Valor:
Crise militar ameaça supersônico da FAB
Raymundo Costa, de Brasília
Ao contrário do que ocorreu com o governo tucano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende passar o cargo ao sucessor com a compra dos novos caças da Força Aérea Brasileira (FAB) fechada. O negócio, estimado em R$ 10 bilhões, arrasta-se desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e corre mais riscos de um novo atraso à medida que Lula adia uma decisão já tomada em favor do caça Rafale, de fabricação francesa. O anúncio pode ser feito ainda neste semestre.
Lula anunciou em setembro a opção pelo Rafale, depois que a FAB listou os três caças - numa relação inicial de cinco supersônicos - que atendiam suas demandas operacionais. Além do avião francês da Dassault, concorriam o F-18 americano e o Gripen NG da Suécia. À época os concorrentes disseram que o Rafale era o avião de maior preço. Um novo prazo foi aberto até outubro de 2009 para que as empresas, inclusive a Dassault, fizessem novas ofertas. Todas refizeram suas propostas.
Agora, já com as novas propostas em poder do governo e a indicação de que elas nada trazem de novo para mudar a decisão de Lula, surgiram dois novos problemas de poder explosivo político de alto teor. O primeiro foi a divulgação do conteúdo de um relatório preliminar da aeronáutica, pela "Folha de S. Paulo", segundo o qual, tecnicamente, o equipamento que melhor atendia à Força era o Gripen NG. O Rafale ficava em terceiro. A ordem do ministro da Defesa, Nelson Jobim, é para que a aeronáutica limite o parecer à questão técnica, sem ranking. Se o fizer, será ignorada, segundo fontes da Defesa.
Não por acaso, o vazamento de uma das versões do parecer preparado pela aeronáutica coincidiu com um momento delicado nas relações do governo Lula com os militares, por causa do decreto do presidente da República que permite a revisão da lei da anistia. Mas não é só: a oposição se aproveita da divisão para tentar causar embaraços a Lula.
Mesmo com o Congresso em recesso, parlamentares da oposição articulam um abaixo assinado ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), no qual pediriam que o Legislativo se posicione a favor do parecer da aeronáutica, na reunião do Conselho de Defesa que for discutir o assunto. O Planalto recebeu versões segundo as quais o movimento dos congressistas decorreria do lobby de oficiais da aeronáutica, das empresas concorrentes e até dos dois, ao mesmo tempo, mas nenhuma delas foi confirmada.
De concreto o que há é o vazamento do parecer da aeronáutica, em uma de suas versões que não seria a final. De acordo com fontes próximas às negociações para a renovação da frota de caças da FAB, o vazamento foi um ato "corporativo" da aeronáutica, Força que ainda não teria se conformado com a perda de poder e seu novo papel com a reestruturação do Ministério da Defesa, projeto em tramitação no Congresso desde 2009.
Entre outras coisas, a aeronáutica perdeu a Infraero, agora vinculada ao Ministério da Defesa, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) passou a ser a autoridade sobre o espaço aéreo, e à FAB resta a autoridade militar. "Ou tem acordo com a França ou não tem caça", resumiu fonte ligada às negociações para a compra dos aviões.
O entrevero político é que ameaça o anúncio do Rafale. Só há uma hipótese de Lula voltar atrás, segundo interlocutores do presidente e do ministro da Defesa: se as novas propostas apresentadas pelas concorrentes Boeing (F-18) e Saab (Gripen NG) tiverem mudanças profundas e a Dassault (Rafale) não tenha feito uma adequação no preço, conforme o prometido. Seria um risco político alto para Lula comprar pelo maior preço sem uma boa justificativa.
O ministro Nelson Jobim, em mais de uma ocasião, e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em declaração feita ontem em Genebra, afirmam que a decisão será política. Na realidade, o próprio comandante da aeronáutica, Juniti Saito, disse o mesmo, quando anunciou a ampliação dos prazos: "Nós faremos a análise técnica. O governo vai analisar a parte política e estratégica." Esse é o argumento do presidente Lula para justificar sua escolha pelo Rafale, anunciada em termos nem tão definitivos no Sete de Setembro do ano passado, quando o presidente da França, Nicolas Sarkozi, se achava no Brasil.
O argumento da Defesa e do Planalto era que a FAB havia determinado que os supersônicos das três empresas atendiam a suas necessidades operacionais. Cabia, portanto, ao presidente decidir qual entre os três atenderia melhor os termos da Estratégia Nacional de Defesa. Isso significa basicamente o seguinte: a FAB decide focada no interesse da corporação; o governo, além disso, leva em consideração também o projeto que mais agrega ao desenvolvimento nacional e não apenas à Defesa.
Antes de Lula dar a palavra final, o ministro Nelson Jobim vai analisar as propostas refeitas e o parecer da FAB. Mas a intenção do governo é tentar concluir o processo e fechar a negociação neste semestre. O período subsequente será complicado, pois, além da Copa do Mundo de futebol, que mobiliza o país, haverá eleições para deputados, senadores, governadores e presidente da República. O ambiente político será ainda mais delicado que o atual.
A escolha da França como parceira deve-se ao fato de ser um país com poder real, um grande complexo militar e que tem assento no Conselho de Segurança da ONU. Entre os três caças oferecidos, segundo as fontes ouvidas pelo Valor, somente dois realmente satisfariam a demanda brasileira, que requer um avião com autonomia continental e poder de fogo não só dissuasório, como pede a estratégia de defesa, mas também possa rapidamente se transformar numa arma de ataque: o Rafale francês e o F-18 americano.
O Gripen ainda não é um avião, mas um projeto. Além disso, tem equipamentos fornecidos pela General Eletric, o que o coloca no raio de ações das restrições americanas. A Embraer, recentemente, não pode vender aviões à Venezuela por disporem de componentes americanos. O que o Brasil quer fazer com a França, de certa forma, é mais ou menos o que Hugo Chávez faz com a Rússia (que entrou na seleção inicial com o caça Sukhoi), com a vantagem de que a França é um país estável politicamente, mais próximo geograficamente e com menor barreira idiomática.
A Marinha já desenvolve em parceria com a França o submarino nuclear e a aviação do Exército é formada por helicópteros de tecnologia francesa. A aeronáutica, segundo se afirma no primeiro escalão do governo, é quem deve "subordinar seus objetivos e estratégias" ao Ministério da Defesa e não o contrário.
Tomando emprestada a notícia do Valor Econômico postada pelo Marino, e já tão comentada em várias páginas de hoje, destaco outras partes para mandar um recado à Dona FAB:
O recado foi dado e foi bem claro...Toma juízo Dona FAB, toma juízo...