Um almirante na mira da polícia
Dono de um iate de R$ 3 milhões, Euclides Matos, ex-chefe do Estado-Maior, é acusado num esquema de importações subfaturadas
Francisco Alves Filho
LUXO O almirante e o Safira, ancorado na Marina da Glória, no Rio de Janeiro
Em 44 anos de carreira na Marinha, o almirante Euclides Duncan Janot de Matos ocupou vários cargos importantes, chefiou o Estado-Maior da Armada e foi apontado, em 2007, como candidato a comandante da Força. Atualmente na reserva, Matos acabou por ter seu nome e seus títulos manchados no dia 30 de junho, quando se tornou o primeiro oficial quatro estrelas das Forças Armadas brasileiras preso por crime comum.
Foi fisgado na Operação Luxo, da Polícia Federal do Ceará, junto com os donos do estaleiro Inace (Indústria Naval do Ceará) e da empresa Marimar. Todos são acusados de integrar um esquema de importação ilegal de artigos subfaturados. O ponto de partida foi uma denúncia oferecida em 2006 pelo Ministério Público Federal do Ceará. Nela, Matos é acusado de receber de presente o Bucaneiro, um trawler (espécie de superiate), por intermediar ilegalmente negócios do Inace com a Marinha.
Naquele ano, o estaleiro fechou contratos no valor de R$ 103 milhões para construir navios-patrulha. Agora, a PF acusa o almirante de ajudar a fraudar licitações da Marinha e da Petrobras. Recentemente, ele trocou o Bucaneiro por outro barco, ainda maior, registrado em nome de sua empresa: é o Safira, embarcação de 75 pés (22,86 m), também fabricada pelo Inace, avaliada em R$ 3 milhões.
No esquema descoberto pela PF, as empresas importavam peças e equipamentos destinados à construção de embarcações civis e militares. Os contêineres transportavam também artigos supérfluos de luxo. Tudo era subfaturado. "Na nota fiscal falsa, um relógio importado por quatro mil euros aparecia como se tivesse sido adquirido por cerca de US$ 100", explicou o delegado da PF Cláudio Joventino, que coordenou as apurações. Dessa forma, as empresas enganavam a alfândega brasileira, que cobrava impostos com base em valores equivalentes a 5% do custo real, lançados nos documentos falsificados.
O Inace teria criado uma empresa em Miami para viabilizar a fraude. "É como se os produtos tivessem sido comprados lá, mas, na verdade, a empresa só emitiu a nota", explica Joventino. A principal peça no esquema era justamente o estaleiro Inace, cujos donos - Elisa Maria Gradvohl, Gil Bezerra e Robert Gil Bezerra - foram presos. Foi preso também o dono da Marimar, José Antônio do Carmo. O único acusado fora do Ceará foi o almirante Matos, que ganha de soldo cerca de R$ 15 mil e é dono da Internave Engenharia. "Minha casa foi invadida por policiais federais com mandado de busca e apreensão", disse à ISTOÉ o militar da reserva, atualmente em liberdade, depois de cumprir prisão temporária. O almirante não quis comentar os motivos de sua detenção. "Ainda não tive acesso aos autos, não sei do que me acusam", disse. Assim como ele, todos os outros presos já foram libertados.
"Ainda não tive acesso aos autos, não sei do que me acusam"
Euclides Duncan Janot de Matos, almirante
Há oito anos, Matos foi acusado de malversação de recursos públicos quando, ainda como vice-almirante, comandava a Diretoria de Portos e Costas da Marinha. O Tribunal de Contas da União constatou irregularidades no convênio firmado com a Fundação de Estudos do Mar (Femar), no valor de R$ 4 milhões. O acordo serviu na verdade para contratar serviços e funcionários de forma irregular. Foram beneficiados vários oficiais reformados da Marinha, um deles dono de um escritório de advocacia - a diretoria possui assessoria jurídica própria -, e outros que emitiam recibos de autônomo, embora fossem funcionários efetivos do órgão. O TCU apurou que as falhas existiram, mas "não por má-fé".
Na denúncia de 2006, o procurador da República Merton Vieira Filho concluiu que o almirante tinha ajudado ilegalmente o Inace a conseguir contratos com a Marinha, e tinha sido recompensado por isso com o barco Bucaneiro. Em sua defesa, Matos alegou que o valor do barco era de cerca de R$ 720 mil e tinha sido comprado por uma de suas empresas, a JM Empreendimentos Náuticos e Imobiliários Ltda. O capital social da JM era de R$ 552 mil - inferior, portanto, ao valor da embarcação. Diante da ação do MP, o almirante passou o barco à frente.
Matos recorreu ao STJ e o processo foi transferido da 12ª para a 11ª Vara Federal do Ceará, onde provavelmente deverá ser encerrado. Sua nova dor de cabeça, no entanto, deve ser o sofisticado barco Safira, dotado de uma suíte, três dormitórios, sala de jantar, salão de jogos e dois banheiros. "Essa embarcação está em nome da Internave", diz Matos. O superiate foi fabricado pelo mesmo estaleiro Inace que a PF aponta como cabeça do esquema criminoso.
link:
http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2 ... 3879-1.htm