como sempre, os MESMOS pagarão a crise
Programa de Estabilidade e Crescimento
Classes médias vão pagar a maior factura do défice
por Bruno Faria Lopes, Publicado em 09 de Março de 2010 | Actualizado há 1 hora
Famílias pagam mais impostos e perdem poder de compra até 2013
Confrontado com a economia que menos vai crescer na zona euro nos próximos quatro anos, e sob forte pressão externa para cortar o défice orçamental, o governo socialista de José Sócrates vira-se para quem paga a maior parte dos impostos em Portugal: as classes média e média/alta.
Nas linhas gerais do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), apresentadas ontem em Lisboa, as medidas mais significativas de corte de despesa pública e de aumento da receita afectam directamente os trabalhadores e pensionistas a partir dos escalões médios de rendimento, agravando a carga fiscal ou contendo os salários: o governo limita o aproveitamento dos benefícios fiscais, cria um novo escalão máximo de IRS, congela salários na função pública (com influência forte no sector privado) e aumenta as contribuições feitas sobre o trabalho para a segurança social.
O plano do governo - cujos detalhes serão conhecidos esta semana - tem como objectivo reduzir o défice orçamental de um recorde de 9,3% do PIB em 2009 para 2,8% em 2013, cumprindo as regras da zona euro e tentando sacudir a pressão externa sobre os juros da dívida pública. O esforço de consolidação é menor este ano (um ponto de corte no défice), mas acelera a partir de 2011 para um ritmo quase constante de dois pontos por ano - nessa altura serão sentidas no bolso as medidas mais duras. A estratégia para reequilibrar as contas públicas passa por cortes na despesa (valem 49% do esforço), por uma subida da receita fiscal (contributo de 15%) e pelo efeito quer da retirada dos estímulos à economia, quer do crescimento esperado (36% do caminho).
O impacto para a classe média/alta é transversal aos três pilares do PEC (ver páginas 14 e 15). No lado dos gastos públicos, o governo quer reduzir a fatia da despesa fiscal, ou seja, o dinheiro que deixa de receber devido ao aproveitamento dos benefícios e deduções fiscais. Por outras palavras, vai aumentar a carga fiscal: os cortes nos benefícios fiscais começam a afectar as pessoas logo a partir a partir do terceiro escalão do IRS (com rendimentos entre 7 250 e 18 mil euros), sendo mais altos conforme se sobe na escala de rendimentos. Para uma família com rendimento bruto acima de 60 mil euros, o agravamento médio anual pode chegar a 580 euros, estima o governo no resumo do PEC ontem divulgado. Também os reformados com pensão anual acima de 22 500 euros vão poder deduzir menos, numa aproximação ao regime dos trabalhadores dependentes. Do lado da receita, o governo quebrou a promessa de não subir impostos durante a legislatura com a criação de um novo escalão de IRS, com taxa de 45% para rendimentos brutos anuais de 150 mil euros.
Estas medidas vão "reduzir a despesa fiscal e tornar mais justo o sistema fiscal português", defendeu ontem à noite o primeiro-ministro, numa declaração ao país. No entanto, os fiscalistas alertam para o facto de os escalões de IRS em Portugal serem muito progressivos, saltando para taxas de imposto mais altas em níveis de rendimento ainda médios. "Tendo em conta o nosso nível de riqueza e de rendimento, os escalões mais elevados de IRS atingem logo rendimentos que deveriam ser médios", apontou ao i o economista Eduardo Catroga.
As subidas da carga fiscal podem não ficar por aqui - o i sabe que, caso a consolidação derrape, as finanças encaram como certa a subida do IVA, um dos impostos mais regressivos. A Comissão Europeia pediu ontem a Portugal que evite os erros cometidos pela Grécia - que teve de fazer duas revisões ao seu programa inicial.
Custo de vida sobe
Além da cobrança fiscal adicional, o esforço de ajustamento da economia vai exigir moderação salarial: o Estado (que emprega cerca de 675 mil pessoas, a maior parte de classe média) congela salários e dá o exemplo ao privado, onde as subidas deverão ser muito magras. Esta contenção salarial será confrontada com a subida do custo de vida em Portugal: no cenário macroeconómico do PEC, o governo prevê uma subida da Euribor para o dobro já em 2011. Os preços deverão também subir, com a inflação a tocar 2% em 2012.
Este aperto sobre a classe média - que não está isolada no esforço (ver ao lado) - é um dos factores, a par do desemprego sempre acima de 9%, que limita a contribuição do consumo privado (que vale dois terços da economia) para o crescimento até 2013.
Portugal vai continuar a divergir durante os próximos quatro anos, crescendo sempre abaixo de 2%.
http://www.ionline.pt/conteudo/50160-cl ... -do-defice