Leiam a entrevista abaixo, com o falecido Dr Verdi:
Entrevista concedida por João Verdi Leite durante a Exposição Eurosatory 2002, em Paris, França
Realizada pelo Defesa@Net na época com o então presidente da AVIBRÁS, engo. João Verdi Leite, desaparecido em 24 de janeiro deste ano. Esta entrevista é utilizada e publicada agora pelo Sítio na abertura da MISSÃO EUROSATORY 2008 em póstuma homenagem.
No contexto dessas empresas entrevista está uma ferrenha disputa entre a AVIBRAS e EMBRAER pelo Programa F-X. A AVIBRAS estava associada com o Programa russo Su-35. Também menciona o futuro do Sistema de Foguetes ASTROS.
DEFESA@NET: Qual o negócio básico da AVIBRAS?
Eng. Verdi: O negócio básico da AVIBRAS é engenharia. Realmente faz diferença na AVIBRAS ser capaz de fazer engenharia, ter caminhos próprios, tecnologia própria na maioria das vezes é absolutamente vital. A exceção na vida da AVIBRAS é a parceria, assim tem sido ao longo da história da AVIBRAS. Isso é que deu continuidade à AVIBRAS até hoje. Então no quadro atual, estão aparecendo muitas oportunidades e novos projetos.
DEFESA@NET: Dentro dessas oportunidades há uma retomada na história da AVIBRAS que é a indústria aeronáutica.
Eng. Verdi: Não existem restrições hoje que impeçam mais empresas de atuarem no ramo aeronáutico no Brasil situação existente no tempo da EMBBRAER estatal. Essas restrições havidas no passados foram determinantes no crescimento da EMBRAER e foram excessivas a ponto de não dar lugar a outras empresas daquele tempo..
DEFESA@NET: O Senhor tem competidores finais no Projeto F-X. Como são vistas as possibilidades no projeto F-X?
Eng. Verdi: A AVIBRAS fez sua proposta que foi muito bem aceita pela Força Aérea do país. Existe uma certa preferência política pela EMBRAER (Mirage 2000BR), que pode realmente mudar o quadro final.
DEFESA@NET De onde viria esse favorecimento político?
Eng. Verdi: A EMBRAER está hoje numa posição muito boa como um dos maiores exportadores do país. Lugar, que com muito merecimento alcançou, e isso faz com que as autoridades financeiras no âmbito do Planalto tenham muita boa vontade com a EMBRAER o que é muito plausível, mas não é plausível em termos de oportunidade e competição olhando o futuro do país. Que outras empresas entrem nesse campo, que haja competição, nós somos uma das candidatas a competir.
DEFESA@NET: O Sr. levou 41 anos para dar uma resposta política “low profile”...
Eng Verdi: A empresa reagiu às afirmações da EMBRAER, que não são verdadeiras e nós não poderíamos ficar quietos. Fundamentalmente isso. Existe uma situação de fato que precisava ser esclarecida . Basicamente isso. Foi mais uma reação do que uma ação.
DEFESA@NET: O Senhor pode detalhar mais como seria esse acordo com a Rússia? (colaboração no Programa Sukhoi Su-35)
Eng. Verdi: A proposta é bem aberta num campo muito amplo e mais poderá ser efetivado quando forem acrescidas outras demandas, principalmente se vencermos essa concorrência imediatamente. Nesta hipótese, abrir-se-á uma série de oportunidades de negócios conjuntos.
DEFESA@NET: Esses negócios conjuntos serão voltados ao mercado externo ou tão-somente na área aeronáutica?
Eng. Verdi: Também e fundamentalmente na área aeronáutica e uma parcela importante na área espacial. Mas fundamentalmente na área aeronáutica.
Na área espacial é fazer co-produção de mísseis ligados ao emprego do avião. Incluiria mísseis ar- ar e ar-terra. A aplicação seria ligada ao avião.
