Artigo da REVISTA DE MARINHA Portuguesa acerca do reequipamento da MB.
A Marinha do Brasil do Século XXI
Quinta, 18 Fevereiro 2010 00:00
INTRODUÇÃO
A Estratégia Nacional de Defesa (END) do Brasil foi aprovada pelo Decreto nº 6.703, de 18/12/2008. Até o final de 2010,MARINHA-BRASIL-2 devem ser editados vários documentos complementares ou decorrentes, tratando da renovação do material e da reformulação das estruturas e doutrinas das Forças Armadas.
Até junho de 2009, foram elaborados os Planos de Equipamento e Articulação das três Forças Armadas para o período 2010-2030. Estava prevista para setembro a finalização da proposta de um Projeto de Lei de Aparelhamento e Articulação da Defesa Nacional, a ser submetido ao presidente da República e ao Congresso Nacional.
O Plano de Equipamento e Articulação da Marinha do Brasil (PEAMB) substitui o Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM). Subdividido em ações de curto (2010-14), médio (2015-22) e longo prazo (2023-30), inclui projetos relativos a equipamento, articulação e recursos humanos. O presente artigo comenta aspectos de tal plano.
POLÍTICA E ESTRATÉGIA
Segundo a Política de Defesa Nacional (PDN), aprovada pelo Decreto nº 5.484, de 30/06/2005, o entorno estratégico do Brasil abrange a América do Sul, o Atlântico Sul, a África Ocidental e Meridional, a Antártica e os países-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O Brasil necessita de uma Marinha polivalente, capaz de atuar em toda a extensão do Atlântico Sul, assim como no Caribe e em parte do Pacífico Sul. As áreas marítimas estratégicas de maior importância para o Poder Naval brasileiro, em ordem decrescente de prioridade, são:
a) a área vital (denominada "Amazônia Azul"): que inclui o Mar Territorial, a Zona Contígua (ZC), a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e a Plataforma Continental (PC), com largura total de 200 a 350 milhas marítimas;
b) a área primária: abrangendo o Atlântico Sul, definido como a parte compreendida entre o paralelo de 16º N, a costa oeste da África, a Antártica, o leste da América do Sul e o leste das Pequenas Antilhas (excluindo o Caribe);
c) a área secundária: que abrange o Mar do Caribe e o Pacífico Sul, definido este como a área compreendida entre o Canal de Beagle, o litoral da América do Sul, o meridiano de 85º W e o paralelo do Canal do Panamá; e
d) as demais áreas do globo.
No desenvolvimento do Poder Naval, a END propõe priorizar inicialmente a tarefa de negação do uso do mar, em relação às de controle de área marítima e de projeção de poder sobre terra. O emprego das forças navais, aeronavais e de fuzileiros navais visaria às seguintes hipóteses:
I - defesa pró-ativa das plataformas petrolíferas, das instalações navais e portuárias, dos arquipélagos e das ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais brasileiras;
II - prontidão para responder a qualquer ameaça, proveniente de Estados ou de forças não-convencionais ou criminosas, às vias marítimas de comércio; e
III - capacidade de participar de operações internacionais de paz, fora do território e das águas jurisdicionais brasileiras, sob a égide das Nações Unidas ou de organismos multilaterais regionais.
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Foram identificadas como críticas, para a defesa da soberania e dos interesses nacionais, a faixa litorânea que vai de Santos a Vitória (onde estão localizadas grandes reservas petrolíferas na plataforma continental), abrangendo os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, e a área em torno da foz do Rio Amazonas.
A elaboração do PEAMB procurou atender ao estabelecido pela END. Contudo, a grande decisão estratégica consiste na preparação do Poder Naval para ser suficientemente crível em qualquer modalidade de ação, contribuindo para a dissuasão de aventuras contrárias aos interesses do Brasil.
EQUIPAMENTO E ARTICULAÇÃO
Atualmente (final de 2009), a Marinha do Brasil opera um total de 96 navios. Destes, 31 constituem a Esquadra, sediada no Rio de Janeiro, estando os demais subordinados aos Distritos Navais, à Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) ou à Escola Naval. As unidades da Aviação Naval e do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) atuam junto à Esquadra e às Forças Distritais.
