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Mensagem
por kurgan » Ter Ago 03, 2010 10:25 am
03/08/2010 - 09h58
Ao "Le Monde", presidente do Paquistão diz que Ocidente perde guerra para o Taleban
O presidente do Paquistão, Asif Ali Zardari, que visita Paris e Londres nesta semana, disse em entrevista ao jornal francês "Le Monde" que as forças internacionais da Otan e dos EUA estão perdendo a guerra para o Taleban no Afeganistão.
De acordo com Zardari a comunidade internacional está perdendo a guerra por ter "subestimado a situação no terreno" e por "não ter tomado consciência da amplitude do problema".
A entrevista foi publicada na edição desta terça-feira no "Le Monde", um dia após sua reunião com o chefe do Estado francês, Nicolas Sarkozy.
A viagem do líder paquistanês à Europa em meio à catástrofe que atinge o Paquistão --onde as chuvas já mataram ao menos 1.500 pessoas e afetaram 3,2 milhões em apenas sete dias foi criticada pela sociedade paquistanesa e aumenta as crenças de que o governo faz muito pouco para gerenciar o desastre.
Desabrigados reclamam da ineficiência do governo em gerenciar o desastre e analistas já temem por uma crise mais longa e de grandes proporções devido às condições políticas e econômicas do país e do aumento do número de atingidos pelas chuvas.
"Você pode imaginar o quanto estão preocupados conosco quando o presidente viaja para Londres, apesar de pessoas estarem morrendo e centenas de milhares estarem desabrigados", criticou o fazendeiro Ghulam Hussain.
O presidente Asif Ali Zardari chegou a Paris no domingo à noite e viaja nesta terça-feira para Londres, para uma visita oficial de cinco dias ao Reino Unido.
REFORÇOS INSUFICIENTES
Em alusão ao envio de mais tropas dos EUA à região, Zardari disse que os "os reforços militares não são mais que uma pequena parte da resposta" e sugeriu que a iniciativa seria insuficiente para lidar com a situação atual do conflito.
"Para ganhar o apoio da população afegã, é preciso contribuir para o desenvolvimento econômico e provar que podemos não só mudar sua vida, mas, sobretudo, melhorá-la", assinala o presidente do Paquistão, que está convencido que "a população não associa a intervenção militar com um futuro melhor".
A comunidade internacional deveria fazer um planejamento de longo prazo porque "o êxito dos insurgentes é o saber esperar" já que "têm o tempo ao seu lado", acrescenta o presidente paquistanês, quem não acredita que os talebans recuperem o poder no Afeganistão.
As declarações de Zardari se produzem após o recente vazamento de documentos secretos americanos que apontavam que o Paquistão poderia estar fazendo jogo duplo no Afeganistão, apoiando ao mesmo tempo às forças internacionais em sua luta contra o terrorismo e aos insurgentes talebans.
CRISE COM REINO UNIDO
Após o encontro com Sarkozy em Paris, Zardari chega a Londres nesta terça-feira para uma visita de cinco dias ao Reino Unido, quando deve se encontrar com o premiê britânico David Cameron.
As reuniões ocorrem meio à crise gerada pelos comentários de Cameron, que na semana passada disse que o Paquistão "exporta o terrorismo" e faz um jogo duplo na guerra do Afeganistão --aliando-se tanto às potências ocidentais quanto ao Taleban.
Ainda na segunda-feira o governo britânico indicou que o premiê não se retrataria de suas afirmações. "Ele mantém suas declarações", afirmou nesta segunda-feira uma porta-voz de Downing Street --sede do governo britânico-- insistindo que o premiê não fez alusão que o governo paquistanês apoiava o terrorismo.
"Ele fez referências a algumas pessoas dentro do Paquistão que apoiam o terrorismo, não ao governo do Paquistão", afirmou a porta-voz.
A porta-voz reforçou ainda que Londres tem "relações muito boas" com o Islamabad, e que "obviamente as pessoas têm direito a protestar".
Ex-colônia britânica, o Paquistão tornou-se independente do Reino Unido há apenas 60 anos, quando foi também desmembrado da Índia, durante a divisão do sub-continente.
As declarações de Cameron irritaram ainda mais o governo paquistanês por terem sido feitas em Nova Délhi, na capital da Índia, país rival de Islamabad.
