Túlio, vou devagar na resposta.
Quanto a adoção dos C-Series nas suas versões maiores, apesar de concordar em partes com os seus argumentos, lembro que a Airbus também tem não uma, mas várias linhas de produção na Europa, e que sustentam a fabricação da família A320, agora com os NEO, e que se espera tenha uma vida útil de cerca de 10/15 anos no mercado. Posto isso, há de refletir sobre duas coisas. Vale a pena entrar com os C-Series neste mercado ao mesmo tempo dos NEO, com apenas "uma linha de produção nos USA", e predar o próprio mercado com outra aeronave concorrente? Se não, como a empresa pretende lidar com o fato de ter de escolher entre manter os NEO e os C-Series maiores já que estes últimos em tese trariam mais vantagens aos seus clientes para os anos que se seguem? O que o pessoal das fábricas na Europa irá achar disso? Um assunto complexo a se responder, já que a princípio a linha de produção dos C-Series tende a se manter nos USA e não na Europa.
Quanto à capacidade de Boeing e Embraer fazerem face a esta nova realidade, bem, aqui faço um aparte para uma opinião pessoal.
O principal mercado de aviação comercial ainda é os USA, só perdendo para o chinês. Contudo, este último na próxima década superará o americano em relação a aviões narrow body (corredor único). Isso seria algo natural se não fosse uma pequena diferença: o mercado chines é totalmente regulado pelo governo. Lá só entra - e opera - quem eles querem. Tanto que o C-919 já possui mais de 500 encomendas de empresas chinesas mesmo apresentando diversos problemas de desenvolvimento e atrasos. E a COMAC não pretende parar nele. Haverá uma toda uma família. Neste sentido, tanto o setor de avião regional, como o nacional, irão demandar números gigantescos de aeronaves, e que o Estado chines pretende abocanhar em sua grande parte oficialmente com seus próprios produtos, deixando aos concorrentes externos a fatia que melhor lhes aprouver. Então, não dá para esperar muita coisa de lá.
Ao contrário, nos USA, a concorrência continuará aberta e plena, junto com o mercado asiático, que é o que mais cresce no mundo atualmente. Tanto no regional como no nacional/internacional. É nestes mercados que deverão estar focados os interesses da Embraer, e obviamente da Boeing. Neste sentido, o mercado americano é algo particular em suas características, uma vez que aeronaves de um e dois corredores por lá são utilizadas em linhas nacionais para fazer a ligação entre os dois lados do país. Da mesma forma cruzando o Atlântico norte em direção à Europa. Muitas empresas hoje ainda usam os 757/767 para cobrir este trajeto. Estas duas aeronaves conquanto estão fora de produção, e aparentemente, a solução para eles, ao menos o 757, proposto pela empresa americana recebe o nome de 797. Uma aeronave entre o 737-10 e o 787-8. Em tese, substituiria aquelas duas aeronaves. E o mercado pelo que se divulga teve uma boa recepção a este novo conceito da Boeing. É um mercado muito grande este e que precisa ser coberto com novas soluções.
Para este problema a Airbus tem proposto o seu A321 NEO com capacidade para 240 pax. E existem estudos para versões um pouco maiores, para até 260 pax, algo que já entraria na seara dos wide body. Como tu bem disseste, as empresas querem lucro, menores custos e alta disponibilidade. China e Russia pretendem disputar esse nicho com o C-929. Mais isso é só para o final da segunda metade da próxima década. O MC-21-400 também tentará a sorte neste setor. E possivelmente variantes esticadas do C-919. Resta saber se um avião narrow body derivado de um projeto já antigo terá condições de responder a isso frente ao proposto 797. A mesma pergunta vale para os projetos russo e chines.
E o que a Embraer tem com isso? Por enquanto nada. Mas poderá ter a partir da década de 2030, visto que se os C-Series entrarem mesmo na seara dos voos nacionais, o regional é outro negócio, vai pedir uma solução diferente dos 737. Aqui entra o negócio entre americanos e brasileiros. Em princípio caberiam duas soluções mais simples. Uma derivar uma versão menor do 797, e dois, derivar uma versão menor baseada na família 787. Uma terceira saída seria um projeto totalmente novo. A próxima década, e os movimentos do mercado irão dizer qual será a melhor proposta. Mas é bom lembrar que estamos falando de mercado nacional e não regional.
O que vai haver no mercado regional na próxima década é a multiplicação da concorrência, mas sem necessariamente ameaçar a vantagem que a Embraer angariou ao longo dos anos. O principal concorrente continuará a ser o C-Series, fabricado nos USA. Isso ainda vamos ver. Os demais, vão tentar comer por fora. E é aqui que eu me pergunto. Será necessário ou oportuno à Embraer sair do seu nicho de mercado para entrar em outro da Boeing e Airbus na próxima década? Eu duvido, por enquanto. Afinal, fizemos a opção por ser a cabeça do rato, e estamos bem até agora. Mudar isso, só se uma grande reviravolta no mercado acontecer nos próximos 10 anos. Mas para isso, o que temos aí em planejamento e projetos de aeronaves comerciais não dá a entender isso.
Os anos de 2020 serão de observação e estabilização do mercado. Até agora a Embraer está muito bem nos nichos de mercado que atende, regional, executivo e defesa, que é o grande filão tecnológico da empresa. Mudar isso por que outra empresa precisa não é interessante. Já se o mercado oferecer outras oportunidades, bem, aí já é de se pensar o que se pode fazer.
Por enquanto ser uma gingante entre os pequenos está bem para nós. Mas só por enquanto. Amanhã quem sabe.
abs.