Quiron escreveu:Marechal-do-ar escreveu:
Pois é, a extrema direita é pouco liberal, o que torna ainda mais imbecil as tentativas de classificar o mundo político com uma régua direita-esquerda.
Bem, o problema é essa guerra de chavões prontos.
Teoricamente, direita representa estado mínimo e valorização dos direitos individuais ante o coletivo. Para os mais extremistas, esse tal de estado mínimo seria tão mínimo que até as polícias seriam privatizadas. Cada um com sua loucura. A esquerda seria o contrário disso: mais direitos sociais e coletivos, mais estado interferindo etc.
Faz sentido, Quiron, só que esta definição da direita está equivocada. A gente pode dizer como você disse, que teoricamente é assim. Grosso modo a gente diz que é assim, mas efetivamente não é. Esta é uma definição bem próxima do liberalismo, não da direita política. Liberal defende Estado mínimo, mas nem toda direita política é liberal.
Da mesma forma que nem toda esquerda defende Estado grande e interventor. O anarquismo, por exemplo, defende a abolição total do Estado e é uma ideologia de esquerda. Se fôssemos considerar esta premissa (tamanho do Estado), anarquismo seria uma ideologia de direita.
A esquerda defende a redução da desigualdade social. A extrema esquerda almeja uma forma de virtualmente eliminar toda forma de desigualdade social, passando por cima da vontade de muitos (que certamente são contra isso). Por isso a extrema esquerda é contra o capitalismo e contra a propriedade privada, pois constituem meios que permitem que poucos possam ter muito e muitos não tenham praticamente nada.
A direita política não vê na desigualdade social algo necessariamente negativo. Se a luta contra a desigualdade é o que une todas as vertentes da esquerda política, a meritocracia seria o termo mais adequado a todas as vertentes da direita política. Se você se é mais esforçado, mais competente, se é capaz de atender melhor as necessidades do mercado, pela lógica da direita faz sentido ter alguns privilégios sobre os demais. Perceba, a meritocracia é algo que caminha no sentido oposto à igualdade social, este é o ponto em que ambos os lados se chocam sempre. O restante pode ser tendência, mas nada além disso caracteriza esquerda e direita efetivamente.
É tendência que ideologias de esquerda defendam maior participação do Estado na economia, mais intervenção do Estado na vida social das pessoas etc. Mas não é regra, não é uma característica exclusiva da esquerda.
Tanto é que tivemos governos de direita, capitalistas e anti-comunistas, que eram também repressivos e cujo Estado assumia um papel importante na economia. Nossa ditadura militar, por exemplo, apesar de ter incentivado a iniciativa privada também manteve nossa economia fechada às importações. A situação só mudou com Collor, lembra? E nem preciso comentar como ela se comportava em relação à liberdade individual.
O Estado pode ser uma ferramenta que visa garantir que a sociedade seja mais igualitária (seja adotando políticas que combatam a desigualdade de maneira suave, como política de cotas ou seja na marra como fez Stalin) e pode ser uma ferramenta que visa garantir que uns tenham privilégios sobre outros (seja o modelo meritocratico americano, seja o regime do apartheid da África do Sul, no qual negros eram segregados e tenham menos direitos simplesmente por serem negros). Não é o tamanho do Estado que define direita ou esquerda, mas o uso que se faz dele.
Se você pegar a definição do senso comum, que direita defende liberdade e não-intervenção na economia (ou o mínimo possível), chegaria a conclusão que a ditadura militar brasileira, que perseguiu toda a esquerda política, era de esquerda.
Aí você percebe também que defesa da liberdade individual pode ser uma coisa mais comum à direita, de fato, mas não é uma característica dela, pois temos e tivemos muitos governos de direita altamente repressores. O nazismo é de extrema direita, o fascismo também, o regime da África do Sul que tirava o direito dos negros idem.
A direita política defende sociedades em que uns possam ter privilégios sobre outros. Isso é algo muito difícil de ser aceito por quem se identifica como mais alinhado à direita, mas se procurarmos o ponto em comum que une todos os regimes de direita, seria este. A justificativa para que uns tenham mais que outros é o que varia de acordo com a época e o contexto social.
O termo emergiu na Revolução Francesa. A direita representava a nobreza e o clero. Eles queriam manter os privilégios que tinham, tais como isenção de impostos. Aquela direita pouco tem a ver com a direita liberal contemporânea (assim como o governo da Suécia pouco tem a ver com o regime de Pol Pot), o ponto em comum é o reconhecimento de que alguns indivíduos merecem ter certos tipos de privilégios. Na ocasião da Revolução a nobreza e o clero tinham este direito sustentado pela ordem divina. Os primeiros reis surgiram por causa do direito divino (justificativa divina fundamentada em Romanos da Biblia, por exemplo), endossado por diferentes religiões, do catolicismo ao politeísmo egípcio.
