 8-]

PRick escreveu:Não estou enfiando nada em ninguém, :lol:,


Credo, nem falei nada, POWS!!!

Talvez o JLRC se entusiasmasse... :twisted:


PRick escreveu:estou apenas colocando minha opinião no mesmo grau das respostas recebidas. Mas não faço minhas opiniões fatos.


Tá tri, apenas te indiquei que estavas só na charla, só isso... :wink:

PRick escreveu:Por sinal, já estou cansado de repetidas injurias


Nas buenas, QUEM te injuriou? Num vi, e se visse, não ficaria de graça. bem sei o quanto vales para nós... :wink:


PRick escreveu:e outras coisas políticas, quando elas nos afastam dos fatos, do mesmo modo, de Jornais e Jornalistas que não tem crédito, ou seja, não levam nada a ninguém.


Mas e QUEM leva algo com isso, POWS???

Só os politiqueiros FDP... :twisted:

PRick escreveu:Existe um lugar para isto no Fórum, mas alguns "democratas" aqui não gostam de respeitar muito isto.


Há que se ter um pouco de tolerância...

PRick escreveu:Mas fico por aqui em sua homenagem.

[ ]´s


E eu te agradeço como AMIGO!




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#38 Mensagem por Penguin » Seg Nov 20, 2006 2:58 pm

ÉPOCA (Notimp - 20-11-2006)

Voar está mais arriscado?

Investigações sobre o desastre da Gol e movimento dos controladores de vôo mostram que o espaço aéreo do país não é tão seguro quanto se pensava

Ana Galli, Eduardo Vieira e Wálter Nunes

Se você tem alguma viagem de avião programada para o fim do ano, muna-se de paciência. É provável que a crise dos aeroportos no país se prolongue, no mínimo, até o início do ano que vem. Os atrasos têm atingido entre 20% e 40% dos vôos, dependendo do dia. Com o usual aumento de tráfego aéreo em dezembro e janeiro, os índices de atraso tendem a aumentar. Trata-se de um grande incômodo, que já causou prejuízos estimados em R$ 40 milhões, considerando apenas as empresas aéreas. Mas a alternativa - forçar os vôos a sair e chegar no horário - é pior. Há fortes indícios de que ela levaria a um aumento do risco de desastres, como a colisão entre um Boeing da Gol e um jato Legacy, em 29 de setembro, que matou 154 pessoas.

Especialistas no setor afirmam que existe um "gargalo aéreo" no Brasil. Ele se tornou evidente desde que as investigações sobre o acidente da Gol começaram a apontar possíveis falhas na orientação dos pilotos do Legacy. Essas falhas podem ter ocorrido por um misto de motivos técnicos e humanos. A partir daí, os controladores iniciaram uma operação-padrão para chamar a atenção para as condições em que trabalham (leia o quadro na sequência da matéria).

O problema se acirrou há quatro anos, quando uma regra estabelecida pelos órgãos internacionais de aviação, chamada RVSM (sigla em inglês para Redução da Separação Mínima Vertical), mudou a maneira de voar. Como o próprio nome diz, essa norma promoveu a redução da distância mínima vertical entre os aviões. Antes da RVSM, um avião podia passar 2.000 pés (cerca de 600 metros) acima ou abaixo de outro. Com a nova norma, a distância caiu para 1.000 pés (cerca de 300 metros). Essa regra foi adotada porque o número de passageiros vem crescendo ano a ano. Isso levou a um número maior de vôos. E, ao contrário do que se pode pensar, o céu não é infinito. Para acomodar os aviões extras, a distância entre as aerovias teve de ser encurtada.

Essa regra aumentou o risco de colisões entre aviões. Ela tem de ser compensada por um investimento maior em tecnologia e infra-estrutura. O Brasil fez isso, em parte. Os centros integrados de defesa e controle de tráfego aéreo, conhecidos pela sigla Cindacta, são modernos. O mais novo é o de Manaus, cujos equipamentos foram trocados no fim da década de 90 com a implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O Cindacta do Recife foi modernizado na primeira metade da década de 90. Os centros de controle de área restantes, de Brasília e Curitiba, foram montados no fim dos anos 80, mas estariam recebendo atualizações de equipamento da Aeronáutica a cada 12 meses.

Essa modernização ajuda a entender por que o número de acidentes diminuiu. Eram cerca de 400 casos por ano no fim da década de 70. Caíram para menos de 200 no início dos anos 90. Desde o ano 2000, o número de acidentes tem ficado estável, entre 50 e 60 por ano. Mas os equipamentos não são perfeitos. De acordo com o relatório preliminar do desastre do vôo 1907 da Gol, divulgado na quinta-feira 16, houve falha de comunicação entre a torre de controle de Brasília e o Legacy que abalroou o Boeing. Os pilotos do Legacy teriam tentado se comunicar com a torre de comando 19 vezes antes da colisão, sem sucesso. E mais nove depois do desastre. Só então conseguiram orientação para pousar. O coronel Rufino da Silva Ferreira, presidente da comissão que investiga o acidente, informou que as conclusões sobre o caso só devem ser divulgadas daqui a dez meses. Segundo ele, é o período para terminar de coletar e analisar os dados técnicos sobre a colisão. (Enquanto isso, os dois pilotos americanos do Legacy estão confinados em um hotel no Rio de Janeiro. Segundo relato de seus advogados, estão psicologicamente abalados. Na semana passada, eles entraram com ação de habeas corpus para obter seus passaportes de volta.)

Pilotos e controladores de vôo relatam que as freqüências de transmissão são "de péssima qualidade" entre Brasília e Manaus. "A partir de um marco conhecido como Teres (cerca de 480 quilômetros ao norte de Brasília), há um verdadeiro blecaute", diz o piloto de uma grande companhia aérea. "Ele só acaba quando o avião se aproxima de Manaus." É a área exatamente em cima da região da Serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy. "Naquele lugar, depender somente dos controladores é um risco", diz o piloto. "Quando passo por lá, fico de olho nos equipamentos da aeronave. Só confio neles."

Exatamente nestes quatro anos em que o tráfego aéreo se tornou mais movimentado, o país passou a investir menos no controle aéreo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está investindo no programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo cerca de 25% a menos que a média do que foi aplicado na gestão Fernando Henrique Cardoso. Entre 2003 e 2005, o governo investiu R$ 460,9 milhões em média por ano no setor de aviação. Entre 2000 e 2002, a média havia sido de R$ 612,5 milhões. "O Brasil está longe de ter uma operação de classe mundial em infra-estrutura", afirma um consultor especializado em aviação. s

De acordo com a organização não-governamental Contas Abertas, que acompanha os gastos da União, o programa tinha em caixa R$ 1,9 bilhão no último dia 31 de outubro. "Esse dinheiro deveria ter sido investido na aviação, mas vem sendo mantido em caixa para ajudar a União a garantir o superávit das contas públicas", afirma Daniel Mandelli Martin, ex-presidente da TAM. "Não faltam recursos. Falta transparência na captação e na aplicação do dinheiro e um plano de longo prazo para melhorar a infra-estrutura", diz André Castellini, sócio especializado em aviação da consultoria Bain & Company. "Falta fazer com que os recursos provenientes das tarifas pagas pelos passageiros e das empresas sejam utilizados na aviação."

Um documento do Conselho de Aviação Civil (Conac) assinado em 31 de outubro de 2003 pelo então ministro da Defesa, José Viegas, já antecipava o colapso do setor aéreo pela falta de aplicação de recursos. Mesmo assim, no Orçamento de 2007 está previsto um corte de 8% na verba do programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo. Isso numa área em que as decisões precisam ser tomadas com anos de antecedência. As próprias discussões sobre que investimentos fazer são demoradas. E o número de passageiros vem crescendo de 15% a 20% ao ano. Nesse ritmo, é provável que em três anos os aeroportos de São Paulo não dêem mais conta do movimento.

Com menos investimentos, menos contratações e mais vôos, a rotina dos controladores tornou-se mais difícil. Como forma de pressão, nas últimas semanas eles começaram a atuar estritamente dentro das normas de segurança. Bastou isso para criar a confusão do início do mês. Mas seguir as normas ao pé da letra não deveria causar tumulto nenhum. "Está claro que muitas normas de segurança têm sido dribladas no Brasil", afirma o suíço Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo. "As condições de trabalho dos controladores no Brasil são precárias. E o governo parece não ter como garantir a segurança do sistema."

Se é assim, por que não houve mais acidentes? Porque o sistema aéreo é projetado para ser exageradamente seguro. Para que um desastre ocorra, é necessária uma conjunção de fatores. Primeiro, as rotas são planejadas de antemão para que não haja surpresas. Se isso falhar, há os controladores para orientar os pilotos. Se uma nova falha acontecer, há equipamentos modernos que fazem o avião desviar do perigo automaticamente ou avisam o piloto de que algo errado está acontecendo. A chance de tantas falhas se acumularem é mínima. Mas não convém relaxar em nenhum dos sistemas de segurança independentes.

Um indício de que isso tem acontecido no Brasil é o número de "quase-acidentes". De acordo com pilotos e controladores de vôo, eles vêm aumentando. A Aeronáutica nega. Mas documentos internos do comando da Aeronáutica, obtidos pela reportagem de ÉPOCA, revelam pelo menos três incidentes críticos neste ano. Em todos os casos houve falha no controle aéreo, e o desastre só foi evitado por outros mecanismos de segurança. O próprio comando da Aeronáutica afirma que esse tipo de incidente só não resulta s em tragédia "devido ao acaso" (leia sobre dois casos no quadro abaixo).

Procurada por ÉPOCA, a Aeronáutica negou que os aviões voem muito próximos uns dos outros. A posição oficial é que "o espaço aéreo brasileiro segue as regras internacionais de conduta". Não é bem assim, pelo menos no que diz respeito às condições de trabalho dos controladores de vôo. A função deles é uma das mais estressantes do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Um controlador é responsável por monitorar vários aviões ao mesmo tempo. Cada avião é representado em uma tela por uma seqüência de letras e números que identificam a aeronave, apontam sua direção, informam velocidade, altitude real e altitude pretendida. O controlador precisa interpretar corretamente esses dados, que mudam a cada momento. E traduzi-los em instruções para os pilotos. Quando um controlador fica responsável por dez aeronaves, a tela de seu terminal se enche de letras e números (leia o quadro na sequência da matéria).

As condições de trabalho dos controladores no Brasil são piores que em outros países. A começar pela quantidade de aviões observados. Segundo recomendação da Organização Internacional da Aviação Civil, um profissional pode vigiar com segurança até 14 aviões ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, o máximo são seis aeronaves por controlador. Na Europa, são oito. No Brasil, antes da operação-padrão, cada controlador chegava a tomar conta de até 20 aeronaves simultaneamente, em horários de pico.

