Economia / Internacional - 30/05/2011
Europa pode causar nova crise financeira mundial, diz Shapiro
Em entrevista a Época NEGÓCIOS, Robert Shapiro, ex-assessor econômico de Bill Clinton e Barack Obama, destrincha as principais polêmicas e preocupações econômicas do momento
Por Elisa Campos
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" O Brasil tem muito trabalho a fazer, mas acho que o país está no caminho certo. Eu não diria isso uma década atrás", afirma Robert Shapiro
Depois de deixar para trás a maior crise internacional do último século, o mundo caminha rumo à recuperação. A retomada, no entanto, além de vagarosa, está ameaçada por uma enxurrada de fatores geopolíticos e econômicos que varre o globo. É o que afirma Robert Shapiro, fundador e presidente da consultoria econômica americana Sonecon. Com mestrado em Havard e na London School of Economics, Shapiro foi subsecretário de Comércio para assuntos econômicos durante a administração do presidente Bill Clinton e participou como assessor das campanhas democratas de Clinton e do atual presidente Barack Obama. Para o economista a Europa é atualmente motivo de preocupação, já países como Brasil e China inauguram uma nova fase da economia mundial, embora ainda tenham muitos obstáculos a superar. Na entrevista abaixo, o americano destrincha as principais polêmicas e preocupações do momento.
Qual é hoje o maior desafio para a economia mundial?
Existem muitos. O mais imediato provavelmente é a crise da dívida europeia. Acho que será impossível evitar um calote na Grécia. E o desafio nesta situação é político. É ter o apoio do povo francês e alemão para destinar mais dinheiro para ajudar as outras economias da zona do euro, como Portugal, e talvez a Bélgica, para evitar um efeito dominó que poderia se espalhar para a Espanha. A Espanha é o ponto chave, porque esses outros países são economias pequenas, já a Espanha é uma economia grande e os detentores de sua dívida são os bancos franceses e alemães. Se ocorresse um calote da dívida espanhola, o que eu não acho provável, boa parte do sistema bancário francês e alemão ficaria insolvente. E essa seria uma nova crise financeira mundial. Esse é o nosso maior problema neste momento.
A saída de Strauss-Kahn do FMI deve ter algum impacto na negociação dos pacotes de ajuda aos países europeus?
Eu sou conselheiro do FMI e tenho um enorme respeito profissional pelo Strauss-Kahn. Ele fez um trabalho fantástico no Fundo. Não o conheço em sua vida pessoal. Sempre há um custo quando se perde um líder forte. Haverá, sim, um período de transição, mas há muitas pessoas no mundo que podem fazer um ótimo trabalho chefiando o FMI. Há uma discussão agora sobre se o sucessor deve ser europeu. Sempre houve um acordo de que os EUA ficariam com a presidência do Banco Mundial e a Europa, com a do FMI. E isso era porque, no começo, eram eles que financiavam esses organismos. Agora vivemos em um mundo em que a quantidade de riqueza produzida nos EUA, Europa e Japão é igual à gerada fora deles. Acho que temos que repensar como governamos essas instituições. Neste momento específico, no entanto, em que a crise europeia é um assunto crítico, acho que faz sentido eleger um europeu.
A economia americana voltou a crescer. Esse crescimento será sustentável no longo prazo?
Sim. Nosso PIB deve ter alta de 3,5% no segundo semestre e de 3,5% a 4% em 2012, desde que não tenhamos nenhum choque na economia mundial. Há três perigos potenciais. O que mais me preocupa é a Europa. O segundo é o Japão. Ainda não sabemos por quanto tempo a interrupção na cadeia produtiva japonesa associada com a crise energética vivida pelo país, por conta do terremoto, continuará. Se persistir por mais seis meses, não será terrível apenas para o Japão, mas também para os Estados Unidos e para a Europa, já que o país abastece com componentes a indústria dessas regiões. O terceiro é uma possível crise energética. Estamos vivendo um período de agitações políticas nunca antes visto no Oriente Médio. Embora por ora nenhum dos grandes produtores de petróleo tenha sido afetado, o fato é que existe a possibilidade de que tenhamos uma interrupção na oferta de combustível. Além desses fatores, existe a possibilidade, que eu não acho que seja grande, mas que é real, de que os Estados Unidos tenham sua pequena crise da dívida, por causa de um embate político [entre democratas e republicanos].
O presidente Barack Obama conseguiu aprovar no ano passado uma reforma financeira nos Estados Unidos. Ela é suficiente para evitar os abusos que levaram à crise mundial de 2008?
Nós podemos ter uma crise de novo. Uma nova crise é menos provável do que a última por causa das reformas, mas isso é um processo político e Wall Street tem muito poder. Eles são os maiores financiadores das campanhas de republicanos e democratas e fazem um pesado lobby. Porém, o resto da economia americana precisa que o setor financeiro seja mais estável. O problema não foi resolvido. Não fizemos o suficiente para reformar as compensações oferecidas pelas empresas a executivos, evitando que haja incentivos a fazer negócios mais arriscados para conquistar bônus maiores. Quando estas instituições estavam à beira da falência, era o momento de impor condições mais rígidas, porque elas aceitariam tudo para não quebrar, mas isso não foi feito.