A Marinha se reconstituirá por etapas, como força balanceada e polivalente, visando à futura implantação de uma segunda Esquadra e de um segundo núcleo de Divisão Anfíbia, sediados no litoral Norte/Nordeste. Será construída uma nova base naval perto da foz do Amazonas. A Baía de São Marcos, em São Luís, no Maranhão, é apontada por especialistas como um local conveniente.
A constituição de uma segunda Esquadra, além da ampliação dos meios das Forças Distritais, poderia levar à construção de uma centena de navios até 2030. A Marinha deve incrementar sua capacidade de comando e controle, pela ampliação do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), com sensores fixos e móveis, e pela modernização das comunicações via satélite.
SUBMARINOS
MARINHA-BRASIL-3O custo do programa de submarinos da Marinha do Brasil será de 6,7 bilhões de euros. O acordo assinado com a França em 23/12/2008 (ratificado em 07/09/2009) prevê a construção de um estaleiro e de uma base para submarinos com propulsão nuclear em Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro.
Aí serão construídos quatro submarinos de propulsão convencional (SBR), de projeto baseado na classe Scorpène francesa, a ser entregues entre 2015 e 2021. O acordo prevê também assistência técnica ao projeto do casco de um submarino de propulsão nuclear (SNBR), o qual seria entregue em 2021.
Em 2014 deve entrar em operação em Aramar, no município de Iperó, estado de São Paulo, um protótipo do reator de água pressurizada desenvolvido pela Marinha para propulsão de submarinos. O reator e as máquinas para o primeiro submarino nuclear brasileiro podem estar disponíveis para instalação em 2020.
NAVIOS DE SUPERFÍCIE
Estão em construção dois navios-patrulha (NPa) da classe Macaé, de 500 toneladas, baseada na classe Vigilante francesa. Em 25/09/2009, foi assinado contrato para mais quatro unidades, de um total de 27 previstas. Em 2010, começam a obtenção de cinco NPa de 1.800 toneladas, dotados de helicóptero, e a construção de quatro NPa de 200 toneladas, para águas costeiras ou fluviais.
Em 2010, começa a obtenção de um navio de apoio logístico (NApLog) capaz de reabastecer unidades da Esquadra com MARINHA-BRASIL-4combustível, lubrificantes, munição e víveres. Este navio terá completas instalações médico-hospitalares e será dotado de convés de vôo e hangar para helicópteros. Já em 2011, deve começar a construção de um lote inicial de três fragatas polivalentes de 6.000 toneladas.
Está prevista a modernização de cinco submarinos classe Tupi (IKL-209/1400), três fragatas classe Greenhalgh (Type 22) e quatro corvetas classe Inhaúma. O navio-aeródromo (NAe) São Paulo, ex-Foch da Marinha francesa, concluiu em 2008 um período de manutenção e reparos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ).
Estão sendo adquiridas (em segunda-mão) unidades auxiliares para tarefas de apoio. Recentemente, foram entregues os navios de desembarque de carros de combate (NDCC) Garcia d'Ávila e Almirante Sabóia, o navio-hidroceanográfico (NHo) Cruzeiro do Sul e o navio-polar (NPo) Almirante Maximiano.
Foi identificada a necessidade de um navio de emprego múltiplo, do tipo LPH/LHA/LHD, capaz de operar com helicópteros de grande porte em apoio a operações anfíbias. Um navio deste tipo (com ou sem doca para embarcações de desembarque) poderia vir a ser construído no Brasil.
O São Paulo pode ser substituído, depois de 2025, por um NAe com deslocamento carregado de 40 a 50 mil toneladas, capaz de operar com cerca de 40 aeronaves de combate. Estes são os parâmetros mínimos (ainda que não os ideais) para operação com aeronaves modernas de tipo convencional.
AVIAÇÃO NAVAL
Doze aeronaves embarcadas de interceptação e ataque McDonnell Douglas A-4 Skyhawk (nove da versão A-4KU monoposto e três da versão TA-4KU de dois lugares) serão modernizadas. Um total de 23 dessas aeronaves (20 A-4KU e três TA-4KU) foI adquirido em segunda-mão ao Kuwait.