Nos EUA, há 24 mil controladores de vôo em atividade. A frota comercial é de cerca de 4 mil aviões. Aqui, a frota tem cerca de mil aviões, um quarto da americana. Mas há 2.700 controladores, um nono do total dos EUA. A jornada de trabalho, na teoria, é parecida. São cerca de 40 horas semanais e a cada duas horas de trabalho há uma pausa de 20 minutos para descanso. Só que no Brasil o controlador também tem atividades em suas horas de suposta folga. Há vários registros de controladores que não conseguiram trabalhar por ter passado horas em eventos fora do expediente. Como a chefia deles é militar, os controladores são obrigados a participar de palestras, marchar, ir a eventos, fazer educação física e até ficar de guarda nas horas em que deveriam estar descansando. Muitos têm ainda um segundo emprego. O que é contra as normas. A maioria dá aula em escolas de aviação, mas há até motoristas de táxi. Isso também é contra as normas. Mesmo com o salário considerado baixo, eles assumem um compromisso que os proíbe de ter outras atividades.

Os EUA nem são o exemplo mais avançado em condições de trabalho. Na Suíça, considerada o país com controle aéreo mais moderno do mundo, o sistema está nas mãos da empresa Skyguide, criada em 1931 pelo governo suíço. Um controlador da Skyguide é autorizado a trabalhar no máximo sete horas por dia. A cada duas horas de trabalho, tem de descansar por 20 minutos. Após mais duas horas, faz uma pausa de outros 50 minutos. A cada quatro dias, o controlador é obrigado a tirar dois dias de folga. Na Skyguide, os controladores descansam em "salas de conforto" com sofás para repousar ou dormir e aparelhos de televisão com DVD. Algumas salas têm camas.

A formação é outro marco de diferença. No Brasil, existem três carreiras de controlador de vôo. É possível ingressar na profissão por concurso público promovido pela Infraero, por concursos da FAB e pelo caminho militar, nos quais sargentos da Aeronáutica se tornam controladores. Se permanecer como civil, o controlador se forma técnico especializado. O candidato precisa ter ensino médio completo e passar por provas e exames médicos e psicológicos. O curso dura dois anos, não é pago e o aluno fica em sistema de semi-internato durante todo o período. Nos EUA, o candidato a controlador presta uma espécie de vestibular. O teste é feito por computador e dura oito horas. A prova é dividida em duas: teórica, com questões de conhecimento gerais (sobretudo física e geometria), e prática, com simulação de um cenário real. O candidato precisa ter no mínimo quatro anos de faculdade. Na Europa, a Skyguide recebe por ano 2 mil inscrições. Apenas 45 são selecionados. No fim do curso, que tem quatro anos de duração, 60% dos candidatos são reprovados.

Numa pesquisa recente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), analisou a profissão dos controladores e recomendou que o salário deles fosse equiparado ao dos pilotos de avião, uma vez que "as responsabilidades e a especialização das duas categorias são compatíveis". Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Nos EUA, o salário médio de um controlador é US$ 8.500, cerca de metade do de um piloto. No Brasil, dependendo da categoria em que se enquadra, a média do salário do controlador varia de R$ 2.800 a R$ 4.200, menos de um terço do que ganha um piloto.

A pesquisadora Rita de Cássia Seixas Sampaio Araújo estuda há dez anos as condições de trabalho dos controladores de vôo e o efeito da sobrecarga operacional na saúde e no desempenho profissional deles. Ela afirma que os controladores de vôo acumulam doenças como insônia, hipertensão e alterações gástricas e intestinais. Dores de cabeça são freqüentes. Alguns apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores, fadiga, taquicardia, azia, diarréia e perda de apetite.

Nem 80 nem 800

A Aeronáutica afirma que o caos do feriado de Finados, quando houve atrasos de até 12 horas, não se repetirá no Natal e no Ano-Novo. Desde a semana passada, tem agido com pulso mais firme para conter o movimento dos controladores de vôo. Chegou a promover um "aquartelamento". Exigiu que controladores levassem roupas de dormir para o trabalho, para cobrir as faltas decorrentes de um número recorde de pedidos de licença médica. Anunciou, também, que uma turma de 80 controladores está sendo formada para suprir a falta de pessoal.

"Nesse ritmo, teríamos de esperar dez anos para suprir a necessidade brasileira", afirma Ernandes Pereira da Silva, diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo. Segundo os controladores, para que o serviço fosse feito de forma confiável, seriam necessários pelo menos 3.500 profissionais. É um acréscimo de 800 em relação ao número atual. É bem provável que haja aí uma inflação, já que aos controladores interessa dizer que trabalham demais e ganham pouco. Mas é provável que o número correto esteja mais perto de 800 que de 80. "O movimento de passageiros dobrou nos últimos anos", diz Silva. O número de controladores não cresceu na mesma proporção.

A vida na torre de controle

O controlador de vôo é o responsável por monitorar o espaço aéreo brasileiro. Ele controla as trajetórias dos aviões e evita que duas aeronaves se choquem em pleno ar

O Brasil possui 2.700 controladores de vôo.
Mais de 80% são sargentos da Aeronáutica
Com as informações que recebe na tela, o controlador de vôo faz cálculos e transmite, por rádio, instruções para os pilotos


Nos EUA

Cada controlador de vôo nos Estados Unidos vigia no máximo seis aviões ao mesmo tempo. De duas em duas horas, ele descansa 20 minutos


CADA CONJUNTO DE LETRAS E NÚMEROS REPRESENTA UM AVIÃO.

Eles indicam o prefixo da aeronave e sua altitude, velocidade e trajetória. Os números mudam a cada instante

No Brasil

No Brasil, antes da operação-padrão, um controlador chegava a monitorar mais de 20 aviões simultaneamente. Esse número é maior que o máximo permitido pela Organização Internacional da Aviação Civil. Nas horas de folga, os controladores são obrigados a participar de atividades militares. Muitos têm um segundo emprego - o que é proibido


Campeões de estresse

A profissão é uma das que provocam mais problemas físicos Segundo a Organização Mundial de Saúde, controladores de vôo estão sujeitos a insônia, alterações gástricas e dores de cabeça por causa do estresse da função. Durante o expediente, muitos apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores e taquicardia. Problemas de visão também são relatados. Pesquisas demonstraram que a fadiga mina a eficiência dos controladores

Poderia ser pior

Documentos do Comando da Aeronáutica mostram que neste ano outros aviões estiveram muito perto de sofrer um acidente como o que derrubou o Boeing da Gol

19/5/2006

Um Boeing da Gol pede ao controle de vôo para descer de nível. A torre autoriza a manobra e o avião começa a descida. De repente, um avião que fazia exercícios de pára-quedismo cruza a frente do Boeing. O incidente foi considerado de alto risco de colisão

1. Avião da Gol pede permissão à torre de controle para descer
2. O controle autoriza o piloto inicia a descida
3. No trajeto, quase bate em um avião de pára-quedistas

30/6/2006

O piloto da Varig Augusto Nunes sobrevoa o espaço aéreo de Manaus. Após fazer uma curva à direita, a torre determina que ele mantenha o nível do vôo. Segundos depois, o susto: "Fui surpreendido por um vulto no pára-brisa". O vulto era um avião passando a apenas 50 metros a sua frente

1. Avião da Varig faz uma urva à direita
2. A torre instrui o piloto a manter o nível do vôo
3. Segundos depois, um avião cruza a frente da aeronave

Fotos: Martin Ruetschi/AP e Dida Sampaio/AE.




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#39 Mensagem por Penguin » Seg Nov 20, 2006 2:58 pm

ÉPOCA (Notimp - 20-11-2006)

Voar está mais arriscado?

Investigações sobre o desastre da Gol e movimento dos controladores de vôo mostram que o espaço aéreo do país não é tão seguro quanto se pensava

Ana Galli, Eduardo Vieira e Wálter Nunes

Se você tem alguma viagem de avião programada para o fim do ano, muna-se de paciência. É provável que a crise dos aeroportos no país se prolongue, no mínimo, até o início do ano que vem. Os atrasos têm atingido entre 20% e 40% dos vôos, dependendo do dia. Com o usual aumento de tráfego aéreo em dezembro e janeiro, os índices de atraso tendem a aumentar. Trata-se de um grande incômodo, que já causou prejuízos estimados em R$ 40 milhões, considerando apenas as empresas aéreas. Mas a alternativa - forçar os vôos a sair e chegar no horário - é pior. Há fortes indícios de que ela levaria a um aumento do risco de desastres, como a colisão entre um Boeing da Gol e um jato Legacy, em 29 de setembro, que matou 154 pessoas.

Especialistas no setor afirmam que existe um "gargalo aéreo" no Brasil. Ele se tornou evidente desde que as investigações sobre o acidente da Gol começaram a apontar possíveis falhas na orientação dos pilotos do Legacy. Essas falhas podem ter ocorrido por um misto de motivos técnicos e humanos. A partir daí, os controladores iniciaram uma operação-padrão para chamar a atenção para as condições em que trabalham (leia o quadro na sequência da matéria).

O problema se acirrou há quatro anos, quando uma regra estabelecida pelos órgãos internacionais de aviação, chamada RVSM (sigla em inglês para Redução da Separação Mínima Vertical), mudou a maneira de voar. Como o próprio nome diz, essa norma promoveu a redução da distância mínima vertical entre os aviões. Antes da RVSM, um avião podia passar 2.000 pés (cerca de 600 metros) acima ou abaixo de outro. Com a nova norma, a distância caiu para 1.000 pés (cerca de 300 metros). Essa regra foi adotada porque o número de passageiros vem crescendo ano a ano. Isso levou a um número maior de vôos. E, ao contrário do que se pode pensar, o céu não é infinito. Para acomodar os aviões extras, a distância entre as aerovias teve de ser encurtada.

Essa regra aumentou o risco de colisões entre aviões. Ela tem de ser compensada por um investimento maior em tecnologia e infra-estrutura. O Brasil fez isso, em parte. Os centros integrados de defesa e controle de tráfego aéreo, conhecidos pela sigla Cindacta, são modernos. O mais novo é o de Manaus, cujos equipamentos foram trocados no fim da década de 90 com a implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O Cindacta do Recife foi modernizado na primeira metade da década de 90. Os centros de controle de área restantes, de Brasília e Curitiba, foram montados no fim dos anos 80, mas estariam recebendo atualizações de equipamento da Aeronáutica a cada 12 meses.