O embaixador britânico no Paquistão, Adam Thomson, foi convocado pelo chanceler paquistanês Shah Mahmood Qureshi para uma reunião de emergência em Islamabad. O governo britânico confirmou o encontro.
Qureshi disse ao embaixador que o "terrorismo era um assunto global e que deve ser combatido por todos os países num espírito de cooperação, ao invés de colocar todo o ônus apenas sobre um país".
ALIADO IMPORTANTE
Após os polêmicos comentários, David Cameron vem sendo alvo de duras críticas por diplomatas e políticos paquistaneses, além da própria oposição britânica.
Para o ex-chanceler do Reino Unido, David Miliband, Cameron afugentou um aliado importante. O cancelamento da viagem é "claramente uma má notícia", disse à imprensa britânica.
"O Reino Unido precisa ter boas relações com o Paquistão, e o Paquistão precisa ter boas relações com o Reino Unido", disse.
"Os comentários do premiê nesta semana trataram somente de um lado da história e isto enfureceu as pessoas no Paquistão. É vital que ele mostre que entende a necessidade não só do Paquistão atacar o terrorismo mas que ele apoiará o país a fazer isso e compreende as perdas que eles tiveram", disse Miliband.
AMEAÇAS
O relacionamento diplomático entre Londres e Islamabad já havia sido ameaçado quando na semana passada, ainda em visita à Turquia, Cameron afirmou que as relações bilaterais entre os dois países dependiam de uma maior cooperação do Paquistão contra o terrorismo.
Em Nova Délhi, na continuação de seu giro pela Ásia, Cameron foi mais longe e acusou o governo paquistanês de fazer um jogo duplo na guerra do Afeganistão, travando alianças com as potências ocidentais e ao mesmo tempo "exportando o terror" para o outro lado da fronteira.
"Não é aceitável que existam grupos terroristas no Paquistão, grupos que causam terrorismo não só no próprio país, mas no Afeganistão ou na Índia", afirmou o premiê britânico em entrevista coletiva conjunta em Nova Déli com seu colega indiano, Manmohan Singh.
O líder britânico causou a ira do Paquistão ao assinalar, também, na quarta-feira passada, que esse país deve deixar de "exportar terror", o que levou o embaixador paquistanês no Reino Unido, Wajid Shamsul Hassan, a imediatamente qualificar esse discurso como a "reação imatura de um político imaturo".
COMPARAÇÕES COM VIETNÃ
Para o famoso ex-jogador de críquete e atual político paquistanês Imran Khan, a posição de Cameron quanto ao papel do Paquistão na guerra afegã é similar às críticas feitas pelos EUA ao Camboja durante a guerra do Vietnã.
Em entrevista à emissora britânica BBC, Khan disse que com o fracasso nas operações das forças ocidentais seria a causa das declarações do premiê, assim como o governo americano teria usado o país vizinho ao Vietnã para justificar os maus resultados das operações militares na região.
"Há obviamente muita raiva no Paquistão após as declarações de Cameron porque neste país as pessoas consideram que este país é o que mais sofre com o terrorismo", disse.
"Estamos sendo culpados pelo fracasso total da campanha no Afeganistão, esta campanha amaldiçoada. O Paquistão tornou-se a válvula de escape. O Paquistão tornou-se o que o Camboja foi na guerra do Vietnã", afirmou Khan.
WIKILEAKS
As polêmicas declarações de Cameron foram feitas durante visita à Índia. "Devemos ser muito, muito claros com o Paquistão que queremos ver um Paquistão forte, estável e democrático", disse Cameron a jornalistas na cidade de Bangalore, no sul da Índia.
"Não podemos tolerar de forma nenhuma a ideia de que esse país possa olhar para os dois lados e possa, de alguma forma, promover a exportação do terror, seja para a Índia, seja para o Afeganistão ou para qualquer lugar do mundo", acrescentou.
Os comentários de Cameron vêm dias depois de documentos militares confidenciais dos Estados Unidos, publicados pelo site WikiLeaks, detalharem preocupações norte-americanas de que o Paquistão tenha ajudado o Taleban enquanto recebia bilhões de dólares em ajuda dos EUA.
O Paquistão, aliado dos Estados Unidos, é visto como essencial nas negociações para pôr fim à guerra de nove anos no Afeganistão por conta de sua influência sobre o Taleban.
COM AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS