"O Livro dos Códigos", de Simon Singh.
A necessidade de privacidade parece ser inerente à natureza humana, no entanto nos círculos diplomáticos e militares, principalmente em tempo de guerra, ela é fundamental. Foi nestes círculos que desenvolveu-se a arte da escrita secreta e a eles restringiu-se até o início da era das comunicações globais, quando, principalmente, devido aos telefones celulares e a Internet, a ameaça da invasão de privacidade estendeu-se às pessoas comuns. A história da evolução desta arte, desde a antiguidade até a incorporação de técnicas da física de partículas, é contada por Simon Singh em O livro dos códigos, A ciência do sigilo do antigo Egito à criptografia quântica, Editora Record, tradução Jorge Calife, 2001.
Embora repleto de histórias deliciosas, este não é um livro para quem não aprecia, um pouco que seja, a matemática ou ao menos o pensamento formal. No entanto, para quem cultiva este prazer, o livro não decepciona: didático, apresenta com fartura de exemplos, 76 figuras ao todo, os detalhes de cada tipo de código, aprofundando ainda algumas explicações em apêndices. Estes exemplos foram certamente um desafio a mais para o tradutor que, infelizmente, em diversas passagens não esteve à altura: inglês e português misturam-se as vezes em meio aos passos de codificação e decodificação.
Além dos prazeres matemáticos, diversos episódios históricos e histórias folclóricas informam e divertem o leitor. Dentre os primeiros destaca-se a luta da equipe de criptógrafos ingleses que, durante a Segunda Guerra Mundial, decifrou, com o auxílio de máquinas eletrônicas, precursores dos computadores, a máquina de codificação alemã Enigma. A participação do matemático Alan Mathison Turing nesta luta é detalhada em sua biografia Alan Turing: the Enigma, escrita por Andrew Hodges e ainda sem tradução para o português.
Outro episódio histórico interessante foi o uso, também durante a Segunda Guerra Mundial, pelo exército americano, principalmente na guerra do Pacífico, de índios Navajos, cujo idioma, com estrutura e raízes lingüísticas únicas, é um perfeito código secreto, com a vantagem de permitir comunicação quase em tempo real, sem a necessidade de nenhum processo de decodificação escrito, o que é vital no campo de batalha. Um parêntese interessante dentro da história dos códigos, linguagens concebidos para ocultar o conteúdo das mensagens, é dedicado à decifração de escritas antigas, que embora não tivessem como objetivo ocultar seu conteúdo teve seu significado perdido ao longo do tempo. Neste parêntese, personagens como Thomas Young, Jean François Champollion e Alice Kober tem suas vidas e vitórias descritas.
Dentre as histórias folclóricas, o mistério do tesouro de Beale merece menção: um cowboy, Thomas J. Beale, teria acumulado uma fortuna de 20 milhões de dólares, escondido-a e deixado, com Robert Morris, dono do Washington, em Lynchburg, Virgínia, uma caixa com documentos cifrados revelando a localização do tesouro. A chave da cifra teria sido deixada com um amigo, que nunca apareceu. Desde então os documentos permanecem indecifráveis e o tesouro escondido.
Os três últimos capítulos tratam do presente e do futuro e mostram como a comunicação globalizada levou a um impasse na privacidade: se pessoas comuns puderem ter acesso à mais avançada tecnologia de criptografia e ter assim seus e-mails secretos protegidos, então os criminosos e terroristas também terão e poderão planejar suas atividades sem que possam ser descobertos, mesmo com licença judicial para a escuta de suas comunicações. Uma explicação acessível para leigos sobre a criptografia quântica, a escrita secreta do futuro, escerra o livro.
Simon Singh é filho de emigrantes indianos e nasceu em 1964, em Wellington, Inglaterra. Doutorou-se em física pela Universidade de Cambridge e trabalhou dois anos no Centro Europeu para Partículas Físicas (CERN), em Genebra, Suíça, em busca do top quark, um dos tijolos básicos na estrutura da matéria. Em 1991, passou a trabalhar no departamento de ciência da BBC. Participou dos programas World Tomorow e Horizon, onde foi co-produtor de um documentário, ganhador do prêmio BAFTA. Escreveu ainda O Último Teorema de Fermat, já resenhado no Redemoinho, e The Science of Secrecy, também sobre a história da criptografia. Mantém atualmente uma página na Internet onde vende e indica livros e anuncia suas palestras.
O livro tem oito capítulos, as vezes um pouco longos, que correspondem basicamente aos diversos estágios da evolução das técnicas de criptografia. Inclui ainda dez apêndices (de A a J) com explicações mais detalhadas de alguns dos tópicos tratados, um glossário e uma seção de bibliografia recomendada, inclusive com diversos endereços Internet, além de agradecimentos e créditos das muitas fotos que ilustram o livro. Ao ser lançado no Reino Unido em 1999, o livro incluía um desafio com um prêmio de 10.000,00 libras esterlinas, na forma de 10 mensagens cifradas, com complexidade de decifração crescente. Embora não seja mais válido, enquanto desafio oficial, as dez cifras foram incluídas no final do livro como desafio pessoal aos leitores. Os resultados podem ser encontrados na página: The Cipher Challenge Home Page.