A verdadeira revolução que está prestes a acontecer nos mercados - e que Trump apenas acelerou
O centro de gravidade dos mercados está mudando, destaca a gestora Ashmore - e o grande marco deste movimento ocorreu nos últimos dias com as falas de Xi Jinping e Donald Trump
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SÃO PAULO - Os últimos dias foram sintomáticos para retratar uma nova tendência mundial, praticamente uma revolução sobre o que será o novo grupo de forças que se desenha para os próximos anos. A consultoria britânica Ashmore voltada para os mercados emergentes destacou esse movimento, apontando que o significado das visões nítidas e contrastantes da política econômica do presidente chinês Xi Jinping e do presidente dos EUA, Donald Trump "marcam o momento em que a China assumiu formalmente o manto da 'América' como o líder mundial em questões econômicas".
Conforme aponta a gestora, esta mudança já estava no radar desde 2008/2009, com a China se preparando há anos com reformas agressivas, mesmo em detrimento de um crescimento mais lento. Por outro lado, apontam, "os Estados Unidos e outras economias desenvolvidas vaguearam inexoravelmente em direção a uma onda de miopia, negligência de reformas, emissões de dívida e, ultimamente, uma guinada para o nacionalismo econômico. E assim nós finalmente chegamos ao inevitável ponto de virada, quando a China formalmente assumiu o manto da América como líder mundial incontestável em questões econômicas".
Os consultores classificam o discurso de posse do presidente dos EUA, Donald Trump, em que afirmou que o "protecionismo levará a uma grande força e prosperidade" de um grau chocante de analfabetismo econômico. Segundo a Ashmore, "sua visão sombria, defensiva e atípica americana de pessimismo e derrotismo foi uma abdicação de fato do papel antigo da América como líder mundial incontestável em questões econômicas. Em contrapartida, a mensagem do presidente Xi Jinping em Davos enunciou uma agenda positiva e ambiciosa de abertura e apoio à globalização com as palavras 'a proteção é como trancar-se em um quarto escuro'".
Além disso, apontam, as posições contrastantes adotadas por Xi e Trump são dotadas de ironia, uma vez que o líder da China Comunista estava defendendo os mercados livres, enquanto o "líder do mundo livre" propõe transformar os negócios de seu país no equivalente a "agricultores franceses protegidos". Contudo, vale lembrar: a China vem liberalizando sua economia há décadas.
Mas quais serão as consequências disso? De acordo com a gestora, a transferência da liderança econômica global vai desafiar seriamente o setor financeiro, que geralmente está desesperado para ser visto como do "lado do poder".
Por enquanto, a economia dos EUA ainda é maior do que a China e os mercados financeiros globais estão muito mais presentes em território americano do que no do gigante asiático." A indústria financeira agora encontra-se na posição desconfortável de ter que justificar a posição usual de otimismo sobre os EUA", aponta a consultoria. Para ela - ao contrário da opinião de boa parte do mercado - o governo Trump terá um impacto negativo na economia e muito mais empresas perderão do que ganharão neste processo.
A Ashmore faz duras críticas ao protecionismo proposto por Trump, apontando-o como uma insensatez suprema e citando exemplos históricos. Na década de 1970, os EUA tentaram em vão proteger uma indústria automobilística que produzia enormes veículos contra as importações de veículos japoneses menores, mais eficientes em termos de consumo de combustível e, em última instância, mais sofisticados. "Em retrospecto, é claro que o Japão não era culpado. Os carros japoneses eram apenas melhores. As importações não foram o problema. Afinal, eles apenas forneceram aos consumidores os produtos que realmente queriam. Proteger as indústrias moribundas pode salvar empregos no curto prazo, mas o protecionismo torna-se ridículo a longo prazo", avaliam, ressaltando que a indústria americana hoje não deve ser mantiva viva por meios artificiais a um custo enorme para o resto da economia.