Essa modernização ajuda a entender por que o número de acidentes diminuiu. Eram cerca de 400 casos por ano no fim da década de 70. Caíram para menos de 200 no início dos anos 90. Desde o ano 2000, o número de acidentes tem ficado estável, entre 50 e 60 por ano. Mas os equipamentos não são perfeitos. De acordo com o relatório preliminar do desastre do vôo 1907 da Gol, divulgado na quinta-feira 16, houve falha de comunicação entre a torre de controle de Brasília e o Legacy que abalroou o Boeing. Os pilotos do Legacy teriam tentado se comunicar com a torre de comando 19 vezes antes da colisão, sem sucesso. E mais nove depois do desastre. Só então conseguiram orientação para pousar. O coronel Rufino da Silva Ferreira, presidente da comissão que investiga o acidente, informou que as conclusões sobre o caso só devem ser divulgadas daqui a dez meses. Segundo ele, é o período para terminar de coletar e analisar os dados técnicos sobre a colisão. (Enquanto isso, os dois pilotos americanos do Legacy estão confinados em um hotel no Rio de Janeiro. Segundo relato de seus advogados, estão psicologicamente abalados. Na semana passada, eles entraram com ação de habeas corpus para obter seus passaportes de volta.)

Pilotos e controladores de vôo relatam que as freqüências de transmissão são "de péssima qualidade" entre Brasília e Manaus. "A partir de um marco conhecido como Teres (cerca de 480 quilômetros ao norte de Brasília), há um verdadeiro blecaute", diz o piloto de uma grande companhia aérea. "Ele só acaba quando o avião se aproxima de Manaus." É a área exatamente em cima da região da Serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy. "Naquele lugar, depender somente dos controladores é um risco", diz o piloto. "Quando passo por lá, fico de olho nos equipamentos da aeronave. Só confio neles."

Exatamente nestes quatro anos em que o tráfego aéreo se tornou mais movimentado, o país passou a investir menos no controle aéreo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está investindo no programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo cerca de 25% a menos que a média do que foi aplicado na gestão Fernando Henrique Cardoso. Entre 2003 e 2005, o governo investiu R$ 460,9 milhões em média por ano no setor de aviação. Entre 2000 e 2002, a média havia sido de R$ 612,5 milhões. "O Brasil está longe de ter uma operação de classe mundial em infra-estrutura", afirma um consultor especializado em aviação. s

De acordo com a organização não-governamental Contas Abertas, que acompanha os gastos da União, o programa tinha em caixa R$ 1,9 bilhão no último dia 31 de outubro. "Esse dinheiro deveria ter sido investido na aviação, mas vem sendo mantido em caixa para ajudar a União a garantir o superávit das contas públicas", afirma Daniel Mandelli Martin, ex-presidente da TAM. "Não faltam recursos. Falta transparência na captação e na aplicação do dinheiro e um plano de longo prazo para melhorar a infra-estrutura", diz André Castellini, sócio especializado em aviação da consultoria Bain & Company. "Falta fazer com que os recursos provenientes das tarifas pagas pelos passageiros e das empresas sejam utilizados na aviação."

Um documento do Conselho de Aviação Civil (Conac) assinado em 31 de outubro de 2003 pelo então ministro da Defesa, José Viegas, já antecipava o colapso do setor aéreo pela falta de aplicação de recursos. Mesmo assim, no Orçamento de 2007 está previsto um corte de 8% na verba do programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo. Isso numa área em que as decisões precisam ser tomadas com anos de antecedência. As próprias discussões sobre que investimentos fazer são demoradas. E o número de passageiros vem crescendo de 15% a 20% ao ano. Nesse ritmo, é provável que em três anos os aeroportos de São Paulo não dêem mais conta do movimento.

Com menos investimentos, menos contratações e mais vôos, a rotina dos controladores tornou-se mais difícil. Como forma de pressão, nas últimas semanas eles começaram a atuar estritamente dentro das normas de segurança. Bastou isso para criar a confusão do início do mês. Mas seguir as normas ao pé da letra não deveria causar tumulto nenhum. "Está claro que muitas normas de segurança têm sido dribladas no Brasil", afirma o suíço Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo. "As condições de trabalho dos controladores no Brasil são precárias. E o governo parece não ter como garantir a segurança do sistema."

Se é assim, por que não houve mais acidentes? Porque o sistema aéreo é projetado para ser exageradamente seguro. Para que um desastre ocorra, é necessária uma conjunção de fatores. Primeiro, as rotas são planejadas de antemão para que não haja surpresas. Se isso falhar, há os controladores para orientar os pilotos. Se uma nova falha acontecer, há equipamentos modernos que fazem o avião desviar do perigo automaticamente ou avisam o piloto de que algo errado está acontecendo. A chance de tantas falhas se acumularem é mínima. Mas não convém relaxar em nenhum dos sistemas de segurança independentes.

Um indício de que isso tem acontecido no Brasil é o número de "quase-acidentes". De acordo com pilotos e controladores de vôo, eles vêm aumentando. A Aeronáutica nega. Mas documentos internos do comando da Aeronáutica, obtidos pela reportagem de ÉPOCA, revelam pelo menos três incidentes críticos neste ano. Em todos os casos houve falha no controle aéreo, e o desastre só foi evitado por outros mecanismos de segurança. O próprio comando da Aeronáutica afirma que esse tipo de incidente só não resulta s em tragédia "devido ao acaso" (leia sobre dois casos no quadro abaixo).

Procurada por ÉPOCA, a Aeronáutica negou que os aviões voem muito próximos uns dos outros. A posição oficial é que "o espaço aéreo brasileiro segue as regras internacionais de conduta". Não é bem assim, pelo menos no que diz respeito às condições de trabalho dos controladores de vôo. A função deles é uma das mais estressantes do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Um controlador é responsável por monitorar vários aviões ao mesmo tempo. Cada avião é representado em uma tela por uma seqüência de letras e números que identificam a aeronave, apontam sua direção, informam velocidade, altitude real e altitude pretendida. O controlador precisa interpretar corretamente esses dados, que mudam a cada momento. E traduzi-los em instruções para os pilotos. Quando um controlador fica responsável por dez aeronaves, a tela de seu terminal se enche de letras e números (leia o quadro na sequência da matéria).

As condições de trabalho dos controladores no Brasil são piores que em outros países. A começar pela quantidade de aviões observados. Segundo recomendação da Organização Internacional da Aviação Civil, um profissional pode vigiar com segurança até 14 aviões ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, o máximo são seis aeronaves por controlador. Na Europa, são oito. No Brasil, antes da operação-padrão, cada controlador chegava a tomar conta de até 20 aeronaves simultaneamente, em horários de pico.

Nos EUA, há 24 mil controladores de vôo em atividade. A frota comercial é de cerca de 4 mil aviões. Aqui, a frota tem cerca de mil aviões, um quarto da americana. Mas há 2.700 controladores, um nono do total dos EUA. A jornada de trabalho, na teoria, é parecida. São cerca de 40 horas semanais e a cada duas horas de trabalho há uma pausa de 20 minutos para descanso. Só que no Brasil o controlador também tem atividades em suas horas de suposta folga. Há vários registros de controladores que não conseguiram trabalhar por ter passado horas em eventos fora do expediente. Como a chefia deles é militar, os controladores são obrigados a participar de palestras, marchar, ir a eventos, fazer educação física e até ficar de guarda nas horas em que deveriam estar descansando. Muitos têm ainda um segundo emprego. O que é contra as normas. A maioria dá aula em escolas de aviação, mas há até motoristas de táxi. Isso também é contra as normas. Mesmo com o salário considerado baixo, eles assumem um compromisso que os proíbe de ter outras atividades.

Os EUA nem são o exemplo mais avançado em condições de trabalho. Na Suíça, considerada o país com controle aéreo mais moderno do mundo, o sistema está nas mãos da empresa Skyguide, criada em 1931 pelo governo suíço. Um controlador da Skyguide é autorizado a trabalhar no máximo sete horas por dia. A cada duas horas de trabalho, tem de descansar por 20 minutos. Após mais duas horas, faz uma pausa de outros 50 minutos. A cada quatro dias, o controlador é obrigado a tirar dois dias de folga. Na Skyguide, os controladores descansam em "salas de conforto" com sofás para repousar ou dormir e aparelhos de televisão com DVD. Algumas salas têm camas.

A formação é outro marco de diferença. No Brasil, existem três carreiras de controlador de vôo. É possível ingressar na profissão por concurso público promovido pela Infraero, por concursos da FAB e pelo caminho militar, nos quais sargentos da Aeronáutica se tornam controladores. Se permanecer como civil, o controlador se forma técnico especializado. O candidato precisa ter ensino médio completo e passar por provas e exames médicos e psicológicos. O curso dura dois anos, não é pago e o aluno fica em sistema de semi-internato durante todo o período. Nos EUA, o candidato a controlador presta uma espécie de vestibular. O teste é feito por computador e dura oito horas. A prova é dividida em duas: teórica, com questões de conhecimento gerais (sobretudo física e geometria), e prática, com simulação de um cenário real. O candidato precisa ter no mínimo quatro anos de faculdade. Na Europa, a Skyguide recebe por ano 2 mil inscrições. Apenas 45 são selecionados. No fim do curso, que tem quatro anos de duração, 60% dos candidatos são reprovados.

Numa pesquisa recente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), analisou a profissão dos controladores e recomendou que o salário deles fosse equiparado ao dos pilotos de avião, uma vez que "as responsabilidades e a especialização das duas categorias são compatíveis". Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Nos EUA, o salário médio de um controlador é US$ 8.500, cerca de metade do de um piloto. No Brasil, dependendo da categoria em que se enquadra, a média do salário do controlador varia de R$ 2.800 a R$ 4.200, menos de um terço do que ganha um piloto.

A pesquisadora Rita de Cássia Seixas Sampaio Araújo estuda há dez anos as condições de trabalho dos controladores de vôo e o efeito da sobrecarga operacional na saúde e no desempenho profissional deles. Ela afirma que os controladores de vôo acumulam doenças como insônia, hipertensão e alterações gástricas e intestinais. Dores de cabeça são freqüentes. Alguns apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores, fadiga, taquicardia, azia, diarréia e perda de apetite.

Nem 80 nem 800

A Aeronáutica afirma que o caos do feriado de Finados, quando houve atrasos de até 12 horas, não se repetirá no Natal e no Ano-Novo. Desde a semana passada, tem agido com pulso mais firme para conter o movimento dos controladores de vôo. Chegou a promover um "aquartelamento". Exigiu que controladores levassem roupas de dormir para o trabalho, para cobrir as faltas decorrentes de um número recorde de pedidos de licença médica. Anunciou, também, que uma turma de 80 controladores está sendo formada para suprir a falta de pessoal.

"Nesse ritmo, teríamos de esperar dez anos para suprir a necessidade brasileira", afirma Ernandes Pereira da Silva, diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo. Segundo os controladores, para que o serviço fosse feito de forma confiável, seriam necessários pelo menos 3.500 profissionais. É um acréscimo de 800 em relação ao número atual. É bem provável que haja aí uma inflação, já que aos controladores interessa dizer que trabalham demais e ganham pouco. Mas é provável que o número correto esteja mais perto de 800 que de 80. "O movimento de passageiros dobrou nos últimos anos", diz Silva. O número de controladores não cresceu na mesma proporção.