Roma defendia que patrícios tivessem mais direitos porque eram as famílias originais que formaram Roma (aí você percebe, normalmente a religião está ligada à direita, mas isso também não é regra e hoje temos um papa que diz a todo instante que devemos lutar contra a desigualdade). Platão defendeu que apenas os filósofos deveriam ditar as regras da sociedade em "A República": Por questão de lógica, os mais sábios têm melhores condições de fazer isso, por isso deveria caber a eles o papel de comandar, de gerir.
Quando eu citei acima isso de que uns pudessem ter mais direitos sobre outros, eu sei que é algo que pouca gente que se identifica como sendo da direita vai aceitar, mas não foi uma questão de menosprezar o pensamento da direita. Acho que com este exemplo que acabei de citar isso fica mais claro. Faz todo o sentido que pessoas com mais conhecimento tenham melhores condições de gerir uma sociedade, não é verdade? Em algum momento no passado realmente acreditou-se que reis assim o eram por ordem do divino.
Faz todo sentido, como também faz sentido o pensamento meritocrático contemporâneo. Você tem mais porque de alguma forma mereceu isso. Pode ser VIP e evitar ter que pegar fila ou ficar com os melhores lugares porque está pagando mais por isso. Pode ter acesso a melhores hospitais, melhores residências, melhores automóveis, terá um padrão de vida melhor porque a sociedade reconhece a sua contribuição, seja qual ela for (um gênio da música, o inventor de um dispositivo que agora não vivemos mais sem etc, hoje traduzidos em maior renda). E é este reconhecimento traduzido em vantagens que faz com que a sociedade avance a passos largos.
O nazismo defendia que existiam indivíduos superiores e inferiores. Os germânicos saudáveis, superiores, tinham todos os direitos civis possíveis, ao passo que judeus, eslavos, ciganos, negros e até mesmo germânicos portadores de deficiência não apenas não tinham os mesmos direitos como também muitos sequer mereciam ser tratados como seres humanos. Foram escravizados ou assassinados não pelo que fizeram, mas pelo que eram.
O cara que é liberal fica putaço, com o perdão da palavra, ao ler que nazismo também é um regime de direita, assim como o fascismo. E ele o é justamente por este aspecto que comentei: o nazismo não apenas aceita a desigualdade social como a enxerga como algo natural.
Mas o mesmo pode ser dito em relação a alguém que é de esquerda, que almeja uma sociedade mais justa, menos desigual, e as pessoas vão lá e associam o que ele defende com Stalin, com Pol Pot, ditadores que conseguiram a façanha de serem ainda mais sanguinários. O que um defensor do regime de governo sueco tem a ver com os seguidores de Stalin? Pouca coisa também, mas ambos se valeram da mesma premissa básica, a luta contra a desigualdade.
Sobre definição de esquerda e de direita, se já postei antes peço desculpas, mas vou repetir o link:
Definição pela wikipedia da direita política:
"Direita política descreve uma visão ou posição específica que aceita a hierarquia social ou desigualdade social como inevitável, natural, normal, ou desejável.[1][2][3][4] Esta postura política geralmente justifica esta posição com base no direito natural e na tradição.[4][5][6][7][8]
O termo "direita" tem sido usado para se referir a diferentes posições políticas ao longo da história. Os termos "política de direita" e "política de esquerda" foram cunhados durante a Revolução Francesa (1789–99), e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês; os que estavam sentados à direita da cadeira do presidente parlamentar foram amplamente favoráveis ao antigo regime, o Ancien Régime.[9][10][11][12]
A original Direita na França foi formada como uma reação contra a Esquerda e era composta por políticos que defendiam a hierarquia, a tradição e o clericalismo"
Link:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direita_(pol%C3%ADtica)
Definição da esquerda política pela wiki:
No campo da política, política de esquerda descreve uma posição que apoia a igualdade social.[1][2][3][4] Normalmente, envolve uma preocupação com os cidadãos que são considerados em desvantagem em relação aos outros e uma suposição de que há desigualdades injustificadas que devem ser reduzidas ou abolidas. [3]
Os termos "direita" e "esquerda" foram criados durante a Revolução Francesa (1789–1799), e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês, os que estavam sentados à direita da cadeira do presidente parlamentar foram amplamente favoráveis ao Ancien Régime.[5][6][7][8]
O uso do termo "esquerda" tornou-se mais proeminente após a restauração da monarquia francesa em 1815 e foi aplicado aos "Independentes".[9] Mais tarde, o termo foi aplicado a uma série de movimentos sociais, especialmente o republicanismo, o socialismo,[10] o comunismo e o anarquismo.[11]
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Esquerda_(pol%C3%ADtica)
"Ah, mas é wikipedia, não é fonte séria" ---- O artigo da direita política tem umas 100 citações. Vasta documentação relacionada, o problema é que estão em inglês. O artigo da wiki em inglês também diz praticamente a mesma coisa, pois é consenso da comunidade acadêmica.