Re: GEOPOLÍTICA
Enviado: Dom Jul 20, 2008 11:31 am
O Estado de São Paulo ARTIGO
Tensão sino-indiana cresce em silêncio
Shashi Tharoor*
Quando um chanceler se esforça para garantir aos repórteres que não existe tensão na fronteira de seu país com um poderoso vizinho, a tendência lógica é perguntar-se se os desmentidos não são excessivos a ponto de perder a credibilidade. Afinal, não se ouve o chanceler do Canadá dizer que não há tensões na fronteira com os EUA, porque essa é uma verdade óbvia. A declaração de Pranab Mukherjee, o ministro do Exterior da Índia - numa visita a Pequim, em junho -, de que a fronteira sino-indiana está livre de tensões levou observadores a pressupor exatamente o contrário.
E eles estão certos. Nos últimos seis meses, proliferaram incidentes ao longo da fronteira de 4.057 quilômetros entre os dois países. Cerca de cem chegaram a ser registrados, entre eles, 65 incursões do Exército chinês em apenas um setor, a chamada Área do Dedo, de 2,1 quilômetros quadrados, incrustada no Estado indiano de Sikkim, que tem 206 quilômetros de fronteira com o Tibete.
Embora a Índia procure não dar muita importância a essas notícias, a imprensa indiana noticiou um incidente no setor oeste da fronteira. Em 16 de maio, uma equipe que investigava informações de incursões chinesas foi ameaçada e obrigada a retirar-se por uma patrulha de fronteira da China. Os soldados chineses teriam assumido posições de tiro, levando os indianos a recuar para não provocar um tiroteio.
No mês anterior, foi divulgada uma incursão armada chinesa 12 quilômetros adentro do Estado indiano de Arunachal Pradesh, no nordeste do país. Um intenso patrulhamento chinês tem sido observado em vários pontos e em Arunachal Pradesh, Estado que o embaixador chinês em Nova Délhi chegou a reivindicar em entrevistas.
Como a China estabeleceu quatro novas bases aéreas no Tibete e três em suas províncias do sul na fronteira com a Índia, comenta-se que a Força Aérea indiana teria aumentado sua presença na área, deslocando para lá dois esquadrões de caças Sukhoi-30 MKI.
O que está havendo, afinal? China e Índia estariam se preparando para uma guerra? Temores da iminência de hostilidades graves são evidentemente exagerados. É muito improvável que a China, com a proximidade da Olimpíada, inicie um confronto, e a Índia não pretende provocar a vizinha, que a humilhou numa brutal guerra de fronteira em 1962, na qual a China ficou com 23.200 quilômetros quadrados de território indiano. Ao mesmo tempo, a China tem insistido em lembrar à Índia que continua reclamando outros 92.000 quilômetros quadrados, a maior parte no Estado de Arunachal Pradesh.
Em nada contribui o fato de os dois países compartilharem a fronteira há mais tempo disputada do mundo, pois a Linha de Controle Atual (LCA), que delineia a divisa provisória, nunca foi formalmente demarcada de modo a ser aceita por ambas as partes. A fronteira da Índia foi definida pelos administradores do Império Britânico em 1913 - a Linha MacMahon, que a China questiona.
Quando a LCA foi criada, depois da vitória da China, em 1962, a situação ficou ainda mais nebulosa. Sempre que tropas dos dois lados constroem estradas, edificam casamatas e outras fortificações ou fazem patrulhas perto da linha, a tensão aumenta. Nos últimos meses, ao que tudo indica, a China tomou conscientemente a decisão de fazer com que os indianos fiquem de prontidão.
Não é difícil identificar essas tensões. Os recentes problemas da China com o Tibete reavivaram a lembrança indesejada da hospitalidade oferecida pela Índia ao dalai-lama e a seu governo no exílio. O fato de Tawang, terra natal do sexto dalai-lama e sede de um importante mosteiro do budismo tibetano, localizar-se no Estado de Arunachal priva a China de um trunfo vital em suas tentativas de consolidar o controle total sobre o Tibete. Portanto, lembrar à Índia as reivindicações chinesas é absolutamente urgente para a China.
O ministro Mukherjee foi tratado rudemente na visita a Pequim: o primeiro-ministro Wen Jiabao cancelou um encontro com ele e o governador da Província de Sichuan não compareceu para receber as doações da Índia às vítimas do terremoto.
Em seu encontro com o colega chinês, Yang Jiechi, Mukherjee soube o que seus anfitriões achavam das atividades do dalai-lama na Índia, e foi lembrado de que os incidentes na fronteira refletiam posições diferentes a respeito da localização correta do limite. Os chineses pediram a retomada do diálogo sobre a questão, embora haja escassas perspectivas de concessões de ambas as partes.
O desentendimento pode ocultar um cálculo estratégico maior. Com o fim da Guerra Fria, a China tinha duas opções em relação à Índia: considerá-la uma aliada natural, juntamente com a Rússia, criando uma alternativa ao predomínio americano na região, ou identificá-la como uma adversária em potencial. A recente revelação de uma associação entre os EUA e a Índia pode ter convencido os líderes chineses de que a Índia se tornou um instrumento de "contenção" da China.
A conclusão pode ter sido confirmada pelos freqüentes exercícios militares indianos com EUA, Japão e Austrália.
Portanto, é improvável que a situação na fronteira entre a China e a Índia fique calma. Alfinetando a Índia, a China mantém a vizinha preocupada a ponto de expor as vulnerabilidades da gigantesca democracia e abalar a confiança de uma rival estratégica em potencial. Podem esperar que a China provocará novos incidentes assim que a Olimpíada acabarem.