A vida na torre de controle

O controlador de vôo é o responsável por monitorar o espaço aéreo brasileiro. Ele controla as trajetórias dos aviões e evita que duas aeronaves se choquem em pleno ar

O Brasil possui 2.700 controladores de vôo.
Mais de 80% são sargentos da Aeronáutica
Com as informações que recebe na tela, o controlador de vôo faz cálculos e transmite, por rádio, instruções para os pilotos


Nos EUA

Cada controlador de vôo nos Estados Unidos vigia no máximo seis aviões ao mesmo tempo. De duas em duas horas, ele descansa 20 minutos


CADA CONJUNTO DE LETRAS E NÚMEROS REPRESENTA UM AVIÃO.

Eles indicam o prefixo da aeronave e sua altitude, velocidade e trajetória. Os números mudam a cada instante

No Brasil

No Brasil, antes da operação-padrão, um controlador chegava a monitorar mais de 20 aviões simultaneamente. Esse número é maior que o máximo permitido pela Organização Internacional da Aviação Civil. Nas horas de folga, os controladores são obrigados a participar de atividades militares. Muitos têm um segundo emprego - o que é proibido


Campeões de estresse

A profissão é uma das que provocam mais problemas físicos Segundo a Organização Mundial de Saúde, controladores de vôo estão sujeitos a insônia, alterações gástricas e dores de cabeça por causa do estresse da função. Durante o expediente, muitos apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores e taquicardia. Problemas de visão também são relatados. Pesquisas demonstraram que a fadiga mina a eficiência dos controladores

Poderia ser pior

Documentos do Comando da Aeronáutica mostram que neste ano outros aviões estiveram muito perto de sofrer um acidente como o que derrubou o Boeing da Gol

19/5/2006

Um Boeing da Gol pede ao controle de vôo para descer de nível. A torre autoriza a manobra e o avião começa a descida. De repente, um avião que fazia exercícios de pára-quedismo cruza a frente do Boeing. O incidente foi considerado de alto risco de colisão

1. Avião da Gol pede permissão à torre de controle para descer
2. O controle autoriza o piloto inicia a descida
3. No trajeto, quase bate em um avião de pára-quedistas

30/6/2006

O piloto da Varig Augusto Nunes sobrevoa o espaço aéreo de Manaus. Após fazer uma curva à direita, a torre determina que ele mantenha o nível do vôo. Segundos depois, o susto: "Fui surpreendido por um vulto no pára-brisa". O vulto era um avião passando a apenas 50 metros a sua frente

1. Avião da Varig faz uma urva à direita
2. A torre instrui o piloto a manter o nível do vôo
3. Segundos depois, um avião cruza a frente da aeronave

Fotos: Martin Ruetschi/AP e Dida Sampaio/AE.




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#40 Mensagem por Penguin » Seg Nov 20, 2006 2:59 pm

ÉPOCA (Notimp - 20-11-2006)

Voar está mais arriscado?

Investigações sobre o desastre da Gol e movimento dos controladores de vôo mostram que o espaço aéreo do país não é tão seguro quanto se pensava

Ana Galli, Eduardo Vieira e Wálter Nunes

Se você tem alguma viagem de avião programada para o fim do ano, muna-se de paciência. É provável que a crise dos aeroportos no país se prolongue, no mínimo, até o início do ano que vem. Os atrasos têm atingido entre 20% e 40% dos vôos, dependendo do dia. Com o usual aumento de tráfego aéreo em dezembro e janeiro, os índices de atraso tendem a aumentar. Trata-se de um grande incômodo, que já causou prejuízos estimados em R$ 40 milhões, considerando apenas as empresas aéreas. Mas a alternativa - forçar os vôos a sair e chegar no horário - é pior. Há fortes indícios de que ela levaria a um aumento do risco de desastres, como a colisão entre um Boeing da Gol e um jato Legacy, em 29 de setembro, que matou 154 pessoas.

Especialistas no setor afirmam que existe um "gargalo aéreo" no Brasil. Ele se tornou evidente desde que as investigações sobre o acidente da Gol começaram a apontar possíveis falhas na orientação dos pilotos do Legacy. Essas falhas podem ter ocorrido por um misto de motivos técnicos e humanos. A partir daí, os controladores iniciaram uma operação-padrão para chamar a atenção para as condições em que trabalham (leia o quadro na sequência da matéria).

O problema se acirrou há quatro anos, quando uma regra estabelecida pelos órgãos internacionais de aviação, chamada RVSM (sigla em inglês para Redução da Separação Mínima Vertical), mudou a maneira de voar. Como o próprio nome diz, essa norma promoveu a redução da distância mínima vertical entre os aviões. Antes da RVSM, um avião podia passar 2.000 pés (cerca de 600 metros) acima ou abaixo de outro. Com a nova norma, a distância caiu para 1.000 pés (cerca de 300 metros). Essa regra foi adotada porque o número de passageiros vem crescendo ano a ano. Isso levou a um número maior de vôos. E, ao contrário do que se pode pensar, o céu não é infinito. Para acomodar os aviões extras, a distância entre as aerovias teve de ser encurtada.

Essa regra aumentou o risco de colisões entre aviões. Ela tem de ser compensada por um investimento maior em tecnologia e infra-estrutura. O Brasil fez isso, em parte. Os centros integrados de defesa e controle de tráfego aéreo, conhecidos pela sigla Cindacta, são modernos. O mais novo é o de Manaus, cujos equipamentos foram trocados no fim da década de 90 com a implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O Cindacta do Recife foi modernizado na primeira metade da década de 90. Os centros de controle de área restantes, de Brasília e Curitiba, foram montados no fim dos anos 80, mas estariam recebendo atualizações de equipamento da Aeronáutica a cada 12 meses.

Essa modernização ajuda a entender por que o número de acidentes diminuiu. Eram cerca de 400 casos por ano no fim da década de 70. Caíram para menos de 200 no início dos anos 90. Desde o ano 2000, o número de acidentes tem ficado estável, entre 50 e 60 por ano. Mas os equipamentos não são perfeitos. De acordo com o relatório preliminar do desastre do vôo 1907 da Gol, divulgado na quinta-feira 16, houve falha de comunicação entre a torre de controle de Brasília e o Legacy que abalroou o Boeing. Os pilotos do Legacy teriam tentado se comunicar com a torre de comando 19 vezes antes da colisão, sem sucesso. E mais nove depois do desastre. Só então conseguiram orientação para pousar. O coronel Rufino da Silva Ferreira, presidente da comissão que investiga o acidente, informou que as conclusões sobre o caso só devem ser divulgadas daqui a dez meses. Segundo ele, é o período para terminar de coletar e analisar os dados técnicos sobre a colisão. (Enquanto isso, os dois pilotos americanos do Legacy estão confinados em um hotel no Rio de Janeiro. Segundo relato de seus advogados, estão psicologicamente abalados. Na semana passada, eles entraram com ação de habeas corpus para obter seus passaportes de volta.)

Pilotos e controladores de vôo relatam que as freqüências de transmissão são "de péssima qualidade" entre Brasília e Manaus. "A partir de um marco conhecido como Teres (cerca de 480 quilômetros ao norte de Brasília), há um verdadeiro blecaute", diz o piloto de uma grande companhia aérea. "Ele só acaba quando o avião se aproxima de Manaus." É a área exatamente em cima da região da Serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy. "Naquele lugar, depender somente dos controladores é um risco", diz o piloto. "Quando passo por lá, fico de olho nos equipamentos da aeronave. Só confio neles."

Exatamente nestes quatro anos em que o tráfego aéreo se tornou mais movimentado, o país passou a investir menos no controle aéreo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está investindo no programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo cerca de 25% a menos que a média do que foi aplicado na gestão Fernando Henrique Cardoso. Entre 2003 e 2005, o governo investiu R$ 460,9 milhões em média por ano no setor de aviação. Entre 2000 e 2002, a média havia sido de R$ 612,5 milhões. "O Brasil está longe de ter uma operação de classe mundial em infra-estrutura", afirma um consultor especializado em aviação. s

De acordo com a organização não-governamental Contas Abertas, que acompanha os gastos da União, o programa tinha em caixa R$ 1,9 bilhão no último dia 31 de outubro. "Esse dinheiro deveria ter sido investido na aviação, mas vem sendo mantido em caixa para ajudar a União a garantir o superávit das contas públicas", afirma Daniel Mandelli Martin, ex-presidente da TAM. "Não faltam recursos. Falta transparência na captação e na aplicação do dinheiro e um plano de longo prazo para melhorar a infra-estrutura", diz André Castellini, sócio especializado em aviação da consultoria Bain & Company. "Falta fazer com que os recursos provenientes das tarifas pagas pelos passageiros e das empresas sejam utilizados na aviação."

Um documento do Conselho de Aviação Civil (Conac) assinado em 31 de outubro de 2003 pelo então ministro da Defesa, José Viegas, já antecipava o colapso do setor aéreo pela falta de aplicação de recursos. Mesmo assim, no Orçamento de 2007 está previsto um corte de 8% na verba do programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo. Isso numa área em que as decisões precisam ser tomadas com anos de antecedência. As próprias discussões sobre que investimentos fazer são demoradas. E o número de passageiros vem crescendo de 15% a 20% ao ano. Nesse ritmo, é provável que em três anos os aeroportos de São Paulo não dêem mais conta do movimento.

Com menos investimentos, menos contratações e mais vôos, a rotina dos controladores tornou-se mais difícil. Como forma de pressão, nas últimas semanas eles começaram a atuar estritamente dentro das normas de segurança. Bastou isso para criar a confusão do início do mês. Mas seguir as normas ao pé da letra não deveria causar tumulto nenhum. "Está claro que muitas normas de segurança têm sido dribladas no Brasil", afirma o suíço Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo. "As condições de trabalho dos controladores no Brasil são precárias. E o governo parece não ter como garantir a segurança do sistema."

Se é assim, por que não houve mais acidentes? Porque o sistema aéreo é projetado para ser exageradamente seguro. Para que um desastre ocorra, é necessária uma conjunção de fatores. Primeiro, as rotas são planejadas de antemão para que não haja surpresas. Se isso falhar, há os controladores para orientar os pilotos. Se uma nova falha acontecer, há equipamentos modernos que fazem o avião desviar do perigo automaticamente ou avisam o piloto de que algo errado está acontecendo. A chance de tantas falhas se acumularem é mínima. Mas não convém relaxar em nenhum dos sistemas de segurança independentes.