"Claramente, a China e os EUA estão se colocando em caminhos que irão acelerar a hegemonia econômica da China, enquanto os EUA agora estão minando diretamente seu próprio futuro econômico. O caminho da China é de reforma implacável, enquanto a América aplica estímulo implacável. A China está se abrindo enquanto a América está fechando. Os investidores e o resto do mundo devem tomar conhecimento desses desenvolvimentos contrastantes".
Para a consultoria, a China tem mostrado liderança mesmo diante do anseio populista ao, para a perplexidade de muitos, ter insistido em reformar mesmo à custa de uma desaceleração no crescimento. "Talvez agora caminho da China vai começar a fazer sentido para os detratores. A verdade é que a China reconheceu astutamente que em 2008/2009 houve uma crise da dívida no mundo ocidental e que a resposta política amplamente adotada - mais gasto fiscal e impressão de dinheiro, ao invés de atacar os problemas subjacentes de excesso de dívida e a diminuição da produtividade - acabariam por conduzir a um ambiente mais hostil para as exportações chinesas", afirmam.
Assim, independentemente da hostilidade se dever à diminuição da demanda no Ocidente, à moeda mais fraca devido à flexibilidade monetária ou o protecionismo a La Trump, a percepção crítica da China era de que os EUA iam acabar passando os custos dos erros políticos para os estrangeiros, diz a Ashmore. Esse "insight" levou a China a iniciar sua reforma, mesmo que ela fosse bastante dura.
"Esta é uma oportunidade para os detratores da China para pararem e refletirem de novo: ela estava absolutamente certa em esperar hostilidade do Ocidente e foi prudente em se preparar mais cedo", aponta a Ashmore. A gestora trata um paralelo com o México, "que continuou a se agarrar à noção errada de que os EUA seriam sempre uma força para o bem econômico - e agora está pagando um preço alto por sua ingenuidade. Já a China leu o cenário econômico e está muito melhor preparada.
Centro da gravitação está mudando
Não há dúvida de que a liderança econômica global agora irá gravitar para o Oriente, apontam os consultores. Além de exercer a liderança das principais questões econômicas, a China está bem encaminhada para se tornar um verdadeiro gigante econômico. Com base nas previsões do FMI para as taxas de crescimento do PIB real de médio e médio prazo para os chineses e os EUA de 6% e 2%, respectivamente, a Ashmore estima que a economia da China ultrapassará a economia dos EUA dentro de dez anos (até 2027). Usando o PIB per capita ajustado por PPP e fazendo uma equivalência entre a proporção da população chinesa e a população dos EUA, a economia da China será 4,1 vezes maior do que a economia americana até 2050 e, mesmo sem o ajuste PPP, a economia da China ainda será 2,4 vezes maior do que a dos EUA até 2050.
E a ascensão da China terá implicações muito profundas, diz a gestora. "Uma implicação óbvia é que o mercado de títulos do governo chinês irá substituir o dólar e o mercado do Tesouro dos EUA como principais benchmarks do mundo para câmbio e a renda fixa. Este será um equivalente à rendição da grande libra britânica e da supremacia do Reino Unido para o dólar e o mercado de Treasuries nos anos entre-guerras", avaliam.
Enquanto a ascensão da China à supremacia econômica e financeira será impressionante por mérito próprio, a ascensão da China como país consumidor é que será o grande destaque. A taxa de poupança da China deve diminuir de 49% para um dígito hoje em direção a dígitos único em meados do século. "Isso significa que a China experimentará o maior boom de consumo que o mundo já viu", aponta. Por sua vez, o tão conhecido consumismo americano será bem menos intenso.
Tudo isto importa tanto porque as relações comerciais globais são de natureza estratégica, afirma a consultoria. São necessários anos de confiança para criar relacionamentos comerciais verdadeiramente profundos e duradouros. "Do nível mais alto do poder executivo, os caminhos para estas duas nações foram agora postos à vista para todos verem. A China vai ganhar e está convidando o resto do mundo para caminhar junto", conclui.