Página 2 de 2

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Seg Out 08, 2012 11:49 am
por marcelo l.
Contestado é um dos mais desconhecidos.


Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Seg Out 08, 2012 1:25 pm
por irlan
Aqui no Rj pelo menos nas salas de aula só me falaram sobre Canudos.

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Seg Out 08, 2012 1:55 pm
por rodrigo
Guerra escreveu:Mas dizer que a republica até hoje persegue a região é forçar demais. Queria ver o que seria da região se esses fanaticos estivessem por lá até hoje.
Seria Paraguai.

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Seg Out 08, 2012 2:05 pm
por marcelo l.

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Seg Out 08, 2012 4:13 pm
por marcelo l.
rodrigo escreveu:
Guerra escreveu:Mas dizer que a republica até hoje persegue a região é forçar demais. Queria ver o que seria da região se esses fanaticos estivessem por lá até hoje.
Seria Paraguai.
Deixar eles seria incompatível, a solução para conflito sem disputa criaria mecanismos de posse da terra com o detentor da terra recebendo o título de propriedade e indenizando-o pelos prejuízos.

É quase negar a ordem criada por Campos Sales (1898-1902), a "política dos governadores", que tinha o início a uma cadeia de favores, que se estendia desde o relacionamento entre o presidente da República e os governadores dos Estados até o relacionamento entre os coronéis e os trabalhadores rurais. Assim, num encadeamento autoritário, as decisões deveriam ser acatadas em todos os níveis para que as reivindicações fossem atendidas.

Essa ordem fazia que os trabalhadores rurais, por concessão dos coronéis, residissem na região ou fazenda em troca disso, aceitavam o "voto de cabresto", elegendo os candidatos apoiados pelo Senhor da região. Se o pequeno proprietário de terra e o trabalhador rural tem direitos assegurados, por que eles aceitariam este sistema político?

Dar direito de propriedade, então nesse quadro iria abalar todo o sistema, em um momento que Hermes da Fonseca reforça-o apoiando algumas oligarquias em detrimento de outras nas várias disputas que havia através dos indicados para comandar as Guardas Nacionais em determinados Estados.

E ainda tem questão dos imigrantes que iriam para outra região criando estruturas fundiárias diversas em outras regiões. Um resultado diferente seria negar as instituições políticas e o modelo de estabilidade escolhido com a independência e crescimento econômico almejados até pelas limitações do projeto de poder existente.

Não é muito diferente que muitos economistas e sociólogos liberais observam do passado pelas escolhas econômicas em todas as regiões do planeta, e se perguntam why nations fail*?


* http://whynationsfail.com

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Seg Out 08, 2012 10:57 pm
por marcelo l.
E a globo irá fazer uma mini-série sobre a guerra.

http://redeglobo.globo.com/rpctv/fotos/ ... ta-19.html

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Ter Out 09, 2012 12:36 pm
por delmar
Algum tempo atras a TV Educativa colocou no ar um programa sobre o Contestado. Professores, historiadores e politicos deram seu depoimento, inclusive o Espiridiao Amim. Foi muito bom, com muitos detalhes historicos, episodios, datas, tudo bem fundamentado e pareceu-me, bastante imparcial. Nao foi aquela baboseira de sempre dos historiadores marxistas em que tudo resumia-se numa luta entre os oprimidos, os jaguncos, e os opressores, o poder politico e os coroneis.

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Ter Out 09, 2012 5:59 pm
por marcelo l.

Aqui se explica o como foi feita a narrativa do estadão.


--------------
Texto sobre a "religiosidade" aos montes do Contestado.


Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Ter Out 09, 2012 6:15 pm
por marcelo l.
Aproveitando o gancho do Delmar existe uma discussão rápida sobre a ideia inovadora do Victor Nunes Leal com o José Murilo de Carvalho a 5 minutos mais ou menos sobre coronelismo.

A maior parte desse "documentário" é sobre a carreira dele jurídica, já que foi ministro do STF.



Para entender melhor:
Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual*
José Murilo de Carvalho
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S00 ... ci_arttext

E um pedaço do clássico.


Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Ter Out 09, 2012 6:46 pm
por marcelo l.

Re: contestado, 100 anos de um massacre

Enviado: Ter Out 09, 2012 7:03 pm
por marcelo l.
Artigo discute as posições de quatro estudiosos a respeito do fanatismo, ou não, dos caboclos do Contestado apesar do autor ter uma posição contra a ideia, ele faz resumos de cada livro e cita os argumentos de cada um deles.