DEFESA@NET: Como o Senhor vê a decisão do US Army do dia 15 de maio (2002) em basear a artilharia no sistema MLRS e HIMARS? ( Nota - DEFESA@NET Sistemas de foguetes similares ao ASTROS II)
Eng Verdi: O ASTROS II foi e ainda é um sucesso inclusive pela própria tecnologia na aplicação do sistema de saturação, que é muito importante na artilharia moderna e que terá sua vida extendida por mais 50 anos.
DEFESA@NET: - E nessa vida para os próximos 50 anos o que a AVIBRAS planeja para manter sempre atual o sistema?
Eng Verdi: Vamos continuar a modernizar os sistemas eletrônicos, vamos continuar o trabalho nas listas de munições, manteremos uma engenharia bastante interessante e esses desenvolvimentos são novíssimas e tem um andamento muito amplo e possui uma plataforma que tem se mostrado ser excelente. O HIMARS deverá ter entregas até 2025 e uma vida operacional de 30 anos e nós estaremos falando em 2050. Estamos falando de um período de tempo de mais de 50 anos.
DEFESA@NET: Pode explicar esse segredo para nós? E como foi desenvolvido o conceito da arma?
Eng Verdi: O equipamento tem realmente excelentes características. Tivemos sorte. Veja, existe um núcleo muito bom na AVIBRAS, que permanece esse tempo todo, uma escola que criamos e estamos transmitindo essa experiência. Fomos felizes
DEFESA@NET: Como é vista a adoção do ASTROS II pelo Exército Brasileiro?
Eng. Verdi: O exército em várias oportunidades tem nos falado que quer aumentar a participação do ASTROS II . Depende do orçamento. Eles estão muito satisfeitos com a performance do ASTROS II..
DEFESA@NET: A AVIBRAS tem uma questão que pouco menciona mas que é uma das bases do seu sucesso: os propelentes. O sr. pode falar mais sobre esse assunto?
Eng Verdi: - Sim os propelentes da AVIBRAS são atualizados e nós estamos seguindo com cuidado o desenvolvimento dessa área no mundo como um todo, e isso tem feito para a AVIBRAS uma diferença.
Nós fomos pioneiros em aplicações novas de propelentes, em várias oportunidades ao longo da história da empresa e isto favorece a AVIBRAS.
DEFESA@NET: Para um país que está fora do eixo de desenvolvimento tecnológico militar a AVIBRAS foi uma desbravadora.
Eng Verdi: É verdade. Realmente um país como o Brasil onde os investimentos em pesquisas são próximos de zero, onde todo o recurso disponível é colocado nos setores estatais e não na indústria, ao contrário dos Estados Unidos, onde o desenvolvimento da indústria é prioritário, e eles conseguem numa velocidade inserir produtos novos no mercado obtendo resultados para a economia muito maior que os outros paises demonstram. Aqui ganham dianteira constantemente ao longo do tempo. O Brasil precisa mudar sua política de pulverizar recursos para o investimento político de crescimento da economia em termos de produtos novos. Na AVIBRAS fomos nessa direção e não é por acaso que parte expressiva do seu faturamento é investido no desenvolvimento interno da empresa. Isso tem dado resultados muito bons para a empresa e para o país .
DEFESA@NET: O Senhor pode detalhar quais serão os próximos passos dos desenvolvimentos que estão na fase final?
Eng Verdi: Propelentes , materiais e processos e gerando uma família nova de munições para os ASTROS . Veículos novos e capacitação da AVIBRAS em competir no mercado internacional. O problema da AVIBRAS é que continua competindo com as grandes. Estamos em um país onde nossa atividade praticamente não recebe nenhum apoio
DEFESA@NET: Além de não receber apoio muitas vezes estão próximos ao bloqueio...
Eng. Verdi: A AVIBRAS tem de criar seus próprios caminhos é por isso que nós temos de investir fortemente em pesquisa e desenvolvimento. Nós temos de achar o nosso caminho. Nenhum país desenvolvido ensina seus últimos resultados para um país emergente que pode no dia seguinte concorrer. Ninguém gosta da concorrência, nós temos de andar sobre as próprias pernas. É por isso que a AVIBRAS conseguiu sobreviver todos esses anos. Ela anda sobre as próprias pernas. Poucas vezes nós tivemos parcerias e na verdade elas ajudam a curto prazo, mas que são verdadeiras camas de gato. Alguém pode retirar seu tapete na hora certa...
