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Mensagem
por Marino » Seg Out 18, 2010 10:48 am
O Cáucaso à beira da guerra
Terrorismo, separatismo e interesses geopolíticos de russos e americanos elevam a tensão na
região
Jamil Chade ENVIADO ESPECIAL SUKHUMI, ABKHÁZIA - O Estado de S.Paulo
O chanceler da Abkházia, Maxim Gundjia, recebeu a reportagem do Estado em seu gabinete.
Poucas horas após a entrevista, a casa do vice-presidente do país, Alexandre Ankvab, foi atingida por
um morteiro. Ele sobreviveu de forma milagrosa. Seu assassinato poderia ter desencadeado um novo
conflito numa região que está sendo alvo de uma disputa silenciosa entre Moscou e Washington. "O
Cáucaso está a beira de uma guerra e o mundo precisa saber disso", disse Gundjia.
A região foi palco de um conflito em 2008, quando a Geórgia invadiu a Ossétia do Sul, que ela
considera uma província rebelde, causando uma violenta reação russa. O Kremlin expulsou as tropas
georgianas e acusou Washington de ter patrocinado a intervenção. O conflito se espalhou para a
Abkházia, que travou cinco guerras pela independência contra a Geórgia desde 1992.
O Cáucaso é o centro de uma batalha pelo geopolítica. Para governos, especialistas e simples
cidadãos, não há como negar que a tensão é alta e a situação está prestes a explodir mais uma vez. "Em
2008, encontramos armas que os georgianos deixaram e estava claro que eram americanas e europeias.
Agora, pelas informações que recebemos, eles já se rearmaram e tentarão reconquistar o que
perderam", afirmou Gundjia. "Em 2008, sentamos com Javier Solana (então chefe da diplomacia da UE)
e dissemos que tínhamos informações de que a Geórgia atacaria. Ninguém nos ouviu. Agora, estamos
dizendo mais uma vez."
O conflito em 2008 foi o pretexto para que Moscou ocupasse a região e reconhecesse Abkházia
e Ossétia do Sul como novos países, uma reivindicação antiga. Na prática, ambos dependem
completamente do Kremlin para sobreviver. "A principal fonte de renda do país é o governo russo", afirma
Beslam Baratelia, professor de economia da Universidade de Sukhumi, capital da Abkházia. Segundo
ele, US$ 100 milhões por ano são enviados de Moscou para manter os órgãos públicos, pagar salários
de ministros e fazer o Estado funcionar.
No entanto, nem todo o mundo está satisfeito. "Há uma certa desilusão em relação aos russos",
explicou Irakli Khintba, pesquisador do Centro para Programas Humanitários de Sukhumi. "Todos
achavam que, após o aval russo, as portas estariam abertas para um reconhecimento internacional. Não
foi isso que aconteceu." Até agora, apenas quatro países reconhecem a Abkházia - Rússia, Venezuela,
Nicarágua e Nauru -, que, na prática, se tornou um protetorado russo, com 3 mil soldados do Kremlin no
território.
A situação ficou ainda mais tensa há dois meses, quando os russos instalaram na região um
sistema de mísseis. Na Geórgia, o presidente Mikhail Saakashvili reuniu-se com a secretária de Estado
dos EUA, Hillary Clinton, para fechar os detalhes de um acordo estratégico entre os dois países.
"O governo americano está lançando uma política contra nossa independência, que inclui
congelar nosso dinheiro no exterior", acusou o chanceler. Segundo ele, uma viagem do presidente da
Abkházia à Venezuela, em julho, quase teve de ser cancelada por causa da recusa americana em
autorizar uma transferência bancária para pagar o avião.
"Estamos vendo um fortalecimento da posição americana no Cáucaso, criando uma espécie de
cinturão para frear a Rússia. A Geórgia está sendo usada. Há bases bases americanas que podem ser
empregadas em um ataque ao Irã. Se isto ocorrer, significará uma guerra no Cáucaso", disse.
