BRASIL | N° Edição: 2225 | 29.Jun.12 - 21:00 | Atualizado em 01.Jul.12 - 11:51
Barbeiragem diplomática
Atuação desencontrada do Itamaraty no Paraguai coloca a cúpula da diplomacia brasileira em xeque. O chanceler Antonio Patriota e o assessor internacional da Presi dência, Marco Aurélio Garcia, se desgastam no governo
Claudio Dantas Sequeira e Michel Alecrim
DESENCONTRO
Ação do chanceler Antonio Patriota durante a crise
paraguaia foi questionada por setores do governo
A crise deflagrada pela queda do presidente Fernando Lugo extrapolou as fronteiras do Paraguai, ganhou contornos de conflito regional e ameaça se transformar numa grande dor de cabeça para o governo Dilma Rousseff. Não bastassem todos os questionamentos sobre um impeach-ment com ares de golpe branco, a ação atrapalhada do Itamaraty pôs o Brasil numa situação delicada com um vizinho estratégico e desgastou a cúpula da diplomacia. Setores do governo pressionam a presidenta Dilma Rousseff pela demissão do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Os grupos contrários à permanência de Patriota espalharam nos últimos dias que Dilma até já teria cogitado nomear uma mulher para o lugar do chanceler: a embaixadora Maria Luiza Viotti, chefe da missão do Brasil na ONU, em Nova York. O primeiro a ser atingido pela crise diplomática foi o embaixador aposentado Samuel Pinheiro Guimarães, obrigado a renunciar ao cargo de alto representante do Mercosul – uma espécie de chanceler do bloco regional. Foi ele um dos responsáveis por influenciar de forma equivocada o Palácio do Planalto a apoiar medidas drásticas de retaliação ao novo governo paraguaio, como a suspensão do País do Mercosul até as eleições de 2013. Embora a sanção política tenha sido respaldada por Dilma, a presidenta impediu que as punições se estendessem às relações econômicas e comerciais. A ideia de Samuel Guimarães era isolar totalmente o parceiro comercial. Esse radicalismo fragilizou ainda mais a situação de Guimarães e tornou inviável sua permanência no cargo. Oficialmente, o diplomata deu diferentes versões para a saída, falou primeiro em “falta de apoio” e depois em “motivos pessoais”.
Conhecido por suas posições favoráveis aos governos chamados de bolivarianos, Guimarães havia sido indicado para o posto por sugestão do ex-chanceler Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, de quem é amigo e cossogro – a filha de um é casada com o filho do outro. Ele também teve o apoio do assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, com quem Dilma não andaria muito satisfeita, segundo assessores do Planalto. Garcia foi outro que propagou a tese de interdição do Paraguai tanto no Mercosul como na Unasul. Ele e Guimarães alimentaram também a ideia de aproveitar a suspensão do Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul, uma tese controversa, sem base jurídica nos acordos regionais e desconsiderando o fato de que Assunção é depositária de todos os acordos do bloco.
As articulações atabalhoadas da cúpula da diplomacia irritaram a presidenta, que foi pega de surpresa com o anúncio do impeachment de Fernando Lugo durante a Rio+20. O embaixador brasileiro no Paraguai, Eduardo dos Santos, enviou, nos últimos seis meses, inúmeros informes alertando o Itamaraty do risco de deterioração da governabilidade no Paraguai, mas essas informações não sensibilizaram a cúpula. Nem Patriota nem Marco Aurélio Garcia acharam que o problema era sério. Pressionado por Dilma, o assessor internacional argumentou que já havia recebido 23 alertas de intenção de impeachment contra Lugo, desde sua posse em 2008. Em sua opinião, não havia razão para suspeitar que o último prosperaria. Garcia e Patriota sugeriram a Dilma atuar por meio da Unasul, para compartilhar a responsabilidade na crise. Até aí, tudo bem. O problema é que a missão de chanceleres sul-americanos que desembarcou em Assunção na sexta-feira 22, dia em que o Congresso iniciou o julgamento político, teve efeito inverso ao esperado.