Um indício de que isso tem acontecido no Brasil é o número de "quase-acidentes". De acordo com pilotos e controladores de vôo, eles vêm aumentando. A Aeronáutica nega. Mas documentos internos do comando da Aeronáutica, obtidos pela reportagem de ÉPOCA, revelam pelo menos três incidentes críticos neste ano. Em todos os casos houve falha no controle aéreo, e o desastre só foi evitado por outros mecanismos de segurança. O próprio comando da Aeronáutica afirma que esse tipo de incidente só não resulta s em tragédia "devido ao acaso" (leia sobre dois casos no quadro abaixo).

Procurada por ÉPOCA, a Aeronáutica negou que os aviões voem muito próximos uns dos outros. A posição oficial é que "o espaço aéreo brasileiro segue as regras internacionais de conduta". Não é bem assim, pelo menos no que diz respeito às condições de trabalho dos controladores de vôo. A função deles é uma das mais estressantes do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Um controlador é responsável por monitorar vários aviões ao mesmo tempo. Cada avião é representado em uma tela por uma seqüência de letras e números que identificam a aeronave, apontam sua direção, informam velocidade, altitude real e altitude pretendida. O controlador precisa interpretar corretamente esses dados, que mudam a cada momento. E traduzi-los em instruções para os pilotos. Quando um controlador fica responsável por dez aeronaves, a tela de seu terminal se enche de letras e números (leia o quadro na sequência da matéria).

As condições de trabalho dos controladores no Brasil são piores que em outros países. A começar pela quantidade de aviões observados. Segundo recomendação da Organização Internacional da Aviação Civil, um profissional pode vigiar com segurança até 14 aviões ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, o máximo são seis aeronaves por controlador. Na Europa, são oito. No Brasil, antes da operação-padrão, cada controlador chegava a tomar conta de até 20 aeronaves simultaneamente, em horários de pico.

Nos EUA, há 24 mil controladores de vôo em atividade. A frota comercial é de cerca de 4 mil aviões. Aqui, a frota tem cerca de mil aviões, um quarto da americana. Mas há 2.700 controladores, um nono do total dos EUA. A jornada de trabalho, na teoria, é parecida. São cerca de 40 horas semanais e a cada duas horas de trabalho há uma pausa de 20 minutos para descanso. Só que no Brasil o controlador também tem atividades em suas horas de suposta folga. Há vários registros de controladores que não conseguiram trabalhar por ter passado horas em eventos fora do expediente. Como a chefia deles é militar, os controladores são obrigados a participar de palestras, marchar, ir a eventos, fazer educação física e até ficar de guarda nas horas em que deveriam estar descansando. Muitos têm ainda um segundo emprego. O que é contra as normas. A maioria dá aula em escolas de aviação, mas há até motoristas de táxi. Isso também é contra as normas. Mesmo com o salário considerado baixo, eles assumem um compromisso que os proíbe de ter outras atividades.

Os EUA nem são o exemplo mais avançado em condições de trabalho. Na Suíça, considerada o país com controle aéreo mais moderno do mundo, o sistema está nas mãos da empresa Skyguide, criada em 1931 pelo governo suíço. Um controlador da Skyguide é autorizado a trabalhar no máximo sete horas por dia. A cada duas horas de trabalho, tem de descansar por 20 minutos. Após mais duas horas, faz uma pausa de outros 50 minutos. A cada quatro dias, o controlador é obrigado a tirar dois dias de folga. Na Skyguide, os controladores descansam em "salas de conforto" com sofás para repousar ou dormir e aparelhos de televisão com DVD. Algumas salas têm camas.

A formação é outro marco de diferença. No Brasil, existem três carreiras de controlador de vôo. É possível ingressar na profissão por concurso público promovido pela Infraero, por concursos da FAB e pelo caminho militar, nos quais sargentos da Aeronáutica se tornam controladores. Se permanecer como civil, o controlador se forma técnico especializado. O candidato precisa ter ensino médio completo e passar por provas e exames médicos e psicológicos. O curso dura dois anos, não é pago e o aluno fica em sistema de semi-internato durante todo o período. Nos EUA, o candidato a controlador presta uma espécie de vestibular. O teste é feito por computador e dura oito horas. A prova é dividida em duas: teórica, com questões de conhecimento gerais (sobretudo física e geometria), e prática, com simulação de um cenário real. O candidato precisa ter no mínimo quatro anos de faculdade. Na Europa, a Skyguide recebe por ano 2 mil inscrições. Apenas 45 são selecionados. No fim do curso, que tem quatro anos de duração, 60% dos candidatos são reprovados.

Numa pesquisa recente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), analisou a profissão dos controladores e recomendou que o salário deles fosse equiparado ao dos pilotos de avião, uma vez que "as responsabilidades e a especialização das duas categorias são compatíveis". Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Nos EUA, o salário médio de um controlador é US$ 8.500, cerca de metade do de um piloto. No Brasil, dependendo da categoria em que se enquadra, a média do salário do controlador varia de R$ 2.800 a R$ 4.200, menos de um terço do que ganha um piloto.

A pesquisadora Rita de Cássia Seixas Sampaio Araújo estuda há dez anos as condições de trabalho dos controladores de vôo e o efeito da sobrecarga operacional na saúde e no desempenho profissional deles. Ela afirma que os controladores de vôo acumulam doenças como insônia, hipertensão e alterações gástricas e intestinais. Dores de cabeça são freqüentes. Alguns apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores, fadiga, taquicardia, azia, diarréia e perda de apetite.

Nem 80 nem 800

A Aeronáutica afirma que o caos do feriado de Finados, quando houve atrasos de até 12 horas, não se repetirá no Natal e no Ano-Novo. Desde a semana passada, tem agido com pulso mais firme para conter o movimento dos controladores de vôo. Chegou a promover um "aquartelamento". Exigiu que controladores levassem roupas de dormir para o trabalho, para cobrir as faltas decorrentes de um número recorde de pedidos de licença médica. Anunciou, também, que uma turma de 80 controladores está sendo formada para suprir a falta de pessoal.

"Nesse ritmo, teríamos de esperar dez anos para suprir a necessidade brasileira", afirma Ernandes Pereira da Silva, diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo. Segundo os controladores, para que o serviço fosse feito de forma confiável, seriam necessários pelo menos 3.500 profissionais. É um acréscimo de 800 em relação ao número atual. É bem provável que haja aí uma inflação, já que aos controladores interessa dizer que trabalham demais e ganham pouco. Mas é provável que o número correto esteja mais perto de 800 que de 80. "O movimento de passageiros dobrou nos últimos anos", diz Silva. O número de controladores não cresceu na mesma proporção.

A vida na torre de controle

O controlador de vôo é o responsável por monitorar o espaço aéreo brasileiro. Ele controla as trajetórias dos aviões e evita que duas aeronaves se choquem em pleno ar

O Brasil possui 2.700 controladores de vôo.
Mais de 80% são sargentos da Aeronáutica
Com as informações que recebe na tela, o controlador de vôo faz cálculos e transmite, por rádio, instruções para os pilotos


Nos EUA

Cada controlador de vôo nos Estados Unidos vigia no máximo seis aviões ao mesmo tempo. De duas em duas horas, ele descansa 20 minutos


CADA CONJUNTO DE LETRAS E NÚMEROS REPRESENTA UM AVIÃO.

Eles indicam o prefixo da aeronave e sua altitude, velocidade e trajetória. Os números mudam a cada instante

No Brasil

No Brasil, antes da operação-padrão, um controlador chegava a monitorar mais de 20 aviões simultaneamente. Esse número é maior que o máximo permitido pela Organização Internacional da Aviação Civil. Nas horas de folga, os controladores são obrigados a participar de atividades militares. Muitos têm um segundo emprego - o que é proibido


Campeões de estresse

A profissão é uma das que provocam mais problemas físicos Segundo a Organização Mundial de Saúde, controladores de vôo estão sujeitos a insônia, alterações gástricas e dores de cabeça por causa do estresse da função. Durante o expediente, muitos apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores e taquicardia. Problemas de visão também são relatados. Pesquisas demonstraram que a fadiga mina a eficiência dos controladores

Poderia ser pior

Documentos do Comando da Aeronáutica mostram que neste ano outros aviões estiveram muito perto de sofrer um acidente como o que derrubou o Boeing da Gol

19/5/2006

Um Boeing da Gol pede ao controle de vôo para descer de nível. A torre autoriza a manobra e o avião começa a descida. De repente, um avião que fazia exercícios de pára-quedismo cruza a frente do Boeing. O incidente foi considerado de alto risco de colisão

1. Avião da Gol pede permissão à torre de controle para descer
2. O controle autoriza o piloto inicia a descida
3. No trajeto, quase bate em um avião de pára-quedistas

30/6/2006

O piloto da Varig Augusto Nunes sobrevoa o espaço aéreo de Manaus. Após fazer uma curva à direita, a torre determina que ele mantenha o nível do vôo. Segundos depois, o susto: "Fui surpreendido por um vulto no pára-brisa". O vulto era um avião passando a apenas 50 metros a sua frente

1. Avião da Varig faz uma urva à direita
2. A torre instrui o piloto a manter o nível do vôo
3. Segundos depois, um avião cruza a frente da aeronave

Fotos: Martin Ruetschi/AP e Dida Sampaio/AE.




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#41 Mensagem por Penguin » Seg Nov 20, 2006 2:59 pm

ÉPOCA (Notimp - 20-11-2006)

Voar está mais arriscado?

Investigações sobre o desastre da Gol e movimento dos controladores de vôo mostram que o espaço aéreo do país não é tão seguro quanto se pensava

Ana Galli, Eduardo Vieira e Wálter Nunes

Se você tem alguma viagem de avião programada para o fim do ano, muna-se de paciência. É provável que a crise dos aeroportos no país se prolongue, no mínimo, até o início do ano que vem. Os atrasos têm atingido entre 20% e 40% dos vôos, dependendo do dia. Com o usual aumento de tráfego aéreo em dezembro e janeiro, os índices de atraso tendem a aumentar. Trata-se de um grande incômodo, que já causou prejuízos estimados em R$ 40 milhões, considerando apenas as empresas aéreas. Mas a alternativa - forçar os vôos a sair e chegar no horário - é pior. Há fortes indícios de que ela levaria a um aumento do risco de desastres, como a colisão entre um Boeing da Gol e um jato Legacy, em 29 de setembro, que matou 154 pessoas.

Especialistas no setor afirmam que existe um "gargalo aéreo" no Brasil. Ele se tornou evidente desde que as investigações sobre o acidente da Gol começaram a apontar possíveis falhas na orientação dos pilotos do Legacy. Essas falhas podem ter ocorrido por um misto de motivos técnicos e humanos. A partir daí, os controladores iniciaram uma operação-padrão para chamar a atenção para as condições em que trabalham (leia o quadro na sequência da matéria).

