Marino escreveu:Prick, este artigo da Zero Hora deixo para vc comentar
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ARTIGOS
Perfume francês, por Flávio Tavares*
A cada dia, a norma no serviço público torna-se simples e concreta: nas grandes licitações, escolhe-se a proposta mais cara, independentemente de que seja a melhor e apenas por ser a de maior preço. Há exceções, mas o absurdo transformado em regra continua a desafiar o razoável. Por quê?
Há quem diga que, quanto maior o gasto, maior o quinhão da “propina”, calculada sempre como um percentual do valor da negociação. Afinal, o dinheiro é do povo e a “comissão” é do ministro, secretário de Estado ou alto funcionário. É terrível aceitar que seja assim e prefiro pensar que o patriotismo de nossos governantes tenha razões que a razão desconhece. (No século 18, Pascal já dizia que “o coração tem razões que a razão não conhece”.)
A mania de contrariar o bom senso e esbanjar dinheiro público evidenciou-se, agora, no bilionário contrato pelo qual vamos adquirir da França quatro submarinos e 50 helicópteros, além de nos candidatarmos a 36 aviões de caça. Pagaremos por isso, no mínimo, R$ 34 bilhões, a crescer como erva daninha sob a chuva, caso nossa moeda se desvalorize.
A quantia supera a totalidade dos gastos e investimentos previstos para o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, nosso plano de salvação nacional.
Decidido a reequipar as Forças Armadas, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, empenhou-se na compra de quatro submarinos convencionais, além de um casco para futura nave nuclear a ser construída no Brasil. Explicou ter optado pela proposta francesa, mais cara, porque a da Alemanha, mais barata, “não transferia tecnologia” para desenvolver um submersível nuclear. Os alemães, porém, há muito tinham concordado em transferir a tecnologia de propulsão nuclear.
Só o casco francês custará cerca de 2 bilhões de euros, e a transferência tecnológica mais 900 milhões. Assim, nosso submarino nuclear começará a um preço de 2,9 bilhões de euros, baseado num modelo de 10 anos atrás, para entrar em atividade quando o Brasil produza um propulsor atômico, façanha que levará 15 anos, no mínimo, a um custo indefinido. O jornal O Globo, do Rio, lembrou que, curiosamente, o mais avançado submarino nuclear do mundo (o francês Barracuda), completo, custou 1,9 bilhão de euros. Ou seja, 1 bilhão de euros a menos que o casco que compraremos...
Nossas bilionárias compras ativam a corrida armamentista na América do Sul, quando a visão moderna de convivência é a dos mercados comuns e da unidade política, não a da divergência dirimida pelas armas, como em séculos passados.
A partir dos anos 1950, o Japão reconstruiu-se e virou potência mundial sem ter exércitos. (A nova Constituição japonesa quis soterrar o militarismo que, durante séculos, impôs ódio e ira como norma de vida e proibiu as formações armadas.) Na América Latina, a Costa Rica é exemplo de democracia estável e não tem exércitos. Nem por isto é ameaçada pelos vizinhos centro-americanos. Ao contrário, serve como intermediário da paz entre eles, ou até da paz interna dos vizinhos, como agora no golpe de Honduras.
O presidente Lula da Silva diz que os bilhões a serem gastos com as compras na França “são necessários para defender o pré-sal”, pois – com ele – seremos país petrolífero.
A Arábia Saudita e os emirados árabes, grandes produtores de petróleo, não têm exércitos, porém. Em compensação, dois países daquela área, o Iraque de Saddam Hussein e o Irã, esbanjaram em suas forças armadas boa parte da riqueza do petróleo.
Não advogo o absurdo de prescindir dos exércitos, necessários até na modernidade da paz. Mas para que besuntá-los com perfume francês?
Jornalista e escritor