As relações entre Estados Unidos e China são historicamente complicadas. O que podemos esperar para os próximos anos, com a economia chinesa se consolidando como a segunda maior do mundo e ameaçando a liderança americana?
Não há nenhuma alternativa realista para a China e os EUA a não ser aprender a lidar de maneira eficiente um com o outro. Os EUA é uma nação indispensável para a China. Francamente, eles precisam mais de nós do que nós deles. Somos a fonte da maior parte dos investimentos que estão liderando a modernização do país e seu maior parceiro comercial. Os EUA são essenciais para o desenvolvimento da China, mas a China não é essencial para o nosso desenvolvimento. Nós pegamos muito dinheiro emprestado deles, mas o fato é que os papéis do governo americano são os mais seguros do mundo. Enquanto houver poupança no mundo, haverá procura por eles. Não acredito que haja alguma preocupação de que a China vá ameaçar a influência americana no Oriente Médio e no Caribe, mas ela pode se tornar poderosa o suficiente para dominar a Ásia e isso traria grande preocupação para os EUA. São duas culturas e sistemas políticos muito diferentes, mas aprendemos a conviver um com o outro. Qual é a alternativa? Cortar relações com a China? Isso não é realista.
Atualmente, há muitas acusações, principalmente por parte dos países emergentes, de que estaríamos vivendo uma guerra cambial. Você acredita que as medidas monetárias e cambiais tomadas pelos EUA possam estar pressionando demais os países emergentes?
Nós permitimos uma desvalorização grande e de longo prazo no valor do dólar. Permitimos também, porque não tivemos escolha. Minha preocupação hoje com essa questão é menor do que costumava ser. Um ano e meio atrás, quando a economia mundial estava muito fraca, nós tínhamos um bolo diminuindo, e os países dependentes de exportações estavam procurando uma maneira de manter seu pedaço do bolo. Agora, o mundo está se recuperando. Acho que o ímpeto de entrar em uma guerra cambial hoje é bem menor. Isso não significa que não haja uma competição crescente ou a tentação de desvalorizar moedas, mas não estou preocupado com isso no momento.
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Shapiro é contra a decisão do governo brasileiro de tentar desvalorizar o real: "se os exportadores não estão felizes, então, é hora de eles se tornarem mais produtivos."
O Brasil é um dos países que sofrem com a valorização de sua moeda. Alguns economistas já falam inclusive em um processo de desindustrialização. Qual a melhor maneira de lidar com essa questão?
No caso do Brasil, não acho que seja o momento para depreciar a moeda. Vocês devem ficar felizes por estarem mais ricos. Vocês podem comprar todas essas tecnologias que os EUA produzem por menos, porque o câmbio brasileiro está forte e o americano mais fraco. Se os exportadores não estão felizes, então, é hora de eles se tornarem mais produtivos. O mundo todo está submetido às decisões que os investidores internacionais fazem. Isso é parte do custo de uma economia global.
O que você espera da economia brasileira nos próximos anos?
A globalização tem gerado um contínuo aumento do comércio mundial, direcionado investimentos estrangeiros para os mercados emergentes e introduzido modernos métodos e tecnologias de negócios em países em desenvolvimento. É isso que está abastecendo o crescimento mundial, é isso que criou a China. Essa dinâmica está levando a uma modernização muito rápida em locais como Brasil, China, Índia e Leste Europeu. O Brasil, no entanto, tem alguns desafios a enfrentar no curto e no longo prazos.
Quais são os principais obstáculos que o país precisa superar para garantir um desenvolvimento sustentável de longo prazo?
Eu gosto de comparar o Brasil, a Argentina e o México com os Tigres Asiáticos. Na metade da década de 60, eles estavam na mesma posição. A diferença foi que os Tigres Asiáticos cresceram entre 5% e 7% ao ano por 35 anos. Agora, a América Latina está tentando recuperar essa diferença. Isso envolve bastante investimento público, para atrair investimento estrangeiro e impulsionar a modernização econômica. Além disso, é preciso ter mão-de-obra qualificada, infraestrutura decente e um sistema político que respeite os contratos. O Brasil tem alguns desafios a enfrentar. Para a economia crescer, é preciso investir na qualificação da população e aumentar os investimentos. Ambos estão abaixo do necessário. Já se investe mais em educação do que antes, mas ainda não é o suficiente.
Como isso pode ser feito?
Para aumentar o investimento, é necessário aumentar a taxa de poupança. Parte dessa poupança é naturalmente doméstica, mas outra parte pode ser conquistada com investimento estrangeiro, o que o Brasil já está fazendo bem, mas pode fazer ainda melhor. E o foco deveria ser atrair investimento fora do setor de commodities e de alguns nichos high tech, de onde ele normalmente tem vindo. Quem sabe em telecomunicações ou serviços? É preciso também ter menos regulamentação. É um fato econômico que a regulação tem um custo muito grande, porque reduz o incentivo à competitividade. O Brasil tem muito trabalho a fazer, mas acho que o país está no caminho certo. E eu não diria isso uma década atrás.