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Cidade de Sobral se revolta contra matéria porca de Veja
A sessão desta terça-feira (29) na Assembleia Legislativa do Ceará foi marcada por uma onda de protestos contra uma matéria sobre Sobral, publicada na última edição da revista Veja. Ao criticar a campanha insidiosa de Veja contra a cidade cearense, o deputado estadual Lula Morais (PCdoB) chegou a rasgar um exemplar da revista em plena tribuna.
Na tribuna, Lula Morais condena e rasga a última edição de Veja
Com o título “Vida brasileira: The United States of Sobral”, Veja esculhamba a cidade localizada na região norte do estado. Segundo a matéria, “sob inspiração francesa, Sobral ergueu seu arco do triunfo. Agora, usa ônibus escolares americanos e incentiva a prática do beisebol”. A reportagem tacha ainda o ex-prefeito do município e atual governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), como “o ex-escoteiro socialista que implantou no sertão uma amostra do american way of life”.
Moradores, lideranças e autoridades de Sobral não passaram recibo. Segundo o blog do jornalista Eliomar de Lima, entidades de moradores devem “promover, no próximo sábado, no tradicional ‘Beco do Cotovelo’, um ato de protesto contra a Veja”. A matéria da revista, diz Eliomar, foi interpretada “como uma gozação e desrespeito para com os moradores e, principalmente, políticos da terra como o governador Cid Gomes e o seu irmão, o presidenciável Ciro Gomes (PSB)”.
Parlamentar algum passou recibo. O vice-líder do Governo, deputado Roberto Cláudio (PHS), demonstrou indignação à reportagem, que se reporta, de forma “jocosa e desrespeitosa”, como classificou ele, a Sobral. Para o deputado, a matéria foi “fundamentada em argumentos falaciosos, utilizando dados imprecisos e inverdades para criar uma tese preconceituosa com o Estado do Ceará”.
Em aparte, o deputado Moésio Loiola (PSDB) disse que a matéria não é nem trágica, mas “gaiata”. Na opinião dele, a intenção é ferir toda e qualquer pretensão do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) na corrida presidencial. Os deputados Dedé Teixeira (PT) e Manoel Castro (PMDB) também reforçaram as críticas a matéria da revista.
O líder do PSDB, deputado João Jaime se solidarizou com a revolta de Roberto Cláudio, dizendo-se chocado com a matéria. “Todas essas coisas que orgulham o sobralense foram colocadas numa situação de deboche e deve ser repudiado por todos nós”, reiterou.
Já o deputado Luiz Pontes (PSDB) refutou as declarações do jornalista Leonardo Coutinho, autor da matéria vil. De acordo com Pontes, Sobral passou por grandes problemas administrativos e, quando está bem, é um referencial para a Zona Norte. “Sobral mostra a sua pujança. Prefiro ignorar esse jornalista, que não conhece a cidade”, concluiu.
O deputado Hermínio Resende (PSL) também ressaltou que a única intenção da matéria foi combater a candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. Para o primeiro secretário da Mesa, deputado Zezinho Albuquerque (PSB), o jornalista “estava de porre e não conhece Sobral”. Segundo o parlamentar, “Sobral é saneada quase na sua totalidade. Foram centenas de obras feitas lá graças ao trabalho dos sobralenses”.
Leia abaixo a íntegra da matéria.
Vida brasileira: "The United States of Sobral"
É assim que os cearenses chamam a cidade de Cid Gomes, o ex-escoteiro socialista que implantou no sertão uma amostra do american way of life
Por Leonardo Coutinho, de Sobral
Encravada no sertão cearense, a cidade de Sobral cultiva estrangeirices com tal entusiasmo que passou a ser conhecida no resto do estado pelo título desta reportagem: "The United States of Sobral". Lá, circulam ônibus escolares americanos (originais), que, além de serem amarelos como os que se veem nos filmes, ainda trazem a inscrição em inglês: School Bus. Lá, pratica-se beisebol – ou uma versão rudimentar do jogo, segundo a confederação brasileira desse esporte. Lá, o Kentucky Derby, uma das mais tradicionais competições do circuito do turfe dos Estados Unidos, inspirou a criação do Derby Club Sobralense. A diferença é que, sob o sol do agreste, os jóqueis treinam com calção de futebol. Lá, a população apelidou o parque da cidade de "Central Park", parodiando seu congênere nova-iorquino. A veia, digamos, cosmopolita de Sobral não é nova, mas ganhou força entre 1997 e 2004, quando a cidade foi administrada por Cid Gomes, do PSB, o atual governador do Ceará. Desde então, já há quem veja semelhanças entre o Rio Acaraú, que corta a cidade, e o Hudson, que banha Nova York.
