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por PQD » Qua Set 26, 2007 11:19 am
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heróis?
Xexéo sobre 'Tropa de Elite': O chocante é a platéia
Publicada em 26/09/2007 às 10h03m
Artur Xexéo - O Globo
RIO - Em sua coluna publicada nesta quarta-feira, o editor do Segundo Caderno do Globo, Artur Xexéo, diz que o mais impressionante é a reação do público nas sessões de 'Tropa de elite' no Festival do Rio.
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Bastou uma única sessão de cinema, na abertura do Festival do Rio, para "Tropa de elite" passar de mocinho a bandido
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"Acabou a lua-de-mel. Enquanto de um lado ficavam os piratas comercializando cópias ilegais de um filme destinado ao sucesso e do outro, os consumidores que não tinham paciência para esperar o filme chegar aos cinemas e ainda contavam com a vantagem de o produto encontrado nas ruas ser mais barato, ninguém tinha dúvida: "Tropa de elite", seu diretor, seu elenco, seus produtores eram os mocinhos. Os bandidos eram os consumidores sem consciência que colaboravam com a teia de sonegação fiscal. Agora que o filme chegou aos cinemas como principal atração de um festival ao qual não faltam grandes atrações, a história é outra: mocinhos são os espectadores indignados com uma suposta exaltação à tortura, com a heroicização de um policial que combate o crime com técnicas pouco humanistas. Bastou uma única sessão de cinema, na abertura do Festival do Rio, para "Tropa de elite" passar de mocinho a bandido.
A crítica que o filme vem recebendo parte de uma premissa equivocada: confunde argumento com intenção do diretor. Acreditar que José Padilha apóia as práticas do Bope por ter feito "Tropa de elite" faz tanto sentido quanto acusar Francis Ford Coppola de ligações com a Máfia por ter dirigido "O poderoso chefão". Os formadores de opinião que já viram o filme - pois é, a gente tem que acreditar que a quase totalidade da platéia do Odeon que assistiu a seu lançamento no festival não conhecia a versão em DVD pirata - confundem protagonista com herói. Se o capitão Nascimento, personagem principal, mata, tortura, faz justiça com as próprias mãos, o filme leva o público a apoiar seu comportamento. Não é bem assim. Há várias seqüências em "Tropa de elite" que põem em dúvida o caráter do capitão Nascimento. Diferentemente de Jack Bauer, por exemplo, só para citar outro protagonista polêmico, que usa a tortura e o homicídio para defender a segurança dos Estados Unidos no seriado "24 horas", Nascimento não tem um comportamento exemplar com a família. Bate na mulher e mal conhece o filho. E não dá para dizer que ele ganha a simpatia da platéia quando, numa reunião para escolher os próximos recrutas do Batalhão, debocha de um ex-candidato que ficou surdo durante o treinamento comandado por ele. "Foi um acidente", justifica com ironia. É esse o herói criado por José Padilha?
As críticas têm se referido ao papel negativo desempenhado no filme por estudantes da PUC que vendem maconha no campus. Vem cá, eu sou o único ex-universitário que sabia quem eram os colegas que, na faculdade, vendiam... hummmm.... ácido lisérgico? (pois é, sou mesmo de outros tempos). Isso não quer dizer que minha faculdade era um antro de viciados ou de traficantes. "Tropa de elite" põe na roda integrantes da Guerra do Rio que não costumam aparecer: estudantes e ONGs que atuam em favelas, principalmente. Qual é o problema? Contrariando Caetano Veloso, desta vez, Narciso acha feio o que é espelho.
O que vem realmente chocando nas primeiras exibições públicas de "Tropa de elite" é o comportamento da platéia. Independentemente das intenções de José Padilha, o capitão Nascimento realmente virou um herói. Já foi indicado para presidente da República por um espectador entrevistado aqui no Segundo Caderno. "Tropa de elite" vem sendo defendido por sua equipe como um filme que apresenta o ponto de vista da polícia. É verdade. Mas isso não é muito diferente do que João Moreira Salles fez, ao dar voz ao capitão Rodrigo Pimentel, no documentário "Notícias de uma guerra particular". A diferença aqui é a reação do público. O público é que aplaude cada tortura em traficante, cada morte de bandido em "Tropa de elite". É mais ou menos o que a gente lê todos os dias nas seções de cartas de leitores dos grandes jornais. Só que, agora, quem aplaude não está distante como o remetente de uma carta, mas na poltrona ao lado na sala de cinema. É difícil de aceitar. Mas "Tropa de elite" está fazendo vir à tona um comportamento até agora silencioso. Não é o filme que faz a classe média apoiar métodos radicais para combater a bandidagem. Talvez o filme ajude a catarse. Melhor do que criticá-lo é refletir sobre o que nos transformou em gente assim.
Há outra coisa que vem ajudando os críticos a encontrarem defeitos ideológicos em "Tropa de elite". Veja bem, são 400 filmes no Festival do Rio. Mas todo mundo só fala no filme de José Padilha.
Torcer pelo capitão Nascimento não é muito diferente do que torcer por Bebel nesta reta final de "Paraíso tropical". Ok, Bebel não tortura ninguém, pelo menos fisicamente. Mas poucas vezes um personagem de novela foi tão mau-caráter e se deu bem durante tanto tempo. Não conheço ninguém que queira ver Bebel na cadeia, no cemitério ou num hospício - os finais tradicionais para vilões em folhetins eletrônicos. Acredite: a culpa não é de Gilberto Braga."