O problema se acirrou há quatro anos, quando uma regra estabelecida pelos órgãos internacionais de aviação, chamada RVSM (sigla em inglês para Redução da Separação Mínima Vertical), mudou a maneira de voar. Como o próprio nome diz, essa norma promoveu a redução da distância mínima vertical entre os aviões. Antes da RVSM, um avião podia passar 2.000 pés (cerca de 600 metros) acima ou abaixo de outro. Com a nova norma, a distância caiu para 1.000 pés (cerca de 300 metros). Essa regra foi adotada porque o número de passageiros vem crescendo ano a ano. Isso levou a um número maior de vôos. E, ao contrário do que se pode pensar, o céu não é infinito. Para acomodar os aviões extras, a distância entre as aerovias teve de ser encurtada.

Essa regra aumentou o risco de colisões entre aviões. Ela tem de ser compensada por um investimento maior em tecnologia e infra-estrutura. O Brasil fez isso, em parte. Os centros integrados de defesa e controle de tráfego aéreo, conhecidos pela sigla Cindacta, são modernos. O mais novo é o de Manaus, cujos equipamentos foram trocados no fim da década de 90 com a implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O Cindacta do Recife foi modernizado na primeira metade da década de 90. Os centros de controle de área restantes, de Brasília e Curitiba, foram montados no fim dos anos 80, mas estariam recebendo atualizações de equipamento da Aeronáutica a cada 12 meses.

Essa modernização ajuda a entender por que o número de acidentes diminuiu. Eram cerca de 400 casos por ano no fim da década de 70. Caíram para menos de 200 no início dos anos 90. Desde o ano 2000, o número de acidentes tem ficado estável, entre 50 e 60 por ano. Mas os equipamentos não são perfeitos. De acordo com o relatório preliminar do desastre do vôo 1907 da Gol, divulgado na quinta-feira 16, houve falha de comunicação entre a torre de controle de Brasília e o Legacy que abalroou o Boeing. Os pilotos do Legacy teriam tentado se comunicar com a torre de comando 19 vezes antes da colisão, sem sucesso. E mais nove depois do desastre. Só então conseguiram orientação para pousar. O coronel Rufino da Silva Ferreira, presidente da comissão que investiga o acidente, informou que as conclusões sobre o caso só devem ser divulgadas daqui a dez meses. Segundo ele, é o período para terminar de coletar e analisar os dados técnicos sobre a colisão. (Enquanto isso, os dois pilotos americanos do Legacy estão confinados em um hotel no Rio de Janeiro. Segundo relato de seus advogados, estão psicologicamente abalados. Na semana passada, eles entraram com ação de habeas corpus para obter seus passaportes de volta.)

Pilotos e controladores de vôo relatam que as freqüências de transmissão são "de péssima qualidade" entre Brasília e Manaus. "A partir de um marco conhecido como Teres (cerca de 480 quilômetros ao norte de Brasília), há um verdadeiro blecaute", diz o piloto de uma grande companhia aérea. "Ele só acaba quando o avião se aproxima de Manaus." É a área exatamente em cima da região da Serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy. "Naquele lugar, depender somente dos controladores é um risco", diz o piloto. "Quando passo por lá, fico de olho nos equipamentos da aeronave. Só confio neles."

Exatamente nestes quatro anos em que o tráfego aéreo se tornou mais movimentado, o país passou a investir menos no controle aéreo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está investindo no programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo cerca de 25% a menos que a média do que foi aplicado na gestão Fernando Henrique Cardoso. Entre 2003 e 2005, o governo investiu R$ 460,9 milhões em média por ano no setor de aviação. Entre 2000 e 2002, a média havia sido de R$ 612,5 milhões. "O Brasil está longe de ter uma operação de classe mundial em infra-estrutura", afirma um consultor especializado em aviação. s

De acordo com a organização não-governamental Contas Abertas, que acompanha os gastos da União, o programa tinha em caixa R$ 1,9 bilhão no último dia 31 de outubro. "Esse dinheiro deveria ter sido investido na aviação, mas vem sendo mantido em caixa para ajudar a União a garantir o superávit das contas públicas", afirma Daniel Mandelli Martin, ex-presidente da TAM. "Não faltam recursos. Falta transparência na captação e na aplicação do dinheiro e um plano de longo prazo para melhorar a infra-estrutura", diz André Castellini, sócio especializado em aviação da consultoria Bain & Company. "Falta fazer com que os recursos provenientes das tarifas pagas pelos passageiros e das empresas sejam utilizados na aviação."

Um documento do Conselho de Aviação Civil (Conac) assinado em 31 de outubro de 2003 pelo então ministro da Defesa, José Viegas, já antecipava o colapso do setor aéreo pela falta de aplicação de recursos. Mesmo assim, no Orçamento de 2007 está previsto um corte de 8% na verba do programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo. Isso numa área em que as decisões precisam ser tomadas com anos de antecedência. As próprias discussões sobre que investimentos fazer são demoradas. E o número de passageiros vem crescendo de 15% a 20% ao ano. Nesse ritmo, é provável que em três anos os aeroportos de São Paulo não dêem mais conta do movimento.

Com menos investimentos, menos contratações e mais vôos, a rotina dos controladores tornou-se mais difícil. Como forma de pressão, nas últimas semanas eles começaram a atuar estritamente dentro das normas de segurança. Bastou isso para criar a confusão do início do mês. Mas seguir as normas ao pé da letra não deveria causar tumulto nenhum. "Está claro que muitas normas de segurança têm sido dribladas no Brasil", afirma o suíço Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo. "As condições de trabalho dos controladores no Brasil são precárias. E o governo parece não ter como garantir a segurança do sistema."

Se é assim, por que não houve mais acidentes? Porque o sistema aéreo é projetado para ser exageradamente seguro. Para que um desastre ocorra, é necessária uma conjunção de fatores. Primeiro, as rotas são planejadas de antemão para que não haja surpresas. Se isso falhar, há os controladores para orientar os pilotos. Se uma nova falha acontecer, há equipamentos modernos que fazem o avião desviar do perigo automaticamente ou avisam o piloto de que algo errado está acontecendo. A chance de tantas falhas se acumularem é mínima. Mas não convém relaxar em nenhum dos sistemas de segurança independentes.

Um indício de que isso tem acontecido no Brasil é o número de "quase-acidentes". De acordo com pilotos e controladores de vôo, eles vêm aumentando. A Aeronáutica nega. Mas documentos internos do comando da Aeronáutica, obtidos pela reportagem de ÉPOCA, revelam pelo menos três incidentes críticos neste ano. Em todos os casos houve falha no controle aéreo, e o desastre só foi evitado por outros mecanismos de segurança. O próprio comando da Aeronáutica afirma que esse tipo de incidente só não resulta s em tragédia "devido ao acaso" (leia sobre dois casos no quadro abaixo).

Procurada por ÉPOCA, a Aeronáutica negou que os aviões voem muito próximos uns dos outros. A posição oficial é que "o espaço aéreo brasileiro segue as regras internacionais de conduta". Não é bem assim, pelo menos no que diz respeito às condições de trabalho dos controladores de vôo. A função deles é uma das mais estressantes do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Um controlador é responsável por monitorar vários aviões ao mesmo tempo. Cada avião é representado em uma tela por uma seqüência de letras e números que identificam a aeronave, apontam sua direção, informam velocidade, altitude real e altitude pretendida. O controlador precisa interpretar corretamente esses dados, que mudam a cada momento. E traduzi-los em instruções para os pilotos. Quando um controlador fica responsável por dez aeronaves, a tela de seu terminal se enche de letras e números (leia o quadro na sequência da matéria).

As condições de trabalho dos controladores no Brasil são piores que em outros países. A começar pela quantidade de aviões observados. Segundo recomendação da Organização Internacional da Aviação Civil, um profissional pode vigiar com segurança até 14 aviões ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, o máximo são seis aeronaves por controlador. Na Europa, são oito. No Brasil, antes da operação-padrão, cada controlador chegava a tomar conta de até 20 aeronaves simultaneamente, em horários de pico.

Nos EUA, há 24 mil controladores de vôo em atividade. A frota comercial é de cerca de 4 mil aviões. Aqui, a frota tem cerca de mil aviões, um quarto da americana. Mas há 2.700 controladores, um nono do total dos EUA. A jornada de trabalho, na teoria, é parecida. São cerca de 40 horas semanais e a cada duas horas de trabalho há uma pausa de 20 minutos para descanso. Só que no Brasil o controlador também tem atividades em suas horas de suposta folga. Há vários registros de controladores que não conseguiram trabalhar por ter passado horas em eventos fora do expediente. Como a chefia deles é militar, os controladores são obrigados a participar de palestras, marchar, ir a eventos, fazer educação física e até ficar de guarda nas horas em que deveriam estar descansando. Muitos têm ainda um segundo emprego. O que é contra as normas. A maioria dá aula em escolas de aviação, mas há até motoristas de táxi. Isso também é contra as normas. Mesmo com o salário considerado baixo, eles assumem um compromisso que os proíbe de ter outras atividades.

Os EUA nem são o exemplo mais avançado em condições de trabalho. Na Suíça, considerada o país com controle aéreo mais moderno do mundo, o sistema está nas mãos da empresa Skyguide, criada em 1931 pelo governo suíço. Um controlador da Skyguide é autorizado a trabalhar no máximo sete horas por dia. A cada duas horas de trabalho, tem de descansar por 20 minutos. Após mais duas horas, faz uma pausa de outros 50 minutos. A cada quatro dias, o controlador é obrigado a tirar dois dias de folga. Na Skyguide, os controladores descansam em "salas de conforto" com sofás para repousar ou dormir e aparelhos de televisão com DVD. Algumas salas têm camas.

A formação é outro marco de diferença. No Brasil, existem três carreiras de controlador de vôo. É possível ingressar na profissão por concurso público promovido pela Infraero, por concursos da FAB e pelo caminho militar, nos quais sargentos da Aeronáutica se tornam controladores. Se permanecer como civil, o controlador se forma técnico especializado. O candidato precisa ter ensino médio completo e passar por provas e exames médicos e psicológicos. O curso dura dois anos, não é pago e o aluno fica em sistema de semi-internato durante todo o período. Nos EUA, o candidato a controlador presta uma espécie de vestibular. O teste é feito por computador e dura oito horas. A prova é dividida em duas: teórica, com questões de conhecimento gerais (sobretudo física e geometria), e prática, com simulação de um cenário real. O candidato precisa ter no mínimo quatro anos de faculdade. Na Europa, a Skyguide recebe por ano 2 mil inscrições. Apenas 45 são selecionados. No fim do curso, que tem quatro anos de duração, 60% dos candidatos são reprovados.

Numa pesquisa recente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), analisou a profissão dos controladores e recomendou que o salário deles fosse equiparado ao dos pilotos de avião, uma vez que "as responsabilidades e a especialização das duas categorias são compatíveis". Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Nos EUA, o salário médio de um controlador é US$ 8.500, cerca de metade do de um piloto. No Brasil, dependendo da categoria em que se enquadra, a média do salário do controlador varia de R$ 2.800 a R$ 4.200, menos de um terço do que ganha um piloto.