Re: contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

Enviado: Qua Out 10, 2012 10:45 am
por marcelo l.
irlan escreveu:Aqui no Rj pelo menos nas salas de aula só me falaram sobre Canudos.
É muita matéria no programa de ensino, afinal tem se priorizar os assuntos que mais caem em prova.

Re: contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

Enviado: Seg Out 15, 2012 8:46 am
por marcelo l.
Os autores do atual série do Estadão sobre o Contestado tiveram antes as guerras desconhecidas do país...mas, antes do Contestado houve o conflito do Pinheirinho, é difícil pensar que foi uma surpresa.

Imagem

Imagem

link da matéria
http://www.estadao.com.br/especiais/as- ... 127791.htm

Para quem gosta do Marco Antonio Villa, ele elogiou muito esta série aqui.

Re: contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

Enviado: Seg Out 15, 2012 9:15 am
por delmar
Menos, bem menos. Colocar como "guerra" estes pequenos conflitos localizados é forçar muito. Cada um deles teve seus próprios motivos, locais ou regionais. Percebe-se uma intenção, ou tentativa disto, de provar que o povo, "HUMILDE, POBRE, SOFRIDO E DESAMPARADO" tentou em muitas ocasiões lutar pelos seus direitos e sua independência mas foi cruelmente massacrado pelo governo, a serviço dos poderosos e dos interesses das multinacionais e do capitalismo internacional.
Podem anotar aí, daqui uns 30 anos vão aparecer teses dizendo que a ocupação das favelas do RJ foi um ato de repressão das elites contra os pobres e excluídos que tentavam organizar-se contra a opressão. Com soldados, blindados e violência o governo reprimiu o povo e acabou com o movimento.

Re: contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

Enviado: Dom Dez 09, 2012 4:46 pm
por marcelo l.
http://www.estadao.com.br/noticias/supl ... 1041,0.htm

História, memória, pretérito, pra que te quero? No entanto, há que se exigir “luz, mais luz!”, como balbuciou Goethe (1749-1832) no leito de morte. Sim, os insólitos e decisivos episódios de um dos mais desfrutáveis contornos anímicos do País - inaudita mescla de civilização e barbárie nos cafundós de Santa Catarina e do Paraná - permanecem soterrados a sete palmos pela tortuosamente amnésica História do Brasil. Quando não, enovelados por uma absoluta indiferença e assaz suspeita omissão.

A Guerra do Contestado (1912-1916), o maior levante bélico no campo brasileiro do século 20, verdadeira guerra civil nos sertões sulistas, em plena efeméride de seu centenário, vem se transformando em um zumbi do nosso passado recente. Suas perturbadoras vísceras morais, míticas, políticas e ideológicas, que continuam a nos assombrar, estão a exigir exorcização que a catapulte à pertinência e à atualidade.

A 20 de outubro de 1916, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, sob a égide do presidente da República, Venceslau Brás, o presidente de Santa Catarina, Felipe Schmidt, e Afonso Camargo, presidente do Paraná, “... inspirados no amor à paz...”, firmaram pacto que, aparentemente, selou o fim das sangrentas hostilidades nas e entre as então províncias (Estados) vizinhas.

Era uma paz enganosa, porque nos dois anos subsequentes, por meio das chamadas “varreduras”, sob o comando do então capitão “Rosinha” (José Vieira da Rosa, 1869-1957), da Polícia Militar de Santa Catarina, perpetrou-se um autêntico genocídio, com a perseguição e matança de centenas de rebeldes e caboclos indefesos. Nessas varreduras, oficialmente conhecidas no meio militar como “raides proveitosos” (sic), não havia diálogo entre o caçador e o caçado, apenas o matraquear do tiroteio, o pavor de velhos inermes e o choro de mulheres e crianças. Massacres do tipo do “My Lai” vietnamita (1968), avant la lettre.

Nestes seus cem anos, não se espantem, a Guerra do Contestado debate-se, misteriosa e sintomaticamente, imersa no mais inacreditável esquecimento factual e investigativo, que, aliás, sempre lhe maculou a imagem e o reconhecimento de várias gerações de historiadores. O que, afinal, não é nenhuma novidade.

Essa omissão e descaso ativos nada mais são do que um genérico regional (leia-se, provinciano) com que nossa historiografia, quase toda ela de extrato acadêmico, com as exceções de praxe, imprime seu enfoque unívoco, e ideologicamente (à direita e à esquerda) chamuscado, sobre um passado que lhe é estranho, ainda que entranhado. Daí o Contestado ter-se transformado num autêntico buraco negro da História do Brasil!