Antes de Gomes, a cidade mimetizava europeísmos, por obra e graça (muita graça) de um bispo que mandou e desmandou naquelas bandas durante a primeira metade do século XX: dom José Tupynambá da Frota. Ele queria conferir a Sobral um ar francês e, entre outros lampejos geniais, teve a ideia de homenagear Nossa Senhora de Fátima com um monumento inspirado no Arco do Triunfo, erguido em Paris por Napoleão Bonaparte, para comemorar suas vitórias militares. O monumento está localizado na Avenida Boulevard do Arco. Como tem bares e restaurantes, os sobralenses fazem uma associação imediata. "Ela lembra a Champs-Elysées de Paris", diz o colunista social Arnaud Cavalcante. Sob o domínio do socialista Cid Gomes, Sobral passou a se espelhar nos Estados Unidos. Ele começou a imaginar a aparência globalizada de Sobral em 1996, ainda na condição de deputado estadual. Escalado pela assembleia cearense para a árdua tarefa de fazer um périplo pelas câmaras legislativas americanas, Cid voltou dos Estados Unidos cheio de projetos. No ano seguinte, ao assumir a prefeitura, passou a pô-los em prática.
Seu irmão mais velho, Ciro Gomes, ajudou-o a dar os primeiros passos na americanização de Sobral. Em 1998, Ciro, que frequentou um curso de inglês básico na Universidade Harvard, convenceu uma fundação a doar 36 school buses usados para a prefeitura do irmão. O município precisou arcar somente com o frete dos veículos. Pena que houve um inconveniente: no Ceará, não existem peças nem mecânicos especializados para esse tipo de ônibus. Por isso, eles foram sendo encostados à medida que precisavam de manutenção. Dos 36 ônibus, só três ainda estão em circulação. Numa boa iniciativa, inspirada pelo empenho acadêmico do irmão mais velho, o então prefeito Cid resolveu que daria proficiência em inglês aos alunos das escolas públicas. Para tanto, instalou o Palácio de Ciências e Línguas Estrangeiras em um casarão neoclássico onde funcionou aquele que foi o clube mais elegante da cidade, o Palace. Construiu também um museu em memória da missão de cientistas ingleses que foi a Sobral em 1919, para tentar comprovar a teoria da relatividade por meio da observação de um eclipse. Hoje, o prédio abriga um relativamente bom observatório astronômico.
Sob a influência de Cid, a cidade foi adotando costumes de climas temperados. A 27 quilômetros do centro, a Serra da Meruoca, um maciço rochoso de 920 metros de altura, sofisticou-se. Em casas com lareira, os ricos aproveitam temperaturas que dizem ser 15 graus mais baixas do que a média de Sobral (30 graus), para usar seus casacos elegantes – um deles, como não poderia deixar de ser, é Cid. Nos restaurantes da Meruoca, saboreiam-se fondues, sopas e chocolate quente. E um festival de inverno oferece atividades culturais aos turistas. É a Aspen do Ceará.
No fim de sua gestão como prefeito, Cid patrocinou três equipes de beisebol e prometeu construir um campo exclusivo para a prática do esporte nas margens do Acaraú – que jamais saiu do papel. "Mas, quando ele era prefeito, nós tinhamos prioridade para usar o campo de futebol", pondera Reinaldo Marques Filho, treinador de todos os times de beisebol locais. Marques Filho é amigo de Cid desde a infância, quando eles viviam sempre alertas como escoteiros.
Esses rasgos modernizadores garantiram a Cid uma enorme popularidade. Muitos sobralenses o chamam de "El Cid" e o identificam como o redentor de uma profecia feita pelo bispo Tupynambá da Frota, o do arco do triunfo. Ao morrer, em 1959, ele previu três décadas de estagnação para Sobral – estancada pelo socialista yankee. Hoje, boa parte do maior reduto eleitoral do ex-prefeito e atual governador ainda é abastecida por carros-pipa, não fornece água tratada a toda a população nem dispõe de saneamento. Em Sobral, as principais causas de morte são as doenças infecciosas e parasitárias. Mas as ruas são iluminadas e a polícia se desloca, no confortável estilo "Miami Vice", em carrões equipados com ar-condicionado e câmbio automático. Graças à Votorantim e à Grendene, que empregam 12% da população, o comércio local é vigoroso. Cid agora quer mais um retoque à sua Nova York: metrô. No início do mês, lançou uma licitação para começar as obras. Em Fortaleza, a capital, cuja população é catorze vezes a de Sobral, o metrô local ainda não transportou ninguém. Está sendo construído desde 1999. Very good, Cid.