A pesquisadora Rita de Cássia Seixas Sampaio Araújo estuda há dez anos as condições de trabalho dos controladores de vôo e o efeito da sobrecarga operacional na saúde e no desempenho profissional deles. Ela afirma que os controladores de vôo acumulam doenças como insônia, hipertensão e alterações gástricas e intestinais. Dores de cabeça são freqüentes. Alguns apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores, fadiga, taquicardia, azia, diarréia e perda de apetite.

Nem 80 nem 800

A Aeronáutica afirma que o caos do feriado de Finados, quando houve atrasos de até 12 horas, não se repetirá no Natal e no Ano-Novo. Desde a semana passada, tem agido com pulso mais firme para conter o movimento dos controladores de vôo. Chegou a promover um "aquartelamento". Exigiu que controladores levassem roupas de dormir para o trabalho, para cobrir as faltas decorrentes de um número recorde de pedidos de licença médica. Anunciou, também, que uma turma de 80 controladores está sendo formada para suprir a falta de pessoal.

"Nesse ritmo, teríamos de esperar dez anos para suprir a necessidade brasileira", afirma Ernandes Pereira da Silva, diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo. Segundo os controladores, para que o serviço fosse feito de forma confiável, seriam necessários pelo menos 3.500 profissionais. É um acréscimo de 800 em relação ao número atual. É bem provável que haja aí uma inflação, já que aos controladores interessa dizer que trabalham demais e ganham pouco. Mas é provável que o número correto esteja mais perto de 800 que de 80. "O movimento de passageiros dobrou nos últimos anos", diz Silva. O número de controladores não cresceu na mesma proporção.

A vida na torre de controle

O controlador de vôo é o responsável por monitorar o espaço aéreo brasileiro. Ele controla as trajetórias dos aviões e evita que duas aeronaves se choquem em pleno ar

O Brasil possui 2.700 controladores de vôo.
Mais de 80% são sargentos da Aeronáutica
Com as informações que recebe na tela, o controlador de vôo faz cálculos e transmite, por rádio, instruções para os pilotos


Nos EUA

Cada controlador de vôo nos Estados Unidos vigia no máximo seis aviões ao mesmo tempo. De duas em duas horas, ele descansa 20 minutos


CADA CONJUNTO DE LETRAS E NÚMEROS REPRESENTA UM AVIÃO.

Eles indicam o prefixo da aeronave e sua altitude, velocidade e trajetória. Os números mudam a cada instante

No Brasil

No Brasil, antes da operação-padrão, um controlador chegava a monitorar mais de 20 aviões simultaneamente. Esse número é maior que o máximo permitido pela Organização Internacional da Aviação Civil. Nas horas de folga, os controladores são obrigados a participar de atividades militares. Muitos têm um segundo emprego - o que é proibido


Campeões de estresse

A profissão é uma das que provocam mais problemas físicos Segundo a Organização Mundial de Saúde, controladores de vôo estão sujeitos a insônia, alterações gástricas e dores de cabeça por causa do estresse da função. Durante o expediente, muitos apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores e taquicardia. Problemas de visão também são relatados. Pesquisas demonstraram que a fadiga mina a eficiência dos controladores

Poderia ser pior

Documentos do Comando da Aeronáutica mostram que neste ano outros aviões estiveram muito perto de sofrer um acidente como o que derrubou o Boeing da Gol

19/5/2006

Um Boeing da Gol pede ao controle de vôo para descer de nível. A torre autoriza a manobra e o avião começa a descida. De repente, um avião que fazia exercícios de pára-quedismo cruza a frente do Boeing. O incidente foi considerado de alto risco de colisão

1. Avião da Gol pede permissão à torre de controle para descer
2. O controle autoriza o piloto inicia a descida
3. No trajeto, quase bate em um avião de pára-quedistas

30/6/2006

O piloto da Varig Augusto Nunes sobrevoa o espaço aéreo de Manaus. Após fazer uma curva à direita, a torre determina que ele mantenha o nível do vôo. Segundos depois, o susto: "Fui surpreendido por um vulto no pára-brisa". O vulto era um avião passando a apenas 50 metros a sua frente

1. Avião da Varig faz uma urva à direita
2. A torre instrui o piloto a manter o nível do vôo
3. Segundos depois, um avião cruza a frente da aeronave

Fotos: Martin Ruetschi/AP e Dida Sampaio/AE.




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#42 Mensagem por Penguin » Seg Nov 20, 2006 3:01 pm

ÉPOCA (Notimp - 20-11-2006)

Voar está mais arriscado?

Investigações sobre o desastre da Gol e movimento dos controladores de vôo mostram que o espaço aéreo do país não é tão seguro quanto se pensava

Ana Galli, Eduardo Vieira e Wálter Nunes

Se você tem alguma viagem de avião programada para o fim do ano, muna-se de paciência. É provável que a crise dos aeroportos no país se prolongue, no mínimo, até o início do ano que vem. Os atrasos têm atingido entre 20% e 40% dos vôos, dependendo do dia. Com o usual aumento de tráfego aéreo em dezembro e janeiro, os índices de atraso tendem a aumentar. Trata-se de um grande incômodo, que já causou prejuízos estimados em R$ 40 milhões, considerando apenas as empresas aéreas. Mas a alternativa - forçar os vôos a sair e chegar no horário - é pior. Há fortes indícios de que ela levaria a um aumento do risco de desastres, como a colisão entre um Boeing da Gol e um jato Legacy, em 29 de setembro, que matou 154 pessoas.

Especialistas no setor afirmam que existe um "gargalo aéreo" no Brasil. Ele se tornou evidente desde que as investigações sobre o acidente da Gol começaram a apontar possíveis falhas na orientação dos pilotos do Legacy. Essas falhas podem ter ocorrido por um misto de motivos técnicos e humanos. A partir daí, os controladores iniciaram uma operação-padrão para chamar a atenção para as condições em que trabalham (leia o quadro na sequência da matéria).

O problema se acirrou há quatro anos, quando uma regra estabelecida pelos órgãos internacionais de aviação, chamada RVSM (sigla em inglês para Redução da Separação Mínima Vertical), mudou a maneira de voar. Como o próprio nome diz, essa norma promoveu a redução da distância mínima vertical entre os aviões. Antes da RVSM, um avião podia passar 2.000 pés (cerca de 600 metros) acima ou abaixo de outro. Com a nova norma, a distância caiu para 1.000 pés (cerca de 300 metros). Essa regra foi adotada porque o número de passageiros vem crescendo ano a ano. Isso levou a um número maior de vôos. E, ao contrário do que se pode pensar, o céu não é infinito. Para acomodar os aviões extras, a distância entre as aerovias teve de ser encurtada.

Essa regra aumentou o risco de colisões entre aviões. Ela tem de ser compensada por um investimento maior em tecnologia e infra-estrutura. O Brasil fez isso, em parte. Os centros integrados de defesa e controle de tráfego aéreo, conhecidos pela sigla Cindacta, são modernos. O mais novo é o de Manaus, cujos equipamentos foram trocados no fim da década de 90 com a implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O Cindacta do Recife foi modernizado na primeira metade da década de 90. Os centros de controle de área restantes, de Brasília e Curitiba, foram montados no fim dos anos 80, mas estariam recebendo atualizações de equipamento da Aeronáutica a cada 12 meses.

Essa modernização ajuda a entender por que o número de acidentes diminuiu. Eram cerca de 400 casos por ano no fim da década de 70. Caíram para menos de 200 no início dos anos 90. Desde o ano 2000, o número de acidentes tem ficado estável, entre 50 e 60 por ano. Mas os equipamentos não são perfeitos. De acordo com o relatório preliminar do desastre do vôo 1907 da Gol, divulgado na quinta-feira 16, houve falha de comunicação entre a torre de controle de Brasília e o Legacy que abalroou o Boeing. Os pilotos do Legacy teriam tentado se comunicar com a torre de comando 19 vezes antes da colisão, sem sucesso. E mais nove depois do desastre. Só então conseguiram orientação para pousar. O coronel Rufino da Silva Ferreira, presidente da comissão que investiga o acidente, informou que as conclusões sobre o caso só devem ser divulgadas daqui a dez meses. Segundo ele, é o período para terminar de coletar e analisar os dados técnicos sobre a colisão. (Enquanto isso, os dois pilotos americanos do Legacy estão confinados em um hotel no Rio de Janeiro. Segundo relato de seus advogados, estão psicologicamente abalados. Na semana passada, eles entraram com ação de habeas corpus para obter seus passaportes de volta.)

Pilotos e controladores de vôo relatam que as freqüências de transmissão são "de péssima qualidade" entre Brasília e Manaus. "A partir de um marco conhecido como Teres (cerca de 480 quilômetros ao norte de Brasília), há um verdadeiro blecaute", diz o piloto de uma grande companhia aérea. "Ele só acaba quando o avião se aproxima de Manaus." É a área exatamente em cima da região da Serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy. "Naquele lugar, depender somente dos controladores é um risco", diz o piloto. "Quando passo por lá, fico de olho nos equipamentos da aeronave. Só confio neles."

Exatamente nestes quatro anos em que o tráfego aéreo se tornou mais movimentado, o país passou a investir menos no controle aéreo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está investindo no programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo cerca de 25% a menos que a média do que foi aplicado na gestão Fernando Henrique Cardoso. Entre 2003 e 2005, o governo investiu R$ 460,9 milhões em média por ano no setor de aviação. Entre 2000 e 2002, a média havia sido de R$ 612,5 milhões. "O Brasil está longe de ter uma operação de classe mundial em infra-estrutura", afirma um consultor especializado em aviação. s

De acordo com a organização não-governamental Contas Abertas, que acompanha os gastos da União, o programa tinha em caixa R$ 1,9 bilhão no último dia 31 de outubro. "Esse dinheiro deveria ter sido investido na aviação, mas vem sendo mantido em caixa para ajudar a União a garantir o superávit das contas públicas", afirma Daniel Mandelli Martin, ex-presidente da TAM. "Não faltam recursos. Falta transparência na captação e na aplicação do dinheiro e um plano de longo prazo para melhorar a infra-estrutura", diz André Castellini, sócio especializado em aviação da consultoria Bain & Company. "Falta fazer com que os recursos provenientes das tarifas pagas pelos passageiros e das empresas sejam utilizados na aviação."

