Bom, acredito que alguns dos amigos portugueses já conheçam o texto abaixo, que apesar de possuir um tom jocoso, contém fatos absolutamente verdadeiros:
O que teria a ver a legendária e sensual Salomé com o Botafogo? Aparentemente nada. Mas recentes e aprofundados estudos perpetrados por alvinegros apaixonados reviraram Livros Sagrados e de História Geral e descobriram que sinais, obviamente premonitórios, da chegada do glorioso alvinegro da estrela solitária à face da Terra foram sentidos em tempos bíblicos e pós-bíblicos. O Botafogo seria, assim, um predestinado a conquistar a paixão de pelo menos 12 milhões de brasileiros.
Herodes Antipas, tetrarca (um dos quatro reis) da Galiléia, viajou a Roma por volta de 27 DC e lá, de maneira sórdida e insidiosa, seqüestrou Herodíades, mulher de seu irmão Herodes Felipe. Diga-se de passagem que Herodes Felipe também não era lá flor que se cheirasse, porque a bela Herodíades vinha a ser sua sobrinha. O fato é, porém, que quando Herodes Antipas retornou à Galiléia, levando a nova mulher e a enteada Salomé a tiracolo, rolou um grande barraco na província, com o povo escandalizado com o gesto. João Batista, que batizou Jesus Cristo nas águas do Rio Jordão, foi o primeiro a botar a boca no trombone.
O resultado foi péssimo para Herodes Antipas. O tetrarca mal podia se locomover pelas ruas, em companhia de Herodíades e Salomé, sem que o povo o vaiasse estrepitosamente. João Batista chefiava a oposição e não lhe dava trégua, alegando, não sem razão, que Herodes aviltara as leis de Moisés.
Resultado: sem alternativa, disposto a terminar com a grita geral, Herodes Antipas apelou para a velha solução e encarcerou João Batista. Mas a situação iria piorar. No aniversário de Herodes Antipas, Salomé deu um show sensual de dança, deixando os convivas com água na boca. E Herodes Antipas — que também já deveria estar de olho na enteada — disse à jovem que, tão espetacular havia sido a sua exibição que ela poderia pedir o que quisesse como prêmio. A loura Salomé, cabecinha oca, pouquíssimo intelectualizada, decidiu perguntar à mãe o que deveria ganhar. Cheia de ódio, Herodíades foi vingativa:
— Peça a cabeça de João Batista numa bandeja de prata...
Quinze séculos depois, ainda chocados com a macabra vingança, os portugueses, católicos por excelência, lançaram ao mar o poderosíssimo barco de guerra São João Batista. Na linguagem do gentio do cais lisboeta, o galeão ficou conhecido como O Botafogo. Originalmente, botafogo era o apelido dado ao artilheiro, que, de acordo com a história e a definição de Aurélio Buarque de Hollanda, ateava fogo às peças dos canhões das fortalezas terrestres e dos barcos de combate das marinhas de guerra. Mas isso estava prestes a mudar.
E assim São João Batista virou Botafogo
Portugal, uma das mais vitoriosas nações desbravadoras dos mares nunca dantes navegados, de acordo com o célebre poema de Luiz de Camões, passou a contar, então, no reinado de Dom João III, com o referido e impressionante São João Batista, dotado de nada menos do que 200 peças de artilharia. Tão poderoso e destruidor era o São João Batista, pois parecia deitar fogo pelas ventas, que os próprios nobres lusitanos passaram a chamá-lo de Botafogo. Portugal chegou a emprestá-lo à Espanha, a fim de reforçar a esquadra espanhola que combatia o pirata otomano Barba Roxa, em 1535.
Barba Roxa era mau e tinha nascido na ilha grega de Lesbos, onde o homossexualismo feminino era lugar-comum.
De nome de barco de guerra, Botafogo virou sobrenome de família. E ainda no século do descobrimento, João Pereira de Souza Botafogo veio dar com os costados no Brasil, como lugar-tenente do governador-geral Antônio Salema, encarregado da defesa do Rio de Janeiro. Tão bem se houve no cargo, numa cidade sempre cobiçada pelos franceses, que João Pereira de Souza Botafogo ganhou do rei uma extensa sesmaria na Enseada de Francisco Velho — mais tarde, Praia de Botafogo.
O local, porém, permaneceria inabitado por mais de 250 anos. A rigor, a conquista da sesmaria só teria início com a chegada da família real ao Brasil, no início do século XIX. Carlota Joaquina, mulher de Dom João VI, foi, com certeza, uma das primeiras moradoras do bairro.
Dona Chiquitota manda mudar o nome do Eletro
Na tarde de 12 de agosto de 1904, uma sexta-feira, Flávio da Silva Ramos e Emanoel de Almeida Sodré, livres das aulas no Colégio Alfredo Gomes, reuniram amigos e adeptos do novo esporte da bola e decidiram fundar o a princípio Eletro Club. Francisca Teixeira de Oliveira, conhecida como dona Chiquitota, avó de Flávio Ramos, detestou o nome escolhido a esmo, em razão de um talão de recibos de um extinto grêmio de pedestrianismo, e mudou o nome para Botafogo, a 18 de setembro. Os garotos aprovaram e o novo clube entrou para a história. Estava mais do que consagrado o histórico nome Botafogo.
Naquele já tão distante 12 de agosto, uma coincidência do destino teria lugar. O matutino "Correio da Manhã", numa pequena nota de pé de página, publicaria a seguinte notícia: "Ontem foi dado um aviso à Estação de Bombeiros da Rua Humaitá de que lavrava pavoroso incêndio na Rua General Severiano. Comparecendo ao local, os briosos soldados do fogo verificaram tratar-se de um rebate falso."
Hoje, cem anos depois, percebe-se que a notícia não era tão falsa assim. Certamente, como nos tempos bíblicos de São João Batista, tratava-se de uma premonição do que aconteceria anos depois. O clube que tornaria a rua tão famosa seria realmente o incendiário Botafogo. E o general Severiano da Fonseca — irmão do marechal Deodoro, o proclamador da República — também inscreveria, embora indiretamente, seu nome na história do futebol brasileiro e mundial. Afinal, o Botafogo foi apontado pela Fifa como um dos clubes do século XX.
*Roberto Porto