Quase sempre, a pegada desses escribas de plantão é o achatamento e a desqualificação da Guerra do Contestado. Quando não, utilizam-na como caricatura ideológica que faça coro com um seu ideário de toque político raso e radical, tentando, a todo custo, ancorá-la em qualquer agito similar que surja no campo. Ou, então, ignorar sua estatura geopolítica e prevalência na fecundação do moderno capitalismo no Brasil, para obliterar seu complexo substrato ideológico-institucional em plena neo-república.

E, ainda, para subestimar ou superestimar o amálgama místico-religioso (o “espírito de irmandade”, a submissão voluntária e a autoridade castrense que vigiam dentro dos redutos), ou para edulcorar os flagrantes de delinquência e ilícitos de nítido caráter terrorista que marcaram a ferro e fogo milhares de viventes e incontáveis interesses locais, nacionais e internacionais.

Ali, no Contestado, ao sul e a oeste das então fluídicas fronteiras entre Santa Catarina e Paraná, deu-se um embate fratricida de quatro anos; ali, em torno de 7 mil homens, um terço do efetivo do Exército brasileiro, promoveu um morticínio exemplar e único no século 20, sob o comando do general Setembrino de Carvalho (1861-1947), coautor da tragédia de Vaza-Barris havia menos de duas décadas. E, onde, entre mortos e feridos, como em Canudos, se revezavam na brutalidade, espelhando-se mutuamente na sangueira e na insensatez, cada um empunhando a “sua” bandeira da verdade secular e de transcendência messiânica.

Incontornável: no Contestado matou-se à bala, à baioneta e na degola, e tombaram de fome, doençaria e perdição, entre soldados, caboclos e fanáticos, mais de 20 mil pretos, cafuzos, bugres e índios aculturados, imigrantes europeus (poloneses, alemães, ucranianos, rutenos), retirantes e trânsfugas de todos os grotões miseráveis do País. Hoje, centenas de cruzeiros sem nome e data, às vezes emoldurados com fitas coloridas, à sombra dos verdejantes pinheirais remanescentes e das sombrias florestas de Pinus elliottii do planalto catarinense, ainda clamam por justiça e reparação histórica.

No Contestado, a refrega teve inequívocos lances separatistas. Talvez resida aí uma das razões pelas quais se teme tanto mexer e rever o conflito na sua integridade holística, denunciando executantes e mandantes, desencavando valas crematórias, lápides e necrológios. A caudilhesca Revolução Farroupilha (1835-1845), que deu na breve “República Piratini”, era explicitamente autonomista, uma macabra antevisão sesquicentenária do dístico “o Sul é o meu país” - ao contrário do Contestado, onde essa vocação nunca foi coletiva, nem havia unanimidade política quanto a uma possível secessão, e muito menos representou o insumo para a longevidade da desgraceira.

Mesmo que chefetes, ex-lideranças de Gumercindo Saraiva, um dos comandantes da malograda, também separatista, Revolução Federalista (1893-1895), chegassem a propor, em 1914, a criação de um Estado autocrático batizado de “Monarquia Sul Brasileira”, que incorporaria tanto o Paraná como o Rio Grande do Sul, estendendo-se ao Rio de Janeiro. Na “Carta Magna”, que deixa escapar laivos republicanos, além de uma inusitada liberdade de voto, culto e de opinião, sonhava-se até com a criação de um Ministério da Marinha e a anexação da Banda Oriental do Uruguai, “antiga Província Cisplatina”...

Não raro o Contestado é associado à Guerra de Canudos (1896-1897), sendo inclusive chamado, equivocadamente, de “Canudos do Sul”, e faz mesmo algum sentido semântico, pois já nas primeiras notícias de ajuntamentos messiânicos na região, no início do século 20, a expressão veio a lume na mídia. No entanto, o Contestado diferencia-se de Canudos menos pela sua origem igualmente milenarista, como é reconhecido esse surto religioso de deserdados que agem em uníssono almejando uma suposta redenção moral de mil anos.

Tudo atiçado pelo verbo, ora incandescente ora melífluo, de um “messias”, com subtexto cristão revanchista e de restauro de um idílico tempo de benesses e bem-estar geral e perene. Esse “salvador” de homens e almas tanto pode ser um Antônio Conselheiro como os dois “padroeiros” do Contestado, os “sãos” João Maria, histórico e pacifista, e o bruxo incendiário José Maria, de passado dito criminoso, idolatrado por suas mandingas e curas e por arrecadar dinheiro dos caboclos para promover o assentamento fraudulento deles em terras devolutas.