MARINHA-BRASIL-1A França ofereceu à Marinha do Brasil um lote de segunda-mão de 10 aeronaves Dassault Rafale M F.1 de emprego exclusivamente ar-ar. Em configuração operacional, porém, o Rafale é muito pesado para as catapultas do São Paulo, capazes de lançar aeronaves com peso máximo de 20 toneladas.
Foram adquiridos quatro (podendo chegar a 12) helicópteros anti-submarino Sikorsky S-70B Seahawk. A Marinha também receberá 16 helicópteros de emprego geral Eurocopter EC-725 Super Cougar. Seis helicópteros de esclarecimento e ataque Westland Super Lynx serão modernizados.
Está prevista a obtenção de seis aeronaves embarcadas de asa fixa, para missões de alarme aéreo antecipado, reabastecimento em vôo e apoio logístico. Estas aeronaves seriam provavelmente do tipo Grumman S-2T Turbo Tracker, modernizadas e dotadas de motores turboélice.
A aviação de patrulha marítima da Força Aérea Brasileira (FAB) está sendo reforçada com a incorporação de nove aeronaves Lockheed P-3AM Orion modernizadas e remotorizadas. As aeronaves de esclarecimento marítimo Embraer EMB-111A/B Bandeirante-Patrulha em serviço também serão modernizadas.
FUZILEIROS NAVAIS
Na prática, o Corpo de Fuzileiros Navais é a única tropa expedicionária de pronto emprego (100% profissional) atualmente disponível no Brasil. O CFN vem recebendo novos equipamentos, inclusive carros de combate SK-105 Kürassier e viaturas blindadas de transporte de pessoal Piranha III.
Seu principal componente operativo é a Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE), constituída pela Divisão Anfíbia e pela Tropa de Reforço. Existem ainda grupamentos regionais para operações de guarda e segurança no âmbito dos Distritos Navais. Está prevista a obtenção de material suficiente para equipar o equivalente a duas Divisões Anfíbias.
Os fuzileiros navais são parte da capacidade de projeção do Poder Naval sobre terra. Para um país pacífico como o Brasil, a projeção de poder diz respeito principalmente à atuação em ações humanitárias ou operações de paz, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU).
CONCLUSÃO
O Brasil possui dois litorais, separados pela cintura Natal-Dacar e formando uma cunha apontada em direção à África. A área marítima setentrional (ao norte de Natal) defronta-se com o Atlântico Norte e a extremidade sudeste do Caribe, enquanto que a área meridional (ao sul de Natal) está inteiramente voltada para o Atlântico Sul.
As duas áreas têm características dissimilares. Ao norte de Natal, a postura do Poder Naval brasileiro, numa primeira etapa, poderia dar prioridade à negação do uso do mar, enquanto que ao sul deveria priorizar o controle de áreas marítimas. Nos dois ambientes, a projeção de poder sobre terra estaria associada às operações multinacionais de paz.
No entender deste autor, a composição inicial de uma Esquadra destinada a operar ao norte de Natal-Dacar deveria enfatizar os submarinos (a princípio de propulsão convencional) e as forças ligeiras de superfície. Apoiada por aviação baseada em terra, tal Esquadra poderia atuar na defesa aproximada e distante da foz do Amazonas e do litoral Norte/Nordeste do país.
Ao sul de Natal-Dacar, onde a Marinha do Brasil pode vir a exercer papel de protagonista regional, na promoção dos interesses nacionais, deve atuar uma Esquadra balanceada, integrada por navios-aeródromos, navios de combate de superfície, submarinos convencionais e nucleares, navios de apoio logístico móvel e uma força anfíbia adequada.
Para que os planos de médio e longo prazo da Marinha realmente saiam do papel, será necessário assegurar um fluxo contínuo de recursos financeiros. A construção de um Poder Naval crível, capaz de defender a soberania e os interesses nacionais do Brasil no mar, irá requerer investimento contínuo, por mais de uma geração.
EDUARDO ITALO PESCE (*)
(*) Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPUERJ) e colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra Naval (CEPE/EGN) da Marinha do Brasil.