Com medo de que a interferência de outros países acabasse por inviabilizar o impeachment, deputados e senadores paraguaios aceleraram o processo. Na quinta-feira 21, dia em que souberam da ida de representantes da Unasul para o País, os parlamentares paraguaios decidiram não acatar o pedido de Lugo de abrir um prazo de três dias para apresentar sua defesa. Ficou estipulado o prazo de 24 horas. Ou seja, a ação precipitou o julgamento de Lugo, que teve resultado acachapante: foram 39 votos a favor e apenas quatro contra sua saída. Entre a abertura do impeachment e a homologação da decisão do Congresso pela Suprema Corte decorreram 30 horas. O vice-presidente Federico Franco, do Partido Liberal, assumiu rapidamente com a justificativa de “evitar uma guerra civil”. Nas ruas, com exceção de pequenos grupos, não houve reação popular. Muito menos as Forças Armadas reagiram. Mesmo assim, Lugo se disse vítima de um “golpe de Estado parlamentar”.
EQUÍVOCO
Marco Aurélio Garcia (abaixo) argumentou que já havia recebido 23 alertas
de intenção de impeachment contra Fernando Lugo (acima), desde 2008.
E não haveria razão para suspeitar que o último prosperaria
Golpe, propriamente, não houve. Mas a forma como se deu o processo indica uma ruptura democrática no país vizinho. Embora o julgamento político tenha observado as normas constitucionais, não há lei paraguaia que regulamente o tempo que o presidente teria para sua defesa. A própria peça de acusação deixa evidente que Lugo estava condenado de antemão, ao dizer que “todas as causas para o impeachment são de notoriedade pública, motivo pelo qual não precisam ser provadas, conforme o ordenamento jurídico vigente”.
A maneira como se deu o impeach-ment revelou também que Lugo se tornou um presidente solitário, sem o mínimo de apoio político. Ex-bispo de esquerda, adepto da Teologia da Libertação, Lugo alcançou o poder com o apoio popular ante o desgaste do tradicional Partido Colorado, que governou o país por quase cinco décadas. Mas sempre foi considerado um “outsider”, sem experiência política e apoio dentro do Congresso. Para governar, precisou fazer concessões, aliar-se ao direitista Partido Liberal, e negociar com os colorados. Em pouco mais de três anos de mandato, o agora ex-presidente decepcionou. A reforma agrária, sua grande bandeira de campanha, avançou timidamente. Pouco foi feito também em relação ao crime organizado, ao tráfico de drogas e de pessoas – questões que afetam diretamente o Brasil.
De acordo com setores do governo que pressionam pela saída de Patriota do cargo, a impaciência de Dilma com o ministro das Relações Exteriores não é de agora. Segundo essas fontes, desde abril, quando esteve nos Estados Unidos, a presidenta fez duras críticas à atuação de Patriota no governo. A presidenta evitou despachar com Patriota até a lista de laureados da comenda do Rio Branco, e desprestigiou a cerimônia. Já o problema de Marco Aurélio Garcia, para Dilma, é que ele falaria demais. Em março, ela o desautorizou publicamente depois que o assessor vazou que o Banco Central reduziria a taxa de juros. Na crise paraguaia, a presidenta mandou Garcia consertar suas declarações à imprensa e deixar claro que o impeachment de Lugo era um problema interno do Paraguai. Mas o estrago, mais uma vez, já estava feito.
“O Patriota fez o que deveria ter feito antes, quando viajou para o Paraguai. Talvez tenha ido tarde demais”, avalia o embaixador aposentado José Botafogo Gonçalves, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Além da reação lenta, Botafogo acha que a crise deveria ter sido discutida no âmbito do Mercosul, não da Unasul, organismo novo e ainda disperso. Essa ação permitiu a interferência dos bolivarianos Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia), fazendo coro com o discurso inflamado da presidenta argentina, Cristina Kirchner. Estrago feito, a estratégia de Dilma agora é tentar restringir a crise ao Mercosul. Ela também colocou em campo o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, que passou a falar com a imprensa e foi enviado como representante do governo à 13ª Cúpula Social do Mercosul, evento paralelo à cúpula presidencial do bloco, em Mendoza, na Argentina.
Foto: Eraldo Peres/AP Photo
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