A vez da direita
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“A candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República é uma ameaça à democracia” – vocifera a esquerda brasileira em peso, não apenas a político-partidária, mas também a cultural. Aquartelada nas cátedras e bancos universitários, nas redações e nos estúdios, nas telas e nos palcos, esta última age como caixa de ressonância do PT e seus partidos-satélite, fazendo soar o alarme contra “o fascismo” (conforme a velha tradição comunista), e gerando nos espíritos mais suscetíveis a dúvida atroz: haveria algo de concreto nesse grito de alerta? Pretendo, neste artigo, responder ao questionamento.
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Durante a Nova República, e particularmente nas duas últimas décadas, o Brasil viveu uma democracia claudicante e disfuncional, cujos mecanismos formais, no papel tão virtuosos, jamais garantiram um exercício pleno da representatividade. Em termos culturais, vimos o surgimento de um abismo intransponível entre um povo conservador e uma intelligentsia ultraprogressista hostil aos seus gostos e valores.
Em termos político-partidários, tivemos a divisão do poder entre PSDB e PT, dois partidos ideologicamente de esquerda (um socialdemocrata e um socialista), com a mesma origem intelectual e, exceto por divergências pontuais referentes a política econômica, a mesma visão progressista de mundo. Por muitos anos, o eleitorado de direita se viu obrigado a votar nos tucanos, cuja oposição tímida ao PT se fez sempre acompanhar da recusa veemente ao rótulo de ‘direita’ que o campo lulopetista lhes outorgava. “Para a direita não adianta me empurrar que eu não vou” – foi a declaração-síntese desse espírito, proferida pelo candidato de oposição ao PT no pleito de 2014 (o que não impediu, é claro, que também ele e seus eleitores fossem chamados de ‘fascistas’).
Em 2010, essa disputa política manca, inexistente nas grandes democracias do mundo, foi celebrada por Lula: “Não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso?”. E muitos formadores de opinião no Brasil pareceram concordar: “Sim, é fantástico”.
Em 2 de outubro de 2002, na iminência de sua primeira eleição presidencial, o mesmo Lula confessara ao jornal francês Le Monde, em matéria não traduzida e jamais repercutida pela imprensa brasileira: “a eleição é uma farsa pela qual é preciso passar para se chegar ao poder”. A confissão condiz com a fala recente de José Dirceu, segundo a qual o importante não é vencer eleições, mas tomar o poder, revelando o sempiterno desprezo lulopetista pela democracia, concebida de maneira apenas instrumental e “estratégica” (assim ela é descrita num dos vídeos-propaganda do 3º Congresso do partido).
Esse cálculo maquiavélico se materializou no aparelhamento da cultura e da educação, traduzido em campanhas de tipo stalinista contra críticos e dissidentes, e no assalto ao Estado, consagrado na cleptocracia que a Operação Lava Jato começou a desmontar. Em tal esquema, a corrupção serviu de ferramenta para a construção de um projeto totalitário de perpetuação no poder, cujo alcance transnacional se revelou na parceria com ditaduras socialistas latinoamericanas indecorosamente ligadas ao narcotráfico e ao terrorismo.
Para uma grande parcela da sociedade, a candidatura de Jair Bolsonaro representa a rejeição dessa situação aberrante e, ela sim, antidemocrática. Diferente do que se passa com o campo lulopetista, os eleitores do capitão reformado do Exército não demonstram qualquer predisposição a lhe dar um cheque em branco, mas parecem ter perdido a paciência com quem os assalta e ainda os acusa de ‘fascistas’ pela ousadia de reclamar.
Preocupações quanto à qualidade de um possível governo Bolsonaro são legítimas, bem como críticas aos eventuais arroubos autoritários de alguns de seus correligionários. Mas tratar a sua candidatura como ameaça à democracia é um desrespeito aos mais de 50 milhões de brasileiros que optaram por ela. É, sobretudo, atitude histriônica e desonesta, que mascara um desejo velado de se aferrar ao poder, da parte do grupo político que, na história recente, mais atentou contra as instituições e o estado de direito, sob o silêncio cúmplice dos democratas de ocasião.
https://epoca.globo.com/artigo-vez-da-direita-23181473