Um documento do Conselho de Aviação Civil (Conac) assinado em 31 de outubro de 2003 pelo então ministro da Defesa, José Viegas, já antecipava o colapso do setor aéreo pela falta de aplicação de recursos. Mesmo assim, no Orçamento de 2007 está previsto um corte de 8% na verba do programa Proteção ao Vôo e Segurança do Tráfego Aéreo. Isso numa área em que as decisões precisam ser tomadas com anos de antecedência. As próprias discussões sobre que investimentos fazer são demoradas. E o número de passageiros vem crescendo de 15% a 20% ao ano. Nesse ritmo, é provável que em três anos os aeroportos de São Paulo não dêem mais conta do movimento.

Com menos investimentos, menos contratações e mais vôos, a rotina dos controladores tornou-se mais difícil. Como forma de pressão, nas últimas semanas eles começaram a atuar estritamente dentro das normas de segurança. Bastou isso para criar a confusão do início do mês. Mas seguir as normas ao pé da letra não deveria causar tumulto nenhum. "Está claro que muitas normas de segurança têm sido dribladas no Brasil", afirma o suíço Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo. "As condições de trabalho dos controladores no Brasil são precárias. E o governo parece não ter como garantir a segurança do sistema."

Se é assim, por que não houve mais acidentes? Porque o sistema aéreo é projetado para ser exageradamente seguro. Para que um desastre ocorra, é necessária uma conjunção de fatores. Primeiro, as rotas são planejadas de antemão para que não haja surpresas. Se isso falhar, há os controladores para orientar os pilotos. Se uma nova falha acontecer, há equipamentos modernos que fazem o avião desviar do perigo automaticamente ou avisam o piloto de que algo errado está acontecendo. A chance de tantas falhas se acumularem é mínima. Mas não convém relaxar em nenhum dos sistemas de segurança independentes.

Um indício de que isso tem acontecido no Brasil é o número de "quase-acidentes". De acordo com pilotos e controladores de vôo, eles vêm aumentando. A Aeronáutica nega. Mas documentos internos do comando da Aeronáutica, obtidos pela reportagem de ÉPOCA, revelam pelo menos três incidentes críticos neste ano. Em todos os casos houve falha no controle aéreo, e o desastre só foi evitado por outros mecanismos de segurança. O próprio comando da Aeronáutica afirma que esse tipo de incidente só não resulta s em tragédia "devido ao acaso" (leia sobre dois casos no quadro abaixo).

Procurada por ÉPOCA, a Aeronáutica negou que os aviões voem muito próximos uns dos outros. A posição oficial é que "o espaço aéreo brasileiro segue as regras internacionais de conduta". Não é bem assim, pelo menos no que diz respeito às condições de trabalho dos controladores de vôo. A função deles é uma das mais estressantes do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Um controlador é responsável por monitorar vários aviões ao mesmo tempo. Cada avião é representado em uma tela por uma seqüência de letras e números que identificam a aeronave, apontam sua direção, informam velocidade, altitude real e altitude pretendida. O controlador precisa interpretar corretamente esses dados, que mudam a cada momento. E traduzi-los em instruções para os pilotos. Quando um controlador fica responsável por dez aeronaves, a tela de seu terminal se enche de letras e números (leia o quadro na sequência da matéria).

As condições de trabalho dos controladores no Brasil são piores que em outros países. A começar pela quantidade de aviões observados. Segundo recomendação da Organização Internacional da Aviação Civil, um profissional pode vigiar com segurança até 14 aviões ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, o máximo são seis aeronaves por controlador. Na Europa, são oito. No Brasil, antes da operação-padrão, cada controlador chegava a tomar conta de até 20 aeronaves simultaneamente, em horários de pico.

Nos EUA, há 24 mil controladores de vôo em atividade. A frota comercial é de cerca de 4 mil aviões. Aqui, a frota tem cerca de mil aviões, um quarto da americana. Mas há 2.700 controladores, um nono do total dos EUA. A jornada de trabalho, na teoria, é parecida. São cerca de 40 horas semanais e a cada duas horas de trabalho há uma pausa de 20 minutos para descanso. Só que no Brasil o controlador também tem atividades em suas horas de suposta folga. Há vários registros de controladores que não conseguiram trabalhar por ter passado horas em eventos fora do expediente. Como a chefia deles é militar, os controladores são obrigados a participar de palestras, marchar, ir a eventos, fazer educação física e até ficar de guarda nas horas em que deveriam estar descansando. Muitos têm ainda um segundo emprego. O que é contra as normas. A maioria dá aula em escolas de aviação, mas há até motoristas de táxi. Isso também é contra as normas. Mesmo com o salário considerado baixo, eles assumem um compromisso que os proíbe de ter outras atividades.

Os EUA nem são o exemplo mais avançado em condições de trabalho. Na Suíça, considerada o país com controle aéreo mais moderno do mundo, o sistema está nas mãos da empresa Skyguide, criada em 1931 pelo governo suíço. Um controlador da Skyguide é autorizado a trabalhar no máximo sete horas por dia. A cada duas horas de trabalho, tem de descansar por 20 minutos. Após mais duas horas, faz uma pausa de outros 50 minutos. A cada quatro dias, o controlador é obrigado a tirar dois dias de folga. Na Skyguide, os controladores descansam em "salas de conforto" com sofás para repousar ou dormir e aparelhos de televisão com DVD. Algumas salas têm camas.

A formação é outro marco de diferença. No Brasil, existem três carreiras de controlador de vôo. É possível ingressar na profissão por concurso público promovido pela Infraero, por concursos da FAB e pelo caminho militar, nos quais sargentos da Aeronáutica se tornam controladores. Se permanecer como civil, o controlador se forma técnico especializado. O candidato precisa ter ensino médio completo e passar por provas e exames médicos e psicológicos. O curso dura dois anos, não é pago e o aluno fica em sistema de semi-internato durante todo o período. Nos EUA, o candidato a controlador presta uma espécie de vestibular. O teste é feito por computador e dura oito horas. A prova é dividida em duas: teórica, com questões de conhecimento gerais (sobretudo física e geometria), e prática, com simulação de um cenário real. O candidato precisa ter no mínimo quatro anos de faculdade. Na Europa, a Skyguide recebe por ano 2 mil inscrições. Apenas 45 são selecionados. No fim do curso, que tem quatro anos de duração, 60% dos candidatos são reprovados.

Numa pesquisa recente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), analisou a profissão dos controladores e recomendou que o salário deles fosse equiparado ao dos pilotos de avião, uma vez que "as responsabilidades e a especialização das duas categorias são compatíveis". Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Nos EUA, o salário médio de um controlador é US$ 8.500, cerca de metade do de um piloto. No Brasil, dependendo da categoria em que se enquadra, a média do salário do controlador varia de R$ 2.800 a R$ 4.200, menos de um terço do que ganha um piloto.

A pesquisadora Rita de Cássia Seixas Sampaio Araújo estuda há dez anos as condições de trabalho dos controladores de vôo e o efeito da sobrecarga operacional na saúde e no desempenho profissional deles. Ela afirma que os controladores de vôo acumulam doenças como insônia, hipertensão e alterações gástricas e intestinais. Dores de cabeça são freqüentes. Alguns apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores, fadiga, taquicardia, azia, diarréia e perda de apetite.

Nem 80 nem 800

A Aeronáutica afirma que o caos do feriado de Finados, quando houve atrasos de até 12 horas, não se repetirá no Natal e no Ano-Novo. Desde a semana passada, tem agido com pulso mais firme para conter o movimento dos controladores de vôo. Chegou a promover um "aquartelamento". Exigiu que controladores levassem roupas de dormir para o trabalho, para cobrir as faltas decorrentes de um número recorde de pedidos de licença médica. Anunciou, também, que uma turma de 80 controladores está sendo formada para suprir a falta de pessoal.

"Nesse ritmo, teríamos de esperar dez anos para suprir a necessidade brasileira", afirma Ernandes Pereira da Silva, diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo. Segundo os controladores, para que o serviço fosse feito de forma confiável, seriam necessários pelo menos 3.500 profissionais. É um acréscimo de 800 em relação ao número atual. É bem provável que haja aí uma inflação, já que aos controladores interessa dizer que trabalham demais e ganham pouco. Mas é provável que o número correto esteja mais perto de 800 que de 80. "O movimento de passageiros dobrou nos últimos anos", diz Silva. O número de controladores não cresceu na mesma proporção.

A vida na torre de controle

O controlador de vôo é o responsável por monitorar o espaço aéreo brasileiro. Ele controla as trajetórias dos aviões e evita que duas aeronaves se choquem em pleno ar

O Brasil possui 2.700 controladores de vôo.
Mais de 80% são sargentos da Aeronáutica
Com as informações que recebe na tela, o controlador de vôo faz cálculos e transmite, por rádio, instruções para os pilotos


Nos EUA

Cada controlador de vôo nos Estados Unidos vigia no máximo seis aviões ao mesmo tempo. De duas em duas horas, ele descansa 20 minutos


CADA CONJUNTO DE LETRAS E NÚMEROS REPRESENTA UM AVIÃO.

Eles indicam o prefixo da aeronave e sua altitude, velocidade e trajetória. Os números mudam a cada instante

No Brasil

No Brasil, antes da operação-padrão, um controlador chegava a monitorar mais de 20 aviões simultaneamente. Esse número é maior que o máximo permitido pela Organização Internacional da Aviação Civil. Nas horas de folga, os controladores são obrigados a participar de atividades militares. Muitos têm um segundo emprego - o que é proibido


Campeões de estresse

A profissão é uma das que provocam mais problemas físicos Segundo a Organização Mundial de Saúde, controladores de vôo estão sujeitos a insônia, alterações gástricas e dores de cabeça por causa do estresse da função. Durante o expediente, muitos apresentam tontura, nervosismo, ansiedade, tremores e taquicardia. Problemas de visão também são relatados. Pesquisas demonstraram que a fadiga mina a eficiência dos controladores

Poderia ser pior

Documentos do Comando da Aeronáutica mostram que neste ano outros aviões estiveram muito perto de sofrer um acidente como o que derrubou o Boeing da Gol

19/5/2006

Um Boeing da Gol pede ao controle de vôo para descer de nível. A torre autoriza a manobra e o avião começa a descida. De repente, um avião que fazia exercícios de pára-quedismo cruza a frente do Boeing. O incidente foi considerado de alto risco de colisão

1. Avião da Gol pede permissão à torre de controle para descer
2. O controle autoriza o piloto inicia a descida
3. No trajeto, quase bate em um avião de pára-quedistas

30/6/2006

O piloto da Varig Augusto Nunes sobrevoa o espaço aéreo de Manaus. Após fazer uma curva à direita, a torre determina que ele mantenha o nível do vôo. Segundos depois, o susto: "Fui surpreendido por um vulto no pára-brisa". O vulto era um avião passando a apenas 50 metros a sua frente

1. Avião da Varig faz uma urva à direita
2. A torre instrui o piloto a manter o nível do vôo
3. Segundos depois, um avião cruza a frente da aeronave

Fotos: Martin Ruetschi/AP e Dida Sampaio/AE.




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