DEFESA@NET: Se o parceiro é muito maior.....
Eng Verdi: Exatamente seremos presa, falou bem! Nesse mercado competitivo na verdade o conhecimento a cada dia fica cada vez mais veloz. No nosso mercado você tem de criar conhecimento por você mesmo. A AVIBRAS é capaz de fazer isso.
DEFESA@NET: E o apoio da área política?
Eng.Verdi: A área política brasileira está ainda muito longe da nossa atividade. Não existe ainda uma política de defesa no Brasil. Inexiste uma política industrial no Brasil, não há uma proteção, pela Constituição Federal, à empresa nacional, especialmente nas áreas de energia, tecnologia e administração. Aqui, as empresas são geralmente niveladas a qualquer outra que vem e se instala no Brasil. Então politicamente existe o contrário até, uma desproteção à empresa nacional. Do ponto de vista tributário chega ser um absurdo. Hoje a empresa nacional no caso de munição por exemplo paga 25 % a mais de imposto que a empresa estrangeira exportando para o Brasil. Existe uma desproteção à empresa brasileira.Existe uma punição do poder político de governo não querendo fabricar no Brasil. Não queremos empresa nacional. Se você resolver fabricar munição no Brasil vai ser punido no mínimo com 25% a mais de imposto.
DEFESA@NET: Isso foi aplicado a munição de armas leves e foi estendido a munições de grande calibre?
Eng. Verdi: Sim toda a munição. No caso de veículos são 18 %. Veículo militar produzido no Brasil paga 18 % a mais que o veículo importado.Existe na verdade uma política contrária, não queremos empresa nacional no campo militar É o que o governo sinaliza para o empresário. Então no campo político ele não está vendo, não está percebendo isso, não está se movimentando em sentido contrário.
Sob o ponto de vista de governo em relação a empresas de tecnologia de defesa no Brasil e de tecnologia de maneira geral também não há uma política. Não existe uma política industrial isso que eu digo ao executivo. A plataforma Brasil hoje é uma plataforma desfavorável ao desenvolvimento tecnológico. Uma coisa que é pouco conhecida é que são as indústrias de defesa que puxam o desenvolvimento tecnológico na sua grande maioria, e que forma uma frente multidisciplinar que exige o que há de mais moderno e o Brasil está perdendo esse momento por falta de uma política adequada. O investimento nesse campo é altamente rentável para o país como nação e economia. Há cálculos em que a média de investimento na área de defesa geram 12 vezes o valor a médio prazo no PIB. É um excelente investimento que dá retorno real no PIB. O Brasil está perdendo a oportunidade de investir no lugar certo.
DEFESA@NET: E o apoio do militares?
Eng. Verdi: Eles têm dado o apoio na medida de sua capacidade. Os Comandos Militares sofrem um cerceamento de orçamento extraordinário, têm sofrido nesses anos. O Brasil hoje é um país com uma distorção muito grande no orçamento das forças armadas - estamos gastando um mínimo do PIB, tanto que na clássica situação do país, deveria ser dez vezes maior.
Hoje mais do que nunca ficou patente que a atividade de defesa é uma necessidade mais ou menos permanente enquanto homem for o homem que é .Uma relação similar foi o que aconteceu no ano passado. O 11 de setembro foi um alerta da mudança na forma de que os ataques ocorrem. Isso alertou toda a comunidade internacional, espero que alerte o Brasil também. Nós vivemos no Brasil uma situação muito particular, de estabilidade, mas o mundo mudou e a instabilidade está no mundo inteiro e isso vai mudar no Brasil também. É hora de se conscientizar disso.
http://www.defesanet.com.br/eurosatory2008/01_verdi.htm