Para higienizar de vez esse caldeirão, o que fazer com os milhares de enjeitados recalcitrantes, como controlar esse lumpesinato enfurecido que se engraçara com o messias em voga, indiferente à interminável pendenga jurídico-institucional entre Paraná e Santa Catarina? O jeito foi forçá-los a se virar como operários das multinacionais Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a Brazil Railway Company, e Southern Lumber & Colonization (então a maior serraria da América do Sul). Ou, na pior das hipóteses, enxotá-los de suas glebas feito cães sarnentos, por não possuírem título de propriedade.

Isso sem falar nos 8 mil homens recrutados no Nordeste e no Rio de Janeiro como mão de obra quase escrava para tocar a ferrovia. Com seu término, em 1910, desempregados, eles viraram os potenciais novos “soldados do exército encantado de São Sebastião”: miséria por miséria, que fosse acreditando no improvável que poderia matar sua fome, em lugar da exploração de sua força de trabalho por ninharia e da serventia física e moral.

Foi quando o presidente Hermes da Fonseca, apavorado com que ali subsistissem cinzas de um monarquismo redivivo, mandou à região, armado até os dentes, inclusive com inéditos aviões, o general Setembrino de Carvalho, que acabara de liquidar um levante do Padre Cícero no Ceará.

Setembrino atuou com as PMs de Santa Catarina e do Paraná, coadjuvadas pelas milícias dos “coronéis”, os chamados “vaqueanos”, de infausta memória, que faziam o serviço sujo na cola do Exército, do qual recebiam soldo. Um a um eram fuzilados ou degolados os intimoratos recos da tropa celeste de “São Sebastião” (o mito do sebastianismo, restaurado nos sertões catarinenses, virara o mote da hora), em cujas fileiras estariam os combatentes mortos no Irani, tendo à frente “são” José Maria, lancetado naquele entrevero inaugural do Contestado (22 de outubro de 1912).

Conhecidos como “redutos” (eram mais de 40), e para os sertanejos, “cidades santas”, essas favelas, então inexpugnáveis “fortes de resistência” do jaguncedo, constituíam um misto de dormitório, rupestre praça de prédica, reza e batismos, justiçamento sumário e de ditames bélicos. Numa viagem dos tempos, dada a mesma matriz cristã, os sítios remontam ao espaço de fanatismo religioso, cega obediência e castigos aos índios, formatado pelos jesuítas nas missões da chamada “República Guarani” (1610-1776).

Improvisados e provisórios, estendiam-se a partir do Rio Iguaçu (divisa do Paraná), ao longo do Vale do Rio do Peixe (centro-oeste catarinense), até quase às margens do Rio Uruguai, que separa Santa Catarina do Rio Grande do Sul.

Como viviam infiltrados por aventureiros e fugitivos da lei, muitas vezes o epíteto “jagunço” fazia sentido. Em nome de um suposto ideal igualitário (“quem tem, mói, quem não tem, mói também”) pregado por “são” João Maria, nas suas ações guerrilheiras, derrotados nas tentativas de convencer quem os seguisse, punham-se a ameaçar a população civil, além de lhes surrupiar o gado, mantimentos, roupas e armas.

Na invasão de Curitibanos, quando incendiaram prédios públicos, assombrando autoridades e habitantes, houve quem visse em seus olhos aquele esgazeado próprio do fanático. Algo que corresponde ao que o historiador Maurício Vinhas de Queiroz (1928-1995), cujo livro Messianismo e Conflito Social (1966) é referência histórica, revela sobre os caboclos: o Contestado teria sido uma revolta alienada, seus protagonistas agiam como se fossem autistas, enfrentando as razias do general Setembrino de Carvalho com espadas de pau, crentes que ressuscitariam no Exército Encantado de São Sebastião...

Nessa, acabavam embaralhando agressão a símbolos opressores (obras da ferrovia, da serraria, sedes de fazendas, depósitos de armas, linhas telegráficas do Exército) com quem os apoiava clandestinamente (pequenos fazendeiros, comerciantes, políticos locais). Um terrorismo que foi corroendo e manchando a legitimidade reivindicatória do movimento por confundir algozes e vitimas.

Dissolvendo nossa useira e vezeira inconsciência, deboche e preguiça acadêmicas quanto à exegese da história oculta do Brasil, onde invariavelmente o campeão e o perdedor mentem, é preciso desossar o Contestado a partir de um mix entre o que foi e o que poderia ter sido. Ou seja, munido de um rigoroso approach desideologizado, onde os influxos morais permaneçam inoxidáveis.