Shashi Tharoor, diplomata indiano, foi subsecretário-geral da ONU para Informação Pública. (c) Project Syndicate
Tensão sino-indiana cresce em silêncio
Shashi Tharoor*
Quando um chanceler se esforça para garantir aos repórteres que não existe tensão na fronteira de seu país com um poderoso vizinho, a tendência lógica é perguntar-se se os desmentidos não são excessivos a ponto de perder a credibilidade. Afinal, não se ouve o chanceler do Canadá dizer que não há tensões na fronteira com os EUA, porque essa é uma verdade óbvia. A declaração de Pranab Mukherjee, o ministro do Exterior da Índia - numa visita a Pequim, em junho -, de que a fronteira sino-indiana está livre de tensões levou observadores a pressupor exatamente o contrário.
E eles estão certos. Nos últimos seis meses, proliferaram incidentes ao longo da fronteira de 4.057 quilômetros entre os dois países. Cerca de cem chegaram a ser registrados, entre eles, 65 incursões do Exército chinês em apenas um setor, a chamada Área do Dedo, de 2,1 quilômetros quadrados, incrustada no Estado indiano de Sikkim, que tem 206 quilômetros de fronteira com o Tibete.
Embora a Índia procure não dar muita importância a essas notícias, a imprensa indiana noticiou um incidente no setor oeste da fronteira. Em 16 de maio, uma equipe que investigava informações de incursões chinesas foi ameaçada e obrigada a retirar-se por uma patrulha de fronteira da China. Os soldados chineses teriam assumido posições de tiro, levando os indianos a recuar para não provocar um tiroteio.
No mês anterior, foi divulgada uma incursão armada chinesa 12 quilômetros adentro do Estado indiano de Arunachal Pradesh, no nordeste do país. Um intenso patrulhamento chinês tem sido observado em vários pontos e em Arunachal Pradesh, Estado que o embaixador chinês em Nova Délhi chegou a reivindicar em entrevistas.
Como a China estabeleceu quatro novas bases aéreas no Tibete e três em suas províncias do sul na fronteira com a Índia, comenta-se que a Força Aérea indiana teria aumentado sua presença na área, deslocando para lá dois esquadrões de caças Sukhoi-30 MKI.
O que está havendo, afinal? China e Índia estariam se preparando para uma guerra? Temores da iminência de hostilidades graves são evidentemente exagerados. É muito improvável que a China, com a proximidade da Olimpíada, inicie um confronto, e a Índia não pretende provocar a vizinha, que a humilhou numa brutal guerra de fronteira em 1962, na qual a China ficou com 23.200 quilômetros quadrados de território indiano. Ao mesmo tempo, a China tem insistido em lembrar à Índia que continua reclamando outros 92.000 quilômetros quadrados, a maior parte no Estado de Arunachal Pradesh.
Em nada contribui o fato de os dois países compartilharem a fronteira há mais tempo disputada do mundo, pois a Linha de Controle Atual (LCA), que delineia a divisa provisória, nunca foi formalmente demarcada de modo a ser aceita por ambas as partes. A fronteira da Índia foi definida pelos administradores do Império Britânico em 1913 - a Linha MacMahon, que a China questiona.
Quando a LCA foi criada, depois da vitória da China, em 1962, a situação ficou ainda mais nebulosa. Sempre que tropas dos dois lados constroem estradas, edificam casamatas e outras fortificações ou fazem patrulhas perto da linha, a tensão aumenta. Nos últimos meses, ao que tudo indica, a China tomou conscientemente a decisão de fazer com que os indianos fiquem de prontidão.
Não é difícil identificar essas tensões. Os recentes problemas da China com o Tibete reavivaram a lembrança indesejada da hospitalidade oferecida pela Índia ao dalai-lama e a seu governo no exílio. O fato de Tawang, terra natal do sexto dalai-lama e sede de um importante mosteiro do budismo tibetano, localizar-se no Estado de Arunachal priva a China de um trunfo vital em suas tentativas de consolidar o controle total sobre o Tibete. Portanto, lembrar à Índia as reivindicações chinesas é absolutamente urgente para a China.
O ministro Mukherjee foi tratado rudemente na visita a Pequim: o primeiro-ministro Wen Jiabao cancelou um encontro com ele e o governador da Província de Sichuan não compareceu para receber as doações da Índia às vítimas do terremoto.
Em seu encontro com o colega chinês, Yang Jiechi, Mukherjee soube o que seus anfitriões achavam das atividades do dalai-lama na Índia, e foi lembrado de que os incidentes na fronteira refletiam posições diferentes a respeito da localização correta do limite. Os chineses pediram a retomada do diálogo sobre a questão, embora haja escassas perspectivas de concessões de ambas as partes.
O desentendimento pode ocultar um cálculo estratégico maior. Com o fim da Guerra Fria, a China tinha duas opções em relação à Índia: considerá-la uma aliada natural, juntamente com a Rússia, criando uma alternativa ao predomínio americano na região, ou identificá-la como uma adversária em potencial. A recente revelação de uma associação entre os EUA e a Índia pode ter convencido os líderes chineses de que a Índia se tornou um instrumento de "contenção" da China.
A conclusão pode ter sido confirmada pelos freqüentes exercícios militares indianos com EUA, Japão e Austrália.
Portanto, é improvável que a situação na fronteira entre a China e a Índia fique calma. Alfinetando a Índia, a China mantém a vizinha preocupada a ponto de expor as vulnerabilidades da gigantesca democracia e abalar a confiança de uma rival estratégica em potencial. Podem esperar que a China provocará novos incidentes assim que a Olimpíada acabarem.
Shashi Tharoor, diplomata indiano, foi subsecretário-geral da ONU para Informação Pública. (c) Project Syndicate