Saakashvili prefere atacar Moscou. "Temos de deixar de ser vassalos e não podemos sucumbir à
anexação", afirmou. Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, ele defendeu uma união do
Cáucaso e pediu que a Rússia abandone a região. "Há uma ocupação ilegal ocorrendo para destruir a
democracia. A Rússia tem uma escolha. Ou faz parte de uma transformação ou ela ocorrerá sem vocês."
O presidente da Abkhazia, Sergei Bagapsh, respondeu. "Saakashvili continua com sua política
beligerante. Ele não entendeu que não aceitamos mais fazer parte da Geórgia", disse Bagapsh, que
insinuou a participação georgiana no atentado contra o vice-presidente.
A tensão vai além da Geórgia. Os russos temem o crescimento de grupos insurgentes islâmicos
na região.Segundo o procurador russo, Artem Melnikov, mais de 50 ataques terroristas foram frustrados
desde o começo do ano no Cáucaso, mas outros 246 não foram evitados. Em nove meses, 800 quilos de
explosivos foram apreendidos e 140 bombas desativadas. Em 2010, a guerra contra o terror fez 160
mortos e mais de 200 pessoas foram presas.
PARA LEMBRAR
Em 7 de agosto de 2008, tropas da Geórgia entraram na Ossétia do Sul, região separatista que
funciona como entidade independente desde a queda da União Soviética. Elas não conseguiram tomar
controle da capital, Tskhinvali, a 35 km da fronteira com a Rússia. Na manhã seguinte, forças russas
entraram na Ossétia para expulsar os georgianos, e chegaram a tomar cidades da Geórgia dias depois.
Dada a velocidade da reação, a Rússia estava esperando o ataque e tinha soldados a postos. Os dois
países assinaram um cessar-fogo mediado pela União Europeia, mas militares russos permanecem na
Ossétia e na Abkházia. A independência das duas foi reconhecida pela Rússia após a guerra, e por mais
três países. A tensão permanece alta na região.
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Abkházia é um retrato do isolamento
Apenas quatro nações reconhecem a independência do país, que não tem aeroporto internacional
nem emite passaporte
Jamil Chade ENVIADO ESPECIAL SUKHUMI, ABKHÁZIA - O Estado de S.Paulo
SUKHUMI, ABKHÁZIA
A Abkházia não tem código internacional de telefone, aeroporto internacional ou domínio de
internet. Ainda assim, o governo e a população insistem que o país é independente. A sede do Ministério
das Relações Exteriores é o retrato mais claro do isolamento. Situada em um dos muitos prédios
marcados por bombas, não tem um só quadro nas paredes, presentes de países estrangeiros ou material
de promoção do país. Além disso, o único elevador não funciona.
Maxim Gundjia, o chanceler, corre de um lado para o outro. Com 34 anos, sem gravata e filho de
um dos heróis mortos na guerra de 1992, ele sabe que a fragilidade da situação. "A visão de fora é de
que somos um bando de separatistas fanáticos. Não é nada disso. Existimos", disse.
Apesar do esforço, além da Rússia, apenas Venezuela, Nicarágua e Nauru, uma ilhota no
Pacífico, reconhecem a Abkházia. A piada mais comum sobre a independência do país é que Sukhumi, a
capital, terá três voos diários ao exterior: todos para Nauru.
O principal foco de atenção diplomática agora é a América Latina. "Essa é hoje a única região
independente do mundo. Não tem nem laços de dependência com americanos nem com russos", disse
Gundjia. A meta é conseguir o reconhecimento de Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Não por acaso,
Gundjia já até tem um cartão de visitas em espanhol.
"Se conseguirmos esses reconhecimentos, será mais fácil convencer o Brasil." Por enquanto, só
os russos mantêm um consulado na capital, mas dizem que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, já
prometeu enviar um representante para a capital Sukhumi, de 50 mil habitantes.
"A população leva a vida como se estivesse em um país independente", afirmou o chanceler.
Eleições ocorrem normalmente e há até um campeonato nacional de futebol, embora não reconhecido
pela Fifa. No entanto, para viajar para o exterior, é preciso um passaporte russo, já que o documento
emitido pela Abkházia não é reconhecido pela